Redenção

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Respirou fundo, endireitou o ombro. Olho fixo na cruz centralizada em um dos alvos. Puxou o gatilho. A lata voou. Soltou o ar. Um buraco do tamanho de uma moeda de cinco centavos encarava o mundo como um olho negro. Havia algo de espetacular em pressionar um gatilho e ver algo explodir à distância. A calmaria que seguia o estampido era como se o mundo inteiro prendesse a respiração.

Então o vento soprava. Terra molhada, cerveja e pólvora.

Aplausos. Fora um disparo incrível.

João nunca atirou, sequer tinha segurado uma arma — apenas uma de chumbinho que um dos amigos pegou escondido do armário do pai, mas isso fora há muitos anos. Não era a mesma coisa. Desconhecia o sentimento de atirador. O sorriso e o brilho nos olhos, a expressão de alguém que conquistou o topo do mundo e voltou para dizer que a sensação é do caralho. Depois as palmas, a alegria que trespassava o corpo de todos como um relâmpago. Os elogios. Tudo isso apenas por ter pressionado um gatilho e dado uma lição numa lata de cerveja amassada.

Impressionante.

O nome disso era sucesso. Não era uma palavra frequentemente associada ao seu nome. Ouvira em diversas ocasiões um "muito bom, João!" e "parabéns, professor!". Não era a mesma coisa. Nada além de uma fria cortesia. Ser elogiado por algo que realmente impressionasse nunca lhe ocorreu.

— Quer tentar? — César erguia a espingarda em sua direção, o sorriso de homem de sucesso ainda estampado naquele rosto de astro de Hollywood sexagenário.

João limpou a garganta.

— Não, não — disse com as palmas das mãos erguidas — acho que não é muito o meu estilo segurar uma arma, sabe, tenho uma reputação como pacificador. Seus colegas riram. Sempre riam de seus comentários. Mas não havia poder ali, nem sucesso.

César e os outros continuaram a disparar. Logo o calor da competição daria lugar a fome, então fariam uma pausa para o almoço. Todos menos ele. Olhava-a, fascinado. Uma interessante extensão do corpo humano, como uma câmera fotográfica ou um microfone.

Passou os dedos pelos nós da coronha de madeira. Sentiu a frieza do cano e um arrepio correu seu corpo, eriçando os pelos das costas e da nuca. Ele a empunhou, assim como fizera o amigo. Sentiu seu peso, seu poder — a extensão do poder destrutivo de sua mente.

Quando olhou pela luneta, a princípio viu apenas uma mancha escura, até que a cruz apareceu e o muro parecia tão próximo que com alguns poucos passos poderia tocá-lo. Viu as latinhas caídas e seus furos. A grama verde que brilhava com a chuva recém caída de fins de março e as árvores, onde, em meio a folhagem, ele viu o ninho.

Nesse momento foi como se uma chave tivesse virado em sua cabeça (podia jurar ter ouvido um click). Foi tomado inebriante, algo que deixava sua pele fria e arrepiada, que subia lá de baixo, da ponta dos dedos do pé, passava pelos tornozelos, pelas batatas grossas, criava um tremor espasmódico no interior do joelho, formigava em suas coxas até, enfim, explodir em uma ardência febril nas bolas.

Ficou de pau duro apenas por segurar a arma e sentir seu potencial. Deus, aquilo soava absurdo, mas era verdade, e, acima de tudo, muito bom!

Seu indicador brincou com o gatilho, estava pronto para mandar pro caralho aqueles pássaros...

— E você aí?!

Assustado, João virou a espingarda na direção da voz, e o cano ficou por uma fração de segundos apontado para o peito de César, sob uma camisa branca com os dois últimos botões abertos. Rapidamente ele afastou o cano com a mão direita e uma expressão aborrecida no rosto, que quase passou despercebida.

Água e SalWhere stories live. Discover now