Capítulo único

39 5 18
                                    


PRÓLOGO

A felicidade no rosto de uma criança é uma das coisas mais maravilhosas que o ser humano pode presenciar. Aqueles dentinhos pequenos em um sorriso aberto, as bochechas saltando e os olhos se contraindo no máximo da fofura. Qualquer um que olhasse para Margot Rogers naquele 31 de outubro de 1976 teria uma visão completamente diferente.

Como se nascer exatamente no dia das bruxas não fosse motivo suficiente para todo o bullying que sofria de seus colegas, nenhum deles ia às suas festas de aniversário, justamente por conta do feriado. E seu pai não ajudava nem um pouco a situação. Colocava a filha numa fantasia ridícula que ele julgava apropriada e a levava no mesmo parque de diversões que todos os outros pais levavam seus filhos no feriado de Halloween, para que todos pudessem ver a cara emburrada da bruxinha da cidade. Esse ano, John gastou todo o orçamento em um vestido rosa com uma saia de tule esvoaçante. Decorou-a com uma asa torta de 2 dólares, deu a ela uma varinha brega com fitas de cetim e uma mini coroa de plástico que beliscava seu cabelo. Ou seja, uma (nem tão) linda fada.

Em meio às atrações e barracas de comida, seu pai a acompanhava pela estrada da vergonha, onde todos os seus "amiguinhos" riam e cochichavam sobre a menina amaldiçoada que nasceu bem no dia das bruxas. Nenhuma das outras crianças queria brincar com ela, desde que Stella inventou a maldição Margot há dois anos: qualquer um que encostasse nela estava fadado a 10 anos de azar (que não era nada além de um olhar de reprovação de Stella, mas que ainda assim despertava medo em qualquer pirralho de 10 anos da escola).

Como John não podia obrigar as outras crianças a brincar com sua filha, ele a levava em todos os brinquedos que ela tinha altura suficiente para entrar. Não ajudava muito com o humor de Margot, que insistia em amarrar a cara em um bico enorme, mas ao menos ele tentava. Não bastasse tudo isso, naquele ano seus coleguinhas resolveram dar um presente especial a Margot, uma surpresa que ela jamais iria esquecer.

Quando seu pai a deixou sozinha para pegar um algodão-doce, Mateo apareceu vestindo uma máscara do Chewbacca e assustou Margot, que correu para longe. O monstro mascarado começou a persegui-la, até que seu outro colega George também apareceu vestindo uma máscara, dessa vez de Freddy Krueger.

Assim foram aparecendo uma a uma as crianças fantasiadas, encurralando Margot até a casa de espelhos, onde Stella esperava para finalizar a brincadeira. O que ela não contava era com o tamanho do susto da pequena, que estava correndo tão rápido que se chocou contra o espelho do segundo corredor, rasgando a testa ao meio. Seu sangue escorria por entre as rachaduras do espelho, enquanto estava estirada no chão, sem vida. John rapidamente apareceu. Lamentou-se tanto por não ter sido um pai melhor que pudesse proteger sua única filha. Agora ela se encontrava morta em frente aos seus pés. Diante do corpo de sua filha, jurou que ela iria se divertir em todos os seus aniversários. Todos os anos ela teria amigos para brincar.

AMIGOS

Mais um patético dia no parque Happyland, com crianças barulhentas, brinquedos que eram mais perigosos do que divertidos, e uma gororoba que a direção do parque mandava chamar de comida. Adam odiava tudo aquilo, e ainda era obrigado a ficar o dia todo ao lado do cheiro duvidoso que emanava da barraca de cachorro-quente, onde ele trabalhava. Tudo aquilo lhe dava nojo: as crianças catarrentas que imploravam aos prantos às suas mães para que os levassem novamente ao Barco Vicking; a comida nojenta que parecia ter saído de Deus sabe onde; as atrações caindo aos pedaços, com exceção do carrossel, que apesar de bem cuidado, não tinha graça nenhuma.

Mas aquele dia ainda tinha como ficar pior: era Halloween! Isso significa que veria vários pirralhos em fantasias feitas pela mamãe acreditando estarem parecidos com o Homem-de-ferro ou a Rainha Elsa. Como se não bastasse o cheiro das salsichas que pareciam qualquer coisa, menos salsichas, agora o ar se impregnava com o aroma de chocolate barato e doce vencido (e eventualmente uma fragrância de vômito por indigestão). O cabelo de Adam era comprido até o pescoço e com algumas mechas azuis, amarrado em um rabo de cavalo por conta do local de trabalho. O cheiro de salsichas vomitadas ficaria impregnado por uma semana, no mínimo.

AmigosWhere stories live. Discover now