Segunda-feira, 06 de outubro de 1969

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A chuva persistente e o grande número de veículos são as principais causas para que o trânsito apresente dificuldades nas principais ruas do centro da cidade. Ônibus e automóveis transitam enfileirados como se fizessem parte de um lento cortejo. São inúteis os insistentes e irritantes ruídos das buzinas. O contínuo vaivém dos limpadores não é suficiente para facilitar a visão dos motoristas prejudicada pelos pingos de chuva arremessados pelo vento contra os embaçados para-brisas.

Nas estreitas calçadas, fora do alcance das marquises, guarda-chuvas e sombrinhas disputam espaço numa atropelada corrida contra o tempo.

A agência bancária de grande porte, localizada em uma das ruas mais movimentadas do centro, começa a receber seus funcionários para mais um dia de atividades. As suas portas vitrificadas, que separam a entrada e a recepção, oferecem uma visão transparente e imediata do movimento diário, interno e externo. O amplo hall que vem em seguida à recepção é composto por 6 guichês de pagamentos localizados de frente para a recepção. Ao lado esquerdo dos guichês, quase que encostada à parede, está localizada a mesa da subgerência. No lado direito, com sentido paralelo aos guichês, estão posicionadas em sequência as 4 mesas dos chefes de serviços. Uma divisória instalada próxima à porta de acesso às demais dependências protege a visão do cofre principal. À sua frente está localizada a mesa do gerente e ao seu lado a mesa de sua secretária. Luminárias de intensa potência permitem uma visão clara de todos os setores da movimentada agência.

Um quadro complementar de vigilantes inicia o seu trabalho às 10h:30m fazendo a segurança interna do posto.

— Bom dia, Sr. Lopes — cumprimenta o vigilante de altura acima da média e porte atlético, escalado para acompanhar a abertura da agência que possui um total de 14 funcionários entre profissionais e auxiliares de serviços.

— Bom dia, Sr. Jaime — responde o franzino gerente com sua voz ainda sonolenta enquanto retira aborrecido a sua pesada capa de chuva. — Bem que poderíamos ter um bom tempo no primeiro dia da semana. Basta de chuva — reclama.

— É, parece que São Pedro resoveu antecipar as chuvas do ano que vem — comenta Jaime, tentando animar o humor de seu Lopes.

— Ah, é mesmo? Pois então avise a São Pedro que a ideia não agradou nem um pouco — resmunga o responsável pela agência, caminhando em direção a sua sala, limpando de improviso as lentes dos óculos com a ponta da gravata e deixando atrás de si, sobre o piso de tábuas envernizadas, um rastro de água escorrida de seus sapatos encharcados.

O relógio na parede próxima da recepção marca 10h. O vigilante permanece à porta, observando a chuva cair, enquanto aguarda a chegada de outros funcionários.

— Bom dia, dona Clara!

— Bom dia, Jaime — responde a funcionária grávida do primeiro filho com seu jeito calmo e educado — Que tempo, hein? E esse trânsito tá uma barra. Pensei que não fosse conseguir chegar — reclama enquanto fecha sua sombrinha.

— E a senhora neste estado. Deve ser uma dificuldade enfrentar todo este engarrafamento.

— Você nem queira imaginar. E olha que o meu marido ainda me trouxe de carro até aqui ao centro, senão...

— Eu já me acostumei. A cidade é assim mesmo, uma chuvinha à toa e pronto. Ruas alagadas, trânsito engarrafado, desmoronamentos e falta de luz. Aquela confusão. Agora então, chovendo há uma semana... E o neném, dona Clara? Como vai?

Sorridente, a futura mamãe supera todos os sacrifícios para falar ansiosa de seu bebê.

— Ah, Jaime, te garanto que o meu bebê está melhor do que nós, bem protegido e livre dessa confusão toda aqui de fora. Tenho pedido muito a Deus que, quando o meu filho nascer, encontre um mundo melhor, com menos problemas e confusões.

Amor e ódio em Tempos de Ditadura - Francisco de SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora