Aquela loja

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O Dia dos Namorados se aproximava e mais uma vez eu passaria sozinha.

Desde que perdi minha mãe, há pouco mais de dois anos, percebia que tinha perdido muitas outras coisas na minha vida também: minha juventude, meus sonhos, minha autoestima e, praticamente, minha identidade.

Aos vinte e nove anos eu me sentia uma velha, cansada, estafada, vivendo como por obrigação. Era trabalho e casa. Um trabalho exaustivo em uma empresa de Marketing, onde eu me doava demais e saía sempre depois do horário. Isso sem contar o trabalho que eu lavava para fazer em casa, acumuladas com as tarefas domésticas.

Agora eu andava me perguntando que vida era aquela.

Nem sempre fui assim. Quando jovem, era animada, cheia de vida e esperanças, cheia de amigos. Mas então minha mãe havia ficado doente, desenvolvido Esclerose Múltipla, que depois ainda se complicou com Alzheimer. Era bem mais velha que eu e o amor da minha vida, minha companheira. Claro que larguei tudo para cuidar dela, para ficar no hospital e fazer tudo para que tivesse todo conforto possível. Ainda mais quando parou de andar.

Desde o momento em que a doença foi diagnosticada até o seu último suspiro de vida, eu não a deixei. Mas agora estava sozinha e sem saber muito bem como lidar com minha própria vida.

A maioria dos meus amigos estava casada ou seguiu seu rumo para longe. Eu não tinha mais parente nenhum. E trabalhava tanto que vivia cansada e sem ânimo para sair. Por esse motivo, quando uma colega do trabalho me chamou para o aniversário dela naquela noite, dia 11, resolvi aceitar. Era melhor do que passar roupa em casa ou hibernar na frente da televisão.

Andando pelo Botafogo Praia Shopping, eu olhava as lojas, buscando algo para comprar. Estava meio irritada com minhas roupas formais de trabalho e queria algo diferente. Ter a sensação de que ainda era bonita e feminina, e o prazer de me arrumar. Não sei de onde tinham vindo aqueles desejos. Talvez da solidão, que começava a pesar. Ou o Dia dos Namorados, que era como um dedo apontado para mim a gritar: FRACASSADA!!! SOZINHA!!!

Suspirei e parei de repente quando um vestido preto, transpassado, sexy, chamou minha atenção. Olhei para ele e soube que ficaria perfeito em mim, que tinha seios fartos e cintura fina. Marcaria meu quadril e o decote generoso com certeza valorizaria o que eu tinha de melhor.

Entrei na loja sem vacilar. Pedi o vestido e fui correndo ao trocador com o coração disparado, sem entender minha animação e ansiedade. Tirei o jeans e a camiseta sem graça, enfiei o vestido e me olhei no espelho. Tinha sido como imaginei: perfeito. Parecia o corpo de outra mulher, curvilíneo, sexy, lindo.

Sorri sozinha e então fiquei séria novamente, percebendo meu cabelo preso de qualquer jeito, as sandálias rasteiras e gastas. Aquilo me irritou, como se o tempo todo eu cuidasse muito pouco de mim. Puxei a presilha e meus cabelos castanhos caíram soltos e selvagens sobre os ombros. Eu os sacudi, passei os dedos entre eles, gostei do efeito com o vestido.

Sem pensar muito, tirei um batom vermelho da bolsa e o passei. Tinha ali um kit que sempre me acompanhava, mas em geral usava tons "nudes" na boca. Mas não naquele dia.

Saí do provador usando meu vestido preto. Disse a vendedora que o levaria. Ela cortou a etiqueta para mim e guardou minhas roupas velhas em uma sacola. Fui para fora da loja ansiosa para me livrar também das sandálias feias.

Foi quando me deparei com a loja da Andarella. Adorava os sapatos e bolsas de lá e tinha alguns. No entanto, daquela vez foi amor à primeira vista. Como havia sido com o vestido. Vi uma sandália vinho, de salto alto, com pequenas tiras se entrecruzando no pé, e me apaixonei de imediato.

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⏰ Last updated: Jun 13, 2016 ⏰

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