Bem-vindo a Forton

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— Boa noite, mãe.

Sussurravam os irmãos gêmeos Richard e Emmeline enquanto sua mãe fechava lentamente a porta. O ritual se repetia desde que nasceram e não importava o quanto cresciam, sua mãe não deixava passar uma noite sequer sem ir a seus quartos e lhes dizer boa noite em suas camas.

O inverno havia chegado muito cedo aquele ano, ainda nem era dezembro e a neve caía densa, pintando de branco as ruas de Londres, mas na casa Wotton tudo se fazia silêncio. Era uma exuberante construção que divulgava graça e beleza, uma fachada clássica, paredes em tons de bege, portas arqueadas de madeira e grandes vidraças no segundo andar. Interiormente, o belo palacete era claro e acolhedor, suas paredes e teto tinham estruturas e detalhes em dourado, as salas eram amplas e bem arejadas e os quartos reconfortantes com grandes lareiras esculpidas. Vasos com flores, quadros e bustos de porcelana em todas as salas. Em suma, a casa era uma mostra do perfil da família nobre que lá vivia havia muitas gerações.

O ano era mil oitocentos e trinta e oito e na Inglaterra se iniciava o reinado da jovem Vitória. Mas francamente, para a família Wotton não fazia muita diferença quem sentava no trono, eles sempre foram e sempre seriam uma das famílias mais poderosas e influentes de todo Reino Unido. Estabilidade, riqueza e luxo eram as características primárias daquela família que já existia a mais tempo do que se pode lembrar. Tradição e costumes eram o coração pulsante que mantinham os Wotton em sua posição. Nas paredes da casa havia pinturas de diversos ancestrais e nos umbrais lia-se: Fortitudo. Sapientia, et virtus.

A noite já era alta, Lord Wotton tomava chá sossegado na sala e os filhos Richard e Emmeline já haviam se recolhido para seus quartos. Lord Richard Wotton sempre se sentava para ler o jornal algumas horas antes de se recolher. Os olhos cor de ferro pareciam não se cansar de correr entre as frases, os cabelos negros severamente penteados repousavam no encosto da poltrona de almofadado azul marinho. Ele não era um homem velho, aos trinta e nove anos não tinha sequer uma linha no rosto, parecia mais uma estátua, até mesmo pela frieza que passava em sua expressão. A vida toda tinha sido um homem bem afeiçoado e elegante, porém apático e frígido.

Sua senhora, Helen Wotton, vinha descendo as escadas ao encontro de seu marido. Seu corpo sinuoso e delgado desfilava com elegância em um característico robe vermelho que ela amava usar durante as noites. O cabelo de Lady Wotton era como uma cortina de seda negra que cascateava até sua cintura. Ela se aproximou do marido e olhou para as paredes da sala. Regularmente ela se deixava levar pelo peso da história do local onde vivia. Helen se dava conta, ao olhar ao redor do cômodo, que era resultado da linhagem de uma família que talvez fosse mais antiga que a própria Inglaterra. Seus olhos esmeraldinos brilhavam como estrelas quando a compreensão do significado de seu nome se abatia sobre ela.

Era por ela, por seus filhos e por seu adorado marido que os umbrais daquela casa foram e permaneceriam esculpidos por séculos e isso a enchia de orgulho. Helen se debruçou sobre o marido, o beijou a bochecha e o convidou a subir para o quarto. Ele sequer reagiu. No entanto, Helen não se incomodava com a indiferença dele, foi assim que ela o conheceu e foi assim que ela se apaixonou por ele. E não havia dia em que ela não se sentisse grata aos céus porque de todas as moças belas e prendadas do mundo, ele a escolheu.

Richard dobrou o jornal e junto de sua senhora subiu aos seus aposentos. E assim a escuridão foi recaindo sobre a mansão Wotton. À medida que os criados iam apagando as velas, o som do crepitar suave das chamas ia dando lugar ao zumbido agressivo do vento agreste do lado de fora. Apenas uma vela permanecia acesa. No último quarto, no fim do corredor, à direita, repousava o jovem Richard Wotton.

Deitado em sua cama, ele observava a vela queimar sobre a mesa de cabeceira. Ela mantinha um pequeno foco de luz em um quarto tomado pelas sombras, mas à luz do dia, o quarto do menino Richard era aconchegante e belíssimo, talvez o melhor da casa. Seu quarto tinha a visão espetacular do jardim dos fundos, que havia quem dissesse que era mais belo que o jardim do próprio palácio de Buckingham.

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⏰ Last updated: May 20, 2017 ⏰

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