O vento e um véu

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Outro dia reti-me em um silêncio assombroso.
Não sentia frio ou calor, nem sabia da existência doce da alegria
e nem uma tênue sensação de qualquer espécie de dor.
Eu estava oco. Sentia-me translúcido, sem graça e sem nenhum traço de cor.

Aquele casco de vidro que era meu corpo era vazio
como uma taça abandonada, sem vinho, se mostrando suntuosa à solitude com seu ermo cristal.
Algures teria de estar o meu conjunto, a minha paleta de cores, minha elã vital.

Um perfume floral, opulento e cativante me acordou todos os sentidos.
Procurei-o através de casebres, lagos, montes e vales sob seus soltícios e equinócios,
verões ardentes e invernos ferozes, embrenhando-me nas roseiras agudas e galhos mortos.

Jurava ao horizonte que chgaria ao fim, à beira do abismo celeste
em busca daquele óleo que impulsionava minha alma na mais íntima busca;
e guiado pelos olhares de leste a oeste
que me cercavam de luxo em ouro, prata combinados com natureza rústica
campos de esmeralda e florestas de turmalina verde.

Quando, em uma piscadela acidental, uma formosa silhueta se entregava à mim.

Minha visão era um entardecer de céu laranja e rosado como naqueles dias
em que não se sabia se o mundo renascia ou se fazia fim.

Um gramado espaçado com terra escura, pilares de mármore vermelho,
concreto cinza abastado de rachaduras e epitáfios formavam um momento; um afeto interno;
que me lembrava o primeiro dia de inverno.

Podia jurar que havia um violino em notas lentas, vibratos e escalas
que desciam e subiam como o encontro entre o vento e um véu,
e o instrumento regia aquela cena onde eu observava a silhueta...uma mulher de pele clara
como se fosse o primeiro floco de neve que abandonara o céu.

Jazia sentada, com o corpo levemente inclinado, rosto em perfil
oculto em cabelos tom de rubro suave, mas impávido,
como uma gérbera alaranjada, admirando um túmulo de granito negro
que dizia em letras douradas os nossos nomes e epitáfios.

E então a mulher se vira e eu a reconheço pelo perfume, pela boca pequena
como em um sorriso da lua minguante e o olhar único penetrante.

E logo soube que eu reencontrara minha musa mais uma vez.
Pousamos nossas mãos juntas e sabíamos o que era tudo aquilo.
Tínhamos mais do que o mausoléu podia deter e, assim como os alquimistas procuravam,
a força e a magia, como a magnífica pedra filosofal continha, nada era além de nós mesmos.

A imortalidade é, além de muito além sobre pedras místicas,
o impulso tenro dos romances devotos do impossível e do abstrato
como nós, que estaremos juntos por vidas centenárias
de contos sublimes e histórias várias.

Trilha ao fim do mundoWhere stories live. Discover now