Anneliese

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Amsterdã, 1935

Antes de finalmente colocar os pés no tapete macio que ficava ao lado da cama, Taylor esfregou os olhos e espalhou os dedos pela testa. A dor de cabeça não era forte, mas parecia do tipo insistente. Exatamente como todos os pensamentos que não saíam da sua cabeça.

Finalmente se colocou de pé, vestindo a calça escura e ajustando os suspensórios sobre a regata branca com a qual dormira. A passos lentos, do tipo que deslizam não por preguiça, mas como um artifício para prolongar o tempo, alcançou a penteadeira, no lado oposto do quarto.

Jogou a água da jarra esmaltada na bacia de louça adornada com minúsculas flores azuis em toda a borda. Lavou o rosto e passou a toalha de linho pela face e os cabelos, agora salpicados pelo líquido.

Respirou profundamente e deixou a preocupação de lado um instante para sorrir.

A casa cheirava café e maçã com canela.

Olhou para trás, em direção à cama e jurou conseguir ver o corpo mais lindo em que já havia colocado os olhos preencher a forma que marcava o lençol com um lânguido amassado. Ele não queria que já fosse manhã, com o sol entrando pelos vidros e banhando tudo. Se pudesse, viveria as duas últimas semanas em eterna repetição, sem fim.

Pareciam milhões de anos desde que havia pisado no salão do embaixador americano na Holanda para um jantar ao qual nem queria ir. Taylor era um diplomata jovem e promissor aos 28 anos. Tinha sido destacado para uma curta, mas importante, negociação entre os governos holandês e norte-americano, que envolvia comércio de bens de consumo importantes para o exército.

Um gramofone dourado em um canto da sala tocava Eddy Duchin, pianista de jazz de quem ele gostava particularmente. Pelo menos a música seria boa. Tirou o sobretudo e aprumou a gravata borboleta antes de se servir de uma taça de champanhe.

Foi no momento exato em que levava o copo de cristal à boca e o aparelho chiou, enquanto o disco girava antes do início da outra canção, que ele a viu. Não soube explicar o que era a sensação que o tomava, algo estranho na boca do estômago. Ele já havia sentido antes. Como pânico, com a diferença que era bom. Mas nunca em tal intensidade.

A bela moça era alta e esguia. Parecia uma estrela de cinema dentro do vestido de contas prateadas que marcava o corpo o suficiente para ele querer saber mais. Ela estava conversando com alguém. Displicentemente falando amenidades que ele não podia escutar. Quando seu olhar descontraído cruzou o caminho do olhar àquela altura já obstinado dele, ela mirou a própria bebida e esboçou um sorriso tímido. Ele estava condenado, sabia disso. A moça tinha o cabelo não muito longo, dourado com o de uma das suas irmãs mais novas, com cachos bem feitos, presos em um penteado não muito elaborado. Ela usava maquiagem que fazia com que a atenção de quem a olhasse  se concentrasse completamente nos lábios bem preenchidos e nos olhos azuis como se fossem de vidro.

Ele chacoalhou a cabeça e passou as mãos nos cabelos despenteados e ainda com resquícios da pomada que usava pra assentá-los.

Era estranho pensar como dias depois ele cruzara com ela em um café. E como outros dias depois estava em sua cama, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Olhou-se no espelho e sentiu o estômago se contrair. Amor, felicidade, desejo. Era incrível como aquilo o que estava vivenciando podia ser maravilhoso e, ao mesmo tempo, se transformar em um perverso grão de sombra que em poucos segundos tomava seu pensamento por completo e se instalava em seu cérebro como um parasita comedor de alegria.

Tentou espantar as más ideias da cabeça. Mais uma vez puxou os cabelos para trás, dessa vez franzindo o cenho e arqueando as sobrancelhas. Seu pensamento foi invadido pela fútil reflexão que tinha de fazer a barba e não havia trazido sua navalha. Foi quando ouviu a doce voz, com um leve sotaque que ele nem sabia precisar com o que se parecia, chamando-o.

De amor.

Era como um canto de sereia. Andou até a cozinha e se encostou no batente, observando Anneliese, nas pontas dos pés descalços, valsar a passos mínimos e cantarolar algo que parecia uma canção de roda em sua língua. Era a coisa mais linda que já havia visto, sem dúvida nenhuma.

Com as mãos envoltas em panos brancos, ela tirou do forno uma torta de massa linda e dourada. Ao posicioná-la sobre a mesa, deu-se conta da presença dele e sorriu.

_ Aí está você, dorminhoco. Fiz até café!

Ele riu, pois sabia que ela preferia chá. _ Acordei sentindo o aroma pela casa.

_ Não quis te perturbar.

Ela se aproximou e pousou os dedos sobre o peito de Taylor, que tomou a mão de Anneliese na sua e a beijou. _ O que estava cantando?

_ Nada demais. Uma canção de crianças. Uma bobagem. - ela balançou a cabeça e sorriu envergonhada.

Os olhos azuis de ambos se encontraram como dois mares calmos à espera de uma tormenta. Ele desceu o polegar pelo rosto dela, pescoço, colo e resvalou em seu seio, coberto pelo robe. Como se tivesse acionado um interruptor, Anneliese se colou nele. Ele podia sentir sua respiração doce próxima à boca.

_ Nós... Seu cabelo está tão lindo assim.

_ E eu preocupado que deveria arrumá-lo.

_ Você não precisa fazer nada para que eu ache que é o homem mais bonito que já vi na minha vida.

Anneliese não fazia declarações, e essa o surpreendeu. A ideia de que ela poderia sentir o mesmo que ele, fez com que a apertasse ainda mais em seus braços, colando a boca na sua.

_ Suponho que o café da manhã possa esperar?  - ela brincou.

_ Adoro que você sabe ler pensamentos.

Ele a tomou novamente nos braços, beijando sua boca com toda a voracidade que achava que ela poderia aguentar. Pressionou-a contra si, já surpreso com a forma como havia ficado excitado. Anneliese por sua vez sorriu ao senti-lo tão próximo e tão cheio de vontade. Antes que pudesse pensar, seu penhoar havia sido aberto e escorria pelos ombros.

A constatação de que ela não usava nada embaixo daquela seda cor-de-rosa fez Taylor latejar por dentro. Não era possível sentir tanto desejo assim por alguém. Sem tirar sua boca da dela, alcançou seu centro com uma das mãos e apertou levemente. Anneliese ofegou em seus braços.

Ela era perfeita.

Sentiu os dedos frios dela jogarem as alças dos suspensórios para os lados e desabotoar sua calça. Quando ela olhou para baixo e involuntariamente passou os dentes no lábio inferior, ele sucumbiu. Agarrou-a e fez suas pernas envolverem sua cintura. Podia sentir-se tocando-a levemente. Deliciou-se com sua umidade. Ela gemeu e suplicou:

_ Por favor.

Em um giro, Taylor encostou-a parede da cozinha e a preencheu devagar, como aprendeu a fazer, pois era desse jeito que ela se desfazia à volta dele em gemidos curtos e suspiros entrecortados. Poderia morrer ali, tinha certeza.

Gozaram com alguns minutos de diferença. Ela antes, como usual. Mas não era um problema, pois quando isso acontecia, Anneliese o olhava profundamente e falava palavras terrivelmente deliciosas em seu ouvido até que ele explodisse dentro dela.

Taylor escorreu para fora, já sentindo falta da melhor sensação que já havia experimentado. Beijou-a mais uma vez. Ele ia morrer se não falasse. Era essa a verdade.

_ Eu te amo, Anne.

Ela sorriu. Encostou os lábios nos dele. Entrelaçou os dedos em seu cabelo. E respirou em seu pescoço. Por fim, suspirou. _ A torta vai esfriar.

Ele sabia que não podia pressioná-la, mas, enquanto saboreava a massa que derretia na boca junto da maçã doce e caramelizada e todas as deliciosas especiarias que ela havia adicionado, só conseguia pensar em como sobreviveria outro mês naquela cidade sem ela. Ou mesmo com ela.

Ele não queria pensar. Ele queria que essa informação apenas deixasse de existir. Mas a verdade é que não sabia o que fazer com o fato de que o marido de Anneliese voltaria de viagem na semana seguinte.

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⏰ Last updated: Dec 10, 2018 ⏰

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