As Portas

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– Olá, como você se chama? – O jovem de terno bordô e longos cabelos loiros, aborda sua nova vizinha de porta.

– Eu chamo? Não chamei nada não. – A moça de tranças castanhas e olhos escuros, como o anoitecer na floresta, mira-o meio confusa e desconectada, e consequentemente soa como quem conta uma piada.

"Parece que alguém tem senso de humor." – Ele pensou.

Ele sorri educadamente: – Eu gostaria de saber seu nome.

– Meu nome? O que quer com ele? – Ela questiona levemente, enquanto pendura a decoração florida na porta, que coincidentemente combina com sua jaqueta.

"Ela realmente tem um jeito peculiar de agir e não parece muito a fim de conversar." 

– Eu gostaria de saber seu nome. – Ele afirma sorridente e formal, embora desestabilizado pelas reações dela.

– Ah sim. Mas por quê? – Ela pergunta no momento em que se abaixa para pegar um girassol no cesto.

" Nesse momento eu estou fingindo escolher uma flor, só porque eu não quero olhar nos olhos dele, são incrivelmente azuis e lindos, e eu queria me afundar neles, como queria. Isso soou tão adolescente de 14 anos,  que rumo eu estou tomando na minha vida?!"

O jovem ainda atordoado pelo o comportamento de sua nova vizinha, responde cautelosamente: – Bem, você acabou de se mudar e é sempre importante dar as boas-vindas.

Ela para o que estava fazendo para encará-lo: – E para isso você precisa de nomes?

"Oh céus, que tipo de respostas são essas?! Eu preciso reordenar meus pensamentos." – Ela resmunga consigo mesma.

– Faz parte da educação, não faz? – Ele se retrai em dúvida, mas sem desviar seus olhos dos dela.

"Eu não sei onde essa conversa vai terminar, porém eu espero que a minha dignidade saia intacta." – O pensamento ecoa dentro dele, enquanto ele se abaixa para pegar uma folha que ela deixou cair, mas antes que ele chegue até lá, ela já arrebatou-a e está de pé novamente.

– Então você está aqui por educação? – Questiona-o lançando um olhar de sobrancelhas arqueadas, tentando agir "naturalmente", tentando fingir que esse salto que ela deu quando viu ele aproximar-se no chão, não aconteceu, mas ambos sabem que aconteceu, assim como as câmeras de segurança do corredor bem iluminado em que estão.

– É a política da boa vizinhança, é um costume fazer isso. É para ser gentil e receptivo, não estou querendo ser invasivo, apenas simpático. – Ele oferece sua resposta mais sincera, mesmo que as palavras saiam um pouco emboladas.

– Entendi. – Ela continua mexendo nos girassóis da porta. – Mas me diga, não faz parte da educação se apresentar antes de sair fazendo um interrogatório?

Ele fica pálido e encabulado com as palavras dela.

Ela solta uma risada suave.

Ele tenta rir, mas soa nervoso.

Ela termina de pendurar as flores, ajeita uma última vez a posição da decoração.

Ele assovia baixinho, numa tentativa de parecer descontraído: – Ah...Acho melhor eu recomeçar essa conversa. Boa tarde então, eu sou o Brendon e moro no 202, como você já deve ter percebido. E... se precisar de algum auxílio, estou disposto a ajudar. – As palavras fluem, acidentalmente, muito formais, ele espera que a garota não estranhe, mas ele percebe que isso é quase impossível. 

"Maldito nervosismo!"– Ele pensa.

Ela estende a mão para ele, num gesto amistoso : – Eu sou a Aysha, acabei de me mudar para o 201, como pôde ver. – Ele corresponde o aperto e sorri. – E obrigada pela disposição e a gentileza.

"Ele fica engraçado nervoso."– Ela tem vontade de rir.– "Controle-se! O coitado já está encabulado, eu não quero piorar para ele." – Ela reflete novamente. – "Na verdade é divertido vê-lo assim, mas é melhor eu parar de fazer trocadilhos infantis."

A verdade é que ela também estava um tanto nervosa, ela não esperava conhecer a vizinhança logo no primeiro dia, mesmo que não fosse seu primeiro dia ali, era seu primeiro dia morando ali. Ou seja, tudo naquele momento era parte de uma nova experiência, o problemas das novas situações é que são imprevisíveis e podem se tornar uma memória boa no futuro, do tipo que traz uma nostalgia gostosa, ou pode se tornar um momento humilhante ou ruim de alguma forma, de qualquer modo, isso só depende de nós e das nossas escolhas. E ela esperava estar fazendo as escolhas certas.

– Então Aysha... – Ele dá ênfase ao nome, de uma maneira brincalhona (o objetivo era ser provocativo, mas infelizmente não deu certo).– Já que estamos devidamente apresentados, eu tenho um compromisso e devo ir o mais rápido possível, caso contrário vou me atrasar, não que eu realmente queria ir, mas faz parte das minhas obrigações. Enfim, foi um deleite conhecê-la.

Ela poderia ter rido do vocabulário dele, mas na verdade tinha gostado muito e se sentia meio boba por querer rir daquilo. Embora o diálogo todo fosse meio improvável, e se alguém observasse de fora, com certeza afirmaria que aquilo era uma comédia (romântica quem sabe, muito provável).

Ela ficou intrigada em saber qual era o compromisso e o quão atrasado ele poderia estar, mas ela não disse nada sobre isso, quem sabe houvesse outra oportunidade para isso, ou talvez, simplesmente não fosse da conta dela e sendo assim, não lhe cabia fazer questionamentos, embora tudo até agora estivesse envolto em pontos de interrogação, em cada frase que eles estiveram trocando, havia alguma interrogação.

– Foi bacana conhecer você também.– Ela abre a porta de marfim, agora adornada por belas flores, e vai entrando. – Te vejo qualquer dia desses então, vizinho?

Sinceramente ela havia gostado daquela conversa e do rapaz, inclusive, mas não queria admitir isso tão facilmente, embora tudo na sua linguagem corporal, e até mental, se é que isso verdadeiramente existe, deixasse bem claro seus sentimentos.

Ele poderia dizer a mesma coisa sobre si.

Ele termina de trancar sua porta e depois, vira-se na direção dela, ou seja, bem na frente da porta dela, bem  de frente para ela: – Certamente que sim, vizinha. – Ele se despede com um meneio de cabeça e segue para o elevador. E nesse momento, qualquer um diria que ele saiu desfilando com um ar de confiança e empolgação, similar a um cãozinho que abana o rabo depois de pegar a bolinha lançada no ar.

O que eles estavam sentindo, não compreendiam e não controlavam, podia ser o início de uma grande amizade, ou de algo diferente, mais romântico quem sabe, mas esse rumo é difícil prever, mesmo para quem traça cada linha dessa nova história.

No momento em que ela passa a chave na porta, o elevador se fecha.

A cada porta que se fecha, é uma nova porta que abre.

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⏰ Last updated: Apr 30, 2019 ⏰

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