Capítulo Sete

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— Boa noite, Elena de Tróia. — Fala Heitor, parece que faz tanto tempo que não nos vemos.  

— Boa noite, Príncipe Heitor. — Respondo.  

— Como vai minha irmã favorita?  

— Sou sua única irmã, Heitor, tenho que ser a favorita.  

Quando nossos pais se conheceram em um dos muitos templos gregos e foram arrebatados por uma paixão de força hercúlea, e como bons amantes da cultura grega, eles acharam uma boa ideia dar o nome de figuras tão marcantes para seus filhos. A da mulher que levou duas cidades a entrarem em guerra e do homem que lutou contra um semideus para defender sua família e seu povo.  

Heitor ergue uma sobrancelha para mim.  

— Vou na mesma: casa, colégio, casa.  

— Só isso? — pergunta  

— Bom… não, estou dando aula de reforço para um menino que estuda comigo. — Dou de ombros. — Não faz essa cara!  

Heitor tem uma expressão incrédula estampada no rosto.  

— E qual cara deveria fazer? Você odeia estudar em grupo, odeia, Elena. — Responde pontuando bem a palavra: odeia.  

Sim, eu odeio estudar em grupo, não tenho paciência para ficar explicando várias vezes a mesma coisa e para gente que fica enrolando só esperando o outro fazer para poder copiar a lição.  

— O Rafael é de boa. — Respondo.  

— Sei. — Responde desconfiado. — E Renan e Nabim, como estão?  

A próxima hora é recheada de histórias minhas e dele. Desde quando meu irmão foi aceito no MIT, nossas conversas tem sido assim, por vídeo chamada ou mensagem e por mais que saiba que ele está realizando seu sonho, não consigo evitar os pensamentos egoístas.  

Os pensamentos que o desejam ao meu lado, que desejavam que ele tivesse escolhido ficar aqui e não ir morar em outro país, a quilômetros de distância.  

Porém, os reprimo ao máximo sempre que surgem, ele é meu irmão, o meu príncipe Heitor. E mesmo que a saudade faça doer, ver seu sorriso empolgado mesmo com cansaço tão aparente, me faz feliz.  

— Essa tatuagem nova, aí? Não lembro dela da última vez que nos falamos.  

A tatuagem da cobra começava enrolada no meu pulso esquerdo e subia até o meio do antebraço, juntando-se com os outros desenhos pintados sob a minha pele.  

Aproximo o braço da webcam do notebook, melhorando a nitidez do desenho.  

— Minha mais nova aquisição, fiz tem umas semanas. E você, nenhum desenho novo? — pergunto.  

Tanto eu quanto Heitor somos apaixonados por tatuagem, então, no dia do meu aniversário de dezesseis anos, ele me levou para fazer a minha primeira tatuagem. O busto da Medusa, que fica na parte interna do antebraço esquerdo, e ele para me acompanhar fez o busto de um guerreiro espartano no interior do antebraço direito.  

Talvez não seja apenas nossos pais que gostem de mitologia grega.  

— Não, tô sem tempo. É tanto trabalho e agora com o recesso de inverno chegando tem as provas, tô vivendo em função da faculdade. Mas vale a pena, é a realização do meu sonho. — Um sorriso pequeno, nostálgico, toma seu rosto.  

De automático, sinto seus lábios repuxando num sorriso.  

— Preciso desligar, daqui a pouco o Jake chega e não quero ficar vendo-o de graça com você. — Responde emburrado.  

Jake é o companheiro de dormitório de Heitor, mulherengo, e que adora tirar meu irmão do sério, por isso sempre que me vê, fica "de graça" comigo.  

— Te amo, príncipe Heitor. — Me despeço.  

— Te amo, Elena de Tróia. — Se despede com um sorriso e logo a chamada é encerrada.  

    *  

Sentada na arquibancada, vendo Nabim e Renan jogarem futebol às oito e meia da manhã, me pergunto quem foi o responsável por essa péssima organização da grade escolar.  

Com certeza foi o Fernando.  

Cansada de ver os meninos jogarem, vou até o banheiro feminino para jogar uma água no rosto a fim de espantar o sono. As noites mal dormidas vêm sendo recorrentes, quanto mais o vestibular se aproxima, pior fica o meu sono.  

Aparentemente, a madrugada é um ótimo momento para questionar as minhas escolhas de vida.  

A insegurança não é fruto do medo de falhar e não passar. E sim, fruto da minha decisão de permanecer no Brasil. Poderia fazer como Heitor e ir embora, sei que seria aceita por uma boa universidade dos Estados Unidos ou da Europa devido ao meu histórico de notas e premiações em Olimpíadas de matemática e física. Mas largar tudo o que tenho aqui para ir embora, um lugar onde não vou conhecer ninguém ou falar a mesma língua, não é um passo que estou pronta para dar.  

Prendo o cabelo com a liga que sempre levo no pulso, abro a torneira, encho as mãos com água e as levo ao rosto. A sensação da água fria contra a minha pele quente, me acalma e desperta. Abro os olhos vendo as gotículas de água escorrerem lentamente pelo meu rosto, repito o processo mais uma vez e, finalmente, me sinto pronta para o dia.  

Retiro os papéis para secar o rosto e as mãos. Solto o cabelo e tento ajeitar os fios, é quando percebo uma menina saindo de uma das cabines e vindo à pia.  

O rosto de Clara Takami expressa um pequeno sorriso para mim. Tento retribuir o gesto da melhor forma possível, porém meu mau humor é tão gigantesco que meu sorriso parece plastificado.  

Não sou uma pessoa matutina e a falta de uma boa noite de sono, só ajuda a piorar o mau humor. Contudo, não consigo ser rude com Clara, diferente do homem que xinguei hoje de manhã por não dar seta, ela é tão gentil com todos que ser rude com ela seria o mesmo que pisar em uma pequena e linda flor.

Ela para ao meu lado e diz:  

— Bom dia, Elena. Tudo bem?  

Minha vontade é de ignorá-la e sair do banheiro, mas não tenho coragem de pisar numa pequena e linda flor.  

— Bom dia, Clara. Estou bem sim e você?  

— Bem também. — Ela fica olhando para o meu rosto. Ergo a sobrancelha questionando o porquê da encarada. — Posso te fazer uma pergunta?  

Respiro fundo, buscando entender que porra está havendo. De repente todos querem pedir opiniões e fazer perguntas para mim.  

— Pode.  

Cruzando as mãos frente ao corpo pequeno e magro, Clara fala:  

— Você precisa de base? Eu tenho na mochila, nós não temos o mesmo tom, mas pode funcionar.  

As olheiras delineiam a parte inferior dos meus olhos. Mais escuras que o normal.  

— Não precisa, Clara, obrigada.  

— Caso precise, me avisa.  

Com o mesmo que ofereceu quando notou minha presença, ela se despede. Me deixando sozinha no banheiro.

A física entre nós [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora