Dossiê

Capítulo 3 - Cheiro de limão

- Yaman Kirimli, Yaman Kirimli! – ao Seher repetir o seu nome, Yaman saiu dos seus pensamentos e rapidamente voltou sua atenção para ela, foi tomado por um medo de ter sido visto e ao mesmo tempo se deliciou ao ouvir a leveza com que ela disse seu nome. Ela continuou:

- Ele foi a única pessoa na minha vida que eu conheci e não fui receptiva, fui disposta a me impor a ele e levar meu bebê ele gostando ou não. Não pensei que ele tinha uma história, uma vida e o porquê ele era tão severo. – Seher quando passou a pensar no seu esposo e a falar sobre ele aquela alegria de menina que só ela tinha foi tomando seu olhar, Selim ao perceber foi-se enchendo por um ciúme e a interrompeu "Ele é um selvagem mesmo". Seher o fuzilou com o olhar e disse:

- Ele não é qualquer selvagem, ele é o meu marido. Se você quiser permanecer aqui, não abra sua boca.

Yaman estava no quarto boquiaberto. Não sabia se pela forma raivosa que ela falou com Selim ou o fato de tê-lo chamado de meu marido com tanta verdade. Vendo a intensidade daquela mulher, começou a piscar em sua cabeça a possibilidade daquele dossiê ser uma armação, mas tinha o gravador com ela dizendo que amava aquele sopeiro, como ela poderia mudar tanto? Ou será que ele nunca a conheceu?

Selim teve que engolir a sua raiva, entendia que ela via seu rival como uma pessoa boa, e a deixaria falar para a raiva dela ir passando e que no final ela aceitasse ir com ele. Ela continuou:

- Mesmo eu tendo gritado com ele, ter batido nele, e o deixado testar meus limites, ele me colocou num quarto próximo ao dele e ao de Yussuf, deixando que eu cuidasse do meu legado. E mesmo que eu entrasse num cabo de guerra com ele, eu fui percebendo que caminhávamos lado a lado brigando um com o outro, e não em posições contrárias. Já não era mais o meu legado ou o legado dele, era o nosso legado.

Eu não precisei acreditar cegamente na bondade dele pelo simples fato dele existir, contudo, ele me provou que ela existia e ardia no peito dele. Como também, sua força, sua proteção, seu cuidado. E aquele que eu achava que era tão ruim, me provou o seu valor. Mas, como uma via de mão dupla, ele me obrigava a mostrar quem eu era. De uma sequestradora eu passei a Tia do Yussuf nos dias bons e nos dias ruins não queira nem saber – palidamente ela sorriu – porém a cada choque ou de um com o outro ou com as dificuldades da vida, fomos nos modelando.

Ele tentou afastar Yussuf de mim, como eu tentei afastar Yussuf dele. Porém, meu bebê começou a sofrer. Então eu entendi que Yussuf escolheu Yaman para ser seu pai, eu fiquei inconformada, e mesmo inconformada eu o trouxe de volta para cá. Eu não conseguia entender como Yussuf sendo tão sensível, tinha escolhido um homem tão rude, que afirmava que Yussuf precisava ser forte o tempo todo, como pai. Ele tinha me protegido algumas vezes e tínhamos nos ferido em outras, então me propus a compreender o que Yussuf via em Yaman.

Quando eu achava que ele se excedia eu chamava atenção dele, mas sempre com a vontade dele e a medida dele, eu fui vendo um pai amoroso florescer, daqueles que contam histórias antes de dormir e protegem do mundo como um gigante. Pouco a pouco eu fui sentindo em Yaman o cheiro de pai, cheiro de lar, de segurança, de acolhimento, de proteção, de paz. Ele tem um marcante cheiro de limão – ela sorriu ternamente lembrando-se do dia em que sentiu o cheiro dele tão de pertinho enquanto ele dormia.

Eu já convivi com muitas pessoas, e percebi em alguns o acolhimento como em Firat, ou a segurança como no Comissário Ali. Mas, nunca todas as características juntas que meu Baba tinha.

Eu tinha vivido uma vida completa ao lado do meu Baba, todas as fases que uma filha pode viver: desde ser protegida e ensinada, até desgastar minha vida e ama-lo até o último dia dele. Eu já era uma mulher, então eu percebi que eu não queria que Yaman tivesse na minha vida como um pai, mas queria que meus filhos sentissem nos braços dele o que eu sentia com meu pai, hoje eu percebo isso.

A este ponto Selim estava desnorteado com a descrição tão detalhada de Yaman que ela fazia, sempre com um ar calmo. Ele se negava a acreditar que o Kirimli era assim. Yaman em compensação estava no quarto maravilhado com Seher, ele sabia que nenhum detalhe passava do olhar dela, mas nunca imaginou que este cheiro dele era tão importante para ela, ou que mesmo ela a maltratado tanto ela ainda falava de qualidades que ele nem sabia que tinha com tanta delicadeza, e ainda mais, dentre tantos homens ela o tinha elegido para pai dos filhos dela. E de uma coisa ele tinha certeza, não era somente de Yussuf que sua tímida mulher falava, mas de outros filhos que eles teriam.

- Yaman conquistou a todos, não somente aos seus funcionários, mas a Mamãe Nadire, a Firat, a Kiraz e até mesmo a Tia Sultana. Segundo ela, um "homem bonito e rico, Mashallah!" – e Seher gargalhou levemente ao lembrar-se do constrangimento de Yaman – mas, se ainda assim ele não fosse rico ou bonito eu estaria ao lado dele, seja numa vila escondida ou nesta mansão, porque eu confio minha vida nas mãos dele e existe uma infinita bondade naquele homem bruto. Independente do quanto briguemos ou fiquemos bravos um com outro eu sei que ele queimaria o mundo por mim se necessário, e eu daria a minha vida pela dele sem titubear. E quando ele não pode queimar o mundo, ele se dispõe a cuidar das minhas feridas me devolver o meu mundo. Porque naquele dia você Selim estava certo e errado.

Você me perguntou se eu tinha me apaixonado por ele, e eu discordei, e realmente eu não estava apaixonada por ele – neste momento Yaman respirou fundo e fechou os olhos, esperando a rejeição dela em alto e bom som, e, após um suspiro dolorido ela disse – eu já o amava. Yaman Kirimli é o nome do meu segundo grande amor.

Todos os dias ele me obriga vir para fora, sair de mim. Dos meus sonhos irrealizáveis, ou de realidades infantis. Se eu o ajudei a trazer a luz um pai, Yaman fez e faz de mim uma mulher forte, que enfrenta o que é necessário, mesmo que seja a ele próprio, sem abaixar a cabeça ou ter medo de morrer. E ele nunca fez isso com conversas atenciosas e carinhosas, porque ele não é assim, mas a presença dele e as atitudes dele fazem isso comigo, arranca o meu melhor e conforme a situação lida com o meu pior, seja com paciência ou com fúria ele sempre está lá.

Para mim, Selim, amar não é gritar aos quatro ventos que ama. Para mim, amar é a capacidade que você tem de se dar em sacrifício, de passar por cima de tudo que é ruim para estender a mão ao outro e nunca soltar. Seja no perigo ou nos detalhes da vida. Respeitando sempre a liberdade, e cultivando para este amor crescer.

Eu abri as portas do meu coração para meu marido, e deixei ele se alojar dentro de mim, e sei que ele me convidou a entrar no coração dele porque abrimos mão de tudo para caminhar juntos. – neste momento Seher soluçou, há muito lágrimas escorriam de seus olhos, mas veio a sua memória de uma vez só o quanto Yaman tinha a quebrado nas últimas semanas e quebrado todas as suas promessas, e mesmo que ela acreditasse que algo aconteceu pelo olhar dolorido dele, ele a jogou num pesadelo e não fazia questão de tira-la de lá, ela chorou porque sabia que tinha adentrado o mundo sombrio dele, e tinha decidido deixa-lo de amar, porque teria que lutar como ele um dia lutou, mas precisava de um esforço redobrado para sair deste inferno diferente dele.

Yaman, já tinha desmoronado mais uma vez, sentado no chão do quarto. Ele sabia que tinha machucado a sua esposa com seu ódio, porém após ela declarar o amor dela por ele, e ainda reafirmar sua confiança por ele mesmo com tanta dor na alma ele não se suportou de pé.

Se todas as outras dores da vida dela ele poderia a apoiar, nesta que era uma das mais profundas ele era o maior causador, e somente naquele momento, o amor dela o devolveu o fôlego, porque ela não era uma convidada no seu coração, mas a dona de todo ele, e assim Yaman percebeu o quão mentiroso e baixo era aquele dossiê.

Ele se sentia um cego por tê-la julgado, se sentia na obrigação de desvendar a verdade sobre o dossiê para esfregar na cara dele mesmo e na de Zuhal. Ele não sabia se um dia conseguiria o perdão da sua esposa, mas lutaria por este perdão todos os dias da vida dele.