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Jonathan estava morto. Era tudo o que eu conseguia pensar nas duas horas em que havia ficado agaixada no escuro. Os disparos haviam cesado a quase uma hora atrás e nenhum sinal dele. Eu não devia ter roubado nada. Eu não devia ter deixado ele ir sozinho resolver um problema que claramente eu havia causado. Eu era uma fraca, covarde e imprudênte. Eu devia levantar e saber o que aconteceu, e não ficar escondida como uma criança assustada com medo do escuro. Um barulho se faz ouvir, são passos arrastados. Eu levanto devagar e procuro por visibilidade, deve ser o Jonathan, só pode ser ele. Eu não tinha nada que pudesse me defender, caso não fosse e preferiria não começar a pensar nisso também. Eu não tinha nenhuma lanterna para iluminar o que vinha ao longe no escuro. Seria apenas uma missão de rotina, iríamos recolher os tributos do mês e retornar para a Alcova, mas eu havia estragado isso também. Os passos estão mais próximos, meu sangue agora gelando em minhas veias, meu coração como batidas de tambores no peito, eu mal me atrevia a mecher um fio de cabelo ou andar um centímetro sequer. Eu tento ver quem está se aproximando, mas está muito escuro, a noite não é um aliado quando se precisa identificar um inimigo de um aliado. Alguém me prende à parede, suas mãos calejadas arranham meu pescoço, como eu não o vi se aproximar? Ele está me apertando contra a parede, como se eu fosse uma massa a ser modelada, o ar está sendo drenado aos poucos, eu tento afrouxar o seu aperto, mas minhas mãos não servem quando se tem uma muralha forjada em ódio e aço precionando seu corpo contra uma parede de pedra fria, como se eu fosse um inseto inconveniente a ser esmagado. Eu não consigo respirar, meus olhos já estão nublados, minha garganta fechando. Eu sinto o seu hálito entrecortado em meu rosto, ele é alto e está passando sua mão livre por cada parte do meu corpo, em lugares que seria considerado crime, por serem privados e íntimos demais. Seu rosto barbudo roçando o meu rosto. Eu sinto nojo, raiva e medo tudo ao mesmo tempo.

- Quando eu acabar com você, garota - ele está perto demais e consigo ter um vislumbre do seu rosto severo, a raiva assombrando seus olhos escuros, apesar de claramente jovem -, vai se arrepender por ter me roubado. - Ele alcança do meu bolso a sacola com as moedas, praticamente rasgando minha jaqueta jeans com as próprias mãos, arrancando-a do meu corpo como se não fosse nada. Ele joga próximo aos nossos pés e as moedas em atrito com o chão é o único som ecoando no escuro. - Meus amigos estão cuidando do seu namorado agora. Pena que não terá tempo para despedidas. - Ele diz, cada palavra como uma faca perfurando meu peito. Ele afrouxa sua mão da minha garganta e quase cedo completamente no chão, tentando respirar de novo, quando seu corpo já está novamente envolta de mim, rasgando minha blusa: eu estou gritando... chutando e tudo o que o meu instinto de sobrevivência esbraveja para que eu faça, ele desvia de todas as minhas tentativas de acertar seu rosto, prendendo meus braços no alto da cabeça, a outra mão tapando a minha boca. Ele é muito forte. Eu só consigo pensar no que eles fizeram com o Jonathan, o que ele fará comigo? Ouço um disparo, e tenho a certeza de que será o fim, mas não sinto sangue em meu corpo, eu não sinto dor. O sujeito cede como um bloco de concreto ao chão, ele não tem tempo de ver de onde vem o disparo, eu não tenho tempo de ver de onde vem o disparo que atingiu em cheio sua cabeça, seus olhos escuros ainda abertos, sangue escorrendo como uma torneira de trás da cabeça, assim como de sua boca entreaberta. Eu estou ofegando tanto que tenho certeza que meus pulmões estão queimando, minhas mãos aparadas sobre as coxas, para evitar que eu cedesse de vez. Eu sinto uma mão me erguer, me puxando para longe do sujeito e tenho certeza que é questão de segundos até está morta também, quando ele apenas me recosta na parede, arfando, examinando cada traço do meu rosto como se estivesse me vendo pela primeira vez.

- Está machucada? - Jonathan pergunta, cada respiração sua difícil e irregular, seu rosto está machucado, como se ele estivesse escapado de um animal selvagem e sangue está escorrendo de sua testa, assim como de um corte fino em seus lábios. Eu apenas nego com a cabeça quando ele retira suas mãos do meu rosto devagar, me avaliando como se estivesse se certificando se de fato o que estou falando é verdade. Jonathan retira sua jaqueta preta suja de sangue e de terra e cobre meus ombros, não tenho tempo de agradecer ou de dizer nada, quando um disparo passa raspando por nós dois.

- Pelo sol! eles estavam mortos quando eu saí de lá! - Ele diz a si mesmo.

- Jonathan... - Eu não consegui dizer mais nada quando ele recolheu do chão a sacola com as moedas e segurando o meu braço firme, começamos a correr.

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- ME SOLTA!

- Eu me perguntei se teria que sacudi-la até que você abrisse os olhos. - Noah está me olhando como se eu fosse uma peça em exposição, seu rosto sem nenhuma expresão. Eu estou respirando com dificuldade, são como jatos cortantes escapando pelo meu nariz.

- Foi um pesadelo. - Consigo dizer, minhas mãos envolvendo o rosto. - Foi só um maldito pesadelo. - Embora não completamente.

- Disso eu não tenho a menor dúvida, minha querida. Eu ouvi seus gritos enquanto dormia. - Ele diz, entediado. - Ah, Chegamos. - Noah diz por fim. Eu começo a olhar em volta, mas não estávamos na cidade, era um túnel pouco iluminado e pertubadamente vazio.

- Onde estamos? - Pergunto a ele.

- Temos que passar por aqui se quisermos ter acesso a Civiron antes do amanhecer. - Ele responde pegando sua bolsa no banco de trás e saindo da caminhonete.

- Não tem outro modo de chegarmos lá? - Noah prende em seus ombros a bolsa.

- Não se quiser que nos ataquem assim que passarmos por aí com esse caixote à mostra. - Ele diz. - Você não imagina o que as pessoas por aqui fazem em troca de um pedaço de pão velho. É melhor adentrarmos a cidade à pé, assim não seremos confundidos com nenhuma patrulha do continente. - Diz simplesmente. - Você vem? - Noah arqueia uma sobrancelha em minha direção.

- E a caminhonete? Deixaremos aqui... abandonada? Não estaria mais exposto se a largarmos aqui? - Noah demora uns segundos para me responder.

- Não se preocupe, esse túnel foi mapeado a pouco tempo, ninguém além de mim e dos homens que trabalham para o Isaque sabe sobre ele. Mandarei alguém buscar quando for apropriado.

- Ah.

- Você trouxe uma lanterna, não trouxe? - Eu confirmo com a cabeça.

- Ótimo. - Noah passa uma mão sobre seus cabelos impecavelmente arrumados, como uma cortina negra, caída próximo aos seus olhos e começa a nos guiar pelo túnel sombrio e solitário, rumo a cidade de ferro.

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OS RETALHADORESOnde histórias criam vida. Descubra agora