Quarenta e sete

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O homem se abaixou, deixando a bengala no chão, começou a acariciar o animal, fazendo com que ficasse ainda mais agitado. Ora Cogumelo tentava lamber o rosto do dono, depois dava uma volta e cheirava o pescoço, voltava lamber o rosto e dava outra volta.

— Eu também vou sentir sua falta, tente se comportar e não beba água do vaso sanitário.

Toni sorriu disso, o modo como o mais velho tratava o animal de estimação era engraçado, como se fosse uma criança.

— Pelo amor de Deus! Eu vou cuidar bem dele, prometo! Não vou deixar a porta do banheiro aberta, então relaxa! — rebateu Luz, se escorando na porta e cruzando os braços.

— Eu não estou falando isso para você ouvir, estou falando para ele — falou o Franco mais velho, sem desviar sua atenção do cachorro.

Toni sentiu a apreensão apertar aquele nó dolorido no seu interior, pois desde que chegaram, era a primeira vez que Samuel falava com a filha/irmã e ele nem mesmo dirigiu o único olhar na direção da menina.

A ideia de deixar cogumelo com a família havia sido do próprio Samuel, que achou mais correto do que deixar com estranhos de algum hotel pet shop. A visita também serviria para que pudessem se despedir da família. Quando Magnólia os convidou para um lanche da tarde antes do voo, parecia uma boa ideia, mas aquelas foram as duas horas mais tensas e estranhas que já passou naquela pensão.

Cada segundo que passou, teve mais e mais certeza de que sua filha e seu marido não tinham condições de conviver dentro da mesma casa e começava a duvidar se um dia teriam.

O contraste de personalidades e o atrito silencioso entre eles nunca foi tão evidente, assim como o quanto Samuel estava diferente. Se antes ele sofria com a rejeição da menina, ficava sem jeito com alfinetadas e sustentava sempre um sorriso forçado no rosto, dessa vez ele não fez nenhum esforço para tentar minimizar o mal-estar de estar na presença dela nem mesmo para confortá-la dos próprios erros. Seu marido simplesmente a ignorou quase o tempo inteiro, mas não como antigamente, como forma de se anular nas conversas porque ela se incomodava com a sua presença e iria causar conflitos desnecessários à mesa. Ele apenas não fez questão de interagir com ela.

O fato da menina ter agredido o irmão havia deixado feridas emocionais e finalmente isso era nítido nele. Não porque Toni ou qualquer outra pessoa disse que era errado, mas porque passar aquele tempo longe da pensão havia feito Samuel ter uma nova perspectiva da briga que os fez ir embora, ele havia aceitado e se permitido ficar magoado com ela sem se sentir culpado por isso. Afinal, ele era o tutor legal dela, deu o seu máximo com todas as suas limitações para estar presente, ser cuidadoso, amá-la, ampará-la no seio da família, em resumo a criou como filha e no final ela realmente foi capaz de bater no rosto dele.

A garota ficou visivelmente abalada com aquele tratamento frio e distante, mas era orgulhosa demais para admitir ou fazer alguma coisa a respeito e como todos imaginavam ela devolveu na mesma moeda e apenas ignorou Samuel o quanto pode. Sem perceber que o constrangimento dela já era visível para todos, pois ao contrário do irmão ela não tinha habilidade de simulação tão eficiente, não que isso seja ruim.

Aquela pequena malcriação não era nada além da última tentativa de fazer o mais velho reconhecer a sua presença e lhe dirigir a palavra diretamente.

— Tá bom, dá logo tchau pra essa peste desse cachorro e bora embora — apressou-o.

Samuel ficou em pé com cuidado e acenou para a garota, que de forma obediente se abaixou e pegou o animal no colo, acariciando cogumelo com a cabeça baixa claramente evitando olhar os pais, talvez muito mais triste do que gostaria de aparentar, mas Toni optou por não fazer comentários sobre isso, havia aprendido a não interferir mais nesse relacionamento.

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