– Ele parece um homem incrível, e você parece amá-lo muito

– Ele é! — Sofia sorriu triste — ele era — corrigiu-se — ele era o meu herói, jamais nos deixou faltar nada, não deixava que minha mãe trabalhasse para que ela ficasse de olho sempre em mim e em minha irmã, Paulina, mais nova — explicou — o trabalho dele na fábrica era a sua vida entende? Ele literalmente vivia para nós e para o trabalho, tinha orgulho da função, tinha orgulho do que fazia...Paulina e eu éramos completamente focadas no colégio, e ele dava um jeito de suprir tudo sem que precisássemos trabalhar. Mas aí a fábrica fechou — Sofia encolheu os ombros — demitiram todo mundo, ele e muitos outros ficaram desolados, muitos saíram daqui com suas famílias e tentaram se reerguer em outro lugar, ele não conseguiu, entrou numa depressão profunda que acabou com ele, esse lugar virou sua segunda casa, depois dos quinze? Não consegui mais vê-lo sóbrio — Dove engoliu a seco e apertou mais a mão da maior em sinal de apoio — minha mãe não aguentou, se mudou para a Colômbia para perto do resto de nossa família, Paulina nunca a deixaria sozinha então também foi, eu não tive coragem de deixar meu pai, então fiquei, por mais que tenha me doído um inferno deixá-las, principalmente a Lina. Fiquei e o vi definhar, dia após dia. Quando o perdi, me mudei para Londres, prometi para mim mesma que não acabaria daquele jeito, trabalhar a vida inteira pelo capricho dos outros e viver pelos outros ...

– Não precisa viver assim

– É, eu sei disso agora né... — Dove lhe entregou condescendência no olhar — por isso me dediquei tanto ao meus estudos e meu trabalho, por isso eu sou tão fissurada com isso, eu só queria que ele pudesse me ver só mais uma vez, queria um único encontro, pra saber o que ele acharia de mim, se sentiria orgulho de mim, se de alguma forma ser tão parecida e tão diferente dele ao mesmo tempo lhe diria algo, queria dizer o quanto o amava, sinto que não disse como deveria quando tive oportunidade, carregarei esse sentimento de culpa pro resto da vida

– É por isso que não fala sobre seu passado? — Sofia já não tentava mais segurar as lágrimas

– Uhum — assentiu — eu não queria pensar nisso, eu acho que não queria sentir isso, tudo isso entende? Acho que fugi tanto que comecei a acreditar demais em minhas próprias omissões, sinto falta deles, de todos eles, mas principalmente dele

– Eu tenho certeza de uma coisa baby, e quero que me escute com muita atenção — Sofia concordou olhando nos olhos da outra — você é uma mulher extraordinária Sofia , por mais que não enxergue isso, você abriu mão de parte de sua família para cuidar de quem achou que precisava mais de seu apoio, você esteve ao lado dele quando ninguém mais esteve e tornou-se uma mulher que tenho absoluta certeza que ele estaria orgulhoso, ou melhor, ele está orgulhoso, e onde quer que esteja, ele sente o seu amor, e te ama de volta. A morte não põe um fim ao amor Sofi — aquela frase, aquela última frase em específico, pegou Sofia como uma faca afiada, sem dó, cortando o mais íntimo de sua alma como uma fina folha de papel e a morena não segurou o choro, logo Dove a abraçou e enxugou suas lágrimas

– Você acha?

– Eu tenho certeza — Dove disse convicta.

E ficaram ali mais alguns instantes, bebendo e relembrando histórias mais felizes. Ambas se sentiam em casa, não pelo lugar, ou pelas memórias, mas pela presença uma da outra.

"Proximidade, intimidade, nós compartilhando coisas, momentos, bobagens, dificuldades... é tudo que eu sempre quis pra gente Sofi, se nós conseguirmos ter isso,  nada vai poder machucar a gente"

...

– Ah, hoje foi tão bom! Eu não queria ter que ir — Dove admitiu triste enquanto atravessava a ponte para sair da cidade rumo à estação de trens

Before the day ends - DofiaOnde histórias criam vida. Descubra agora