— Mulher, peço perdão, aconteceu só um mal entendido entre eu e o pessoal aqui. Repare na minha menina, como tá grande!
A empurrou na direção da morena que fez caras e bocas a apertando, falando dos velhos tempos de quartel de polícia, do novo trabalho como chefe de segurança do Riocentro Norte.
A conversa nostálgica teve seu fim com uma passagem gentil e sem problemas pelo portão, enquanto Sáskia ainda tentava usar das suas melhores habilidades de atuação, que não eram muitas, pra sorrir e acenar como a “filhinha de um casamento antigo que não deu certo”.
— Eu já tava ouvindo o som da trilha sonora do Alto da Compadecida tocando ali atrás — começou Sáskia enquanto caminhavam pelos estandes. — Desde quando você tem sotaque nordestino?!
— Oxente, e tua tia não pode mais ter as aventuras dela não. Valha, Meu Deus!
Uma risada escapou.
— Sério, tia. O que foi aquilo?
Ela sorriu de canto de boca.
— Digamos só que eu tive muito tempo pra andar por esse Brasilzão.
O pavilhão estava mais cheio do que Sáskia achava humanamente possível, mas tia Sabrina só sorria para todos os lados namorando cada livro que via nos estandes. Sáskia não era a das mais chegadas na literatura, mas tinha que admitir que ir na Bienal era sempre foi algo mágico, quase mítico e ao lado daquela maluquinha, mais ainda.
Puxou o telefone mostrando a tia a foto da última dois anos atrás. O jeito que sua mãe sorria ao segurar aquele livro, ao autografar cada cópia, ao abraçar cada fã era aconchegante, quase mágico.
— Ela é tão bonita quando sorri. — disse. — As vezes eu vejo essas fotos, tia. Pra lembrar de como...de como era antes.
— As pessoas querem histórias, Sasá. Ler, contar, consumir. Histórias formam quem somos e nos transformam e podem até mesmo nos ajudar com nossos próprios medos e traumas.
— Papo de coach pra cima de mim, tia? — riu Sáskia, devolvendo o celular ao bolso. — Diz logo o que a gente veio fazer aqui.
— Sua mãe passou por muita coisa, Sasá. Muita coisa que ela não tinha coragem de falar alto, pra mim, pra você. Mas contar em palavras escritas? Formar uma história? Foi o jeito dela de, não sei, talvez...consertar a culpa e a bagunça que ela tinha na cabeça.
— Culpa? A única culpa que ela sente é quando come bolo de chocolate demais e tem que ir pra academia logo depois.
— Sáskia, a sua mãe-
Um grupo de jovens apontou para ela, surtando, gritando, puxando os celulares dos bolsos e pedindo fotos. Sáskia congelou, mas as sua cara travada não foi obstáculo para aqueles flashs e sorrisos deles a cada foto batida.
— Adorei o cosplay, menina. Versão adolescente, não é? — disse um garoto.
— A maquiagem tá igualzinha! — Apontou outro.
Sáskia se voltou para tia Sabrina quando já tinha espaço para respirar, assim que o grupo pra lá de inconveniente foi embora.
— Tá rindo do quê?
— Você parecia um robô!
— Sério, esse pessoal tem que ser menos afobado.
Tia Sabrina caminhou até um enorme estande ao lado delas e Sáskia a seguiu.
— Não é todo dia que se vê a “Sofia adolescente” andando por aí — disse ela se dirigindo a pilheira de livros na estante. — Não é a toa que cosplayers fazem sucesso.
Tia Sabrina pegou aquele livro de contos em mãos, o último livro minimamente saudável que sua mãe havia publicado.
— “Contos de Éteria”. Sua mãe tem um gostinho pra título, né, não? — começou ela, folheando pelo exemplar. — Já leu?
Sáskia estalou a língua.
— Nunca fui muito chegada em livros, tia. A senhora sabe disso.
— Não tô falando de todos os contos, Sasá.
Ela fez um gesto a chamando e Sáskia se aproximou, olhando por cima do ombro dela o título do último conto.
— “A deusa cachaceira”? — Riu.
Tia puxou uma caneta velha do bolso e pulou para a última página riscando algo, escrevendo.
— O quê tá fazendo? Tá querendo ser expulsa de novo?!
Uma mulher se aproximou tomando o livro das mãos da tia em um movimento, gesticulando para saírem do estande. Sabrina respondeu puxando o cartão de crédito e esfregando na cara da pobre coitada, pouco se importando com os apelos da sobrinha.
Após acalmar os ânimos entre as duas mulheres, Sáskia a arrastou para a verdadeira muvuca que era a praça de alimentação enquanto ela ainda resmungava sobre como “Tinha tudo sobre controle”.
— Tal mãe, tal filha mesmo. — disse ela, dando uma mordida no hambúrguer.
Sáskia dedilhava pelas páginas do livro encima da mesa, o encarando.
— Ainda me admira vocês duas serem irmãs.
— Porque não somos.
Parou, voltando os olhos para a tia do outro lado da mesa.
— O quê?
Ela lambeu os dedos cheios de gordura e tomou o livro de suas mãos, puxando a caneta do bolso e novamente indo até as últimas páginas.
Sáskia se inclinou por cima da mesa.
— Tia?!
Ela parou de súbito, fechando o livro devagar, o arrastando por cima da mesa na sua direção.
— Sua mãe pode ser uma escritora genial, Sasá. Mas ela não conseguia bem...entender o ponto de vista da Protagonista desse comto. Ainda bem que tinha a ajuda da sua tia.
— Como assim vocês não são irmãs?! — A fitou. — Sem joguinhos, tia.
— Leia. — disse ela, se recostando na cadeira. — Talvez Sofia te diga como.
Sáskia encarou o livro e então Sabrina.
— É melhor não ser uma de suas brincadeiras bestas, tia.
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Sáskia e os Caçadores de Deuses
FantasySáskia seria uma garota de dezesseis anos comum se não fosse pelos seus olhos de águia, dentes de tubarão e orelhas pontudas. Helena, sua mãe e uma fanática por mitologia, dizia usar a aparência da filha como inspiração para as raças do seu mais nov...
Capítulo 5
Começar do início