Untitled Part 48

Começar do início
                                    

criança hiperativa correndo por uma loja de brinquedos: refletia nos sujos postes de metal,

nos mastros brilhantes dos toldos, até nos óculos de sol de uma mulher que levava o

cachorro para passear e segurava um copo de café. Tudo brilhava.

* * *

— Srta. Miranda, feliz Ano-novo! — o porteiro estava parado do lado de fora, ao lado das

portas polidas do prédio de Annemarie.

Ele sorriu e fez um gesto para que eu entrasse.

Ao subir, dei-me conta de que era muito estranho ir até ali sem falar com Annemarie

antes. Mas, ao mesmo tempo em que fiquei nervosa, também tive outra sensação, que só

posso descrever como amor pelo elevador do prédio de Annemarie. A madeira trabalhada,

o banquinho coberto de tecido em um canto, o sininho que tocava sempre que passávamos

por um andar. Era tão bonito e aconchegante que pensei que seria maravilhoso ficar dentro

dele para sempre, ou pelo menos sentar no banquinho e fechar meus olhos por um

instante. Tudo aquilo era mais do que estranho. E então o elevador parou no andar de

Annemarie, e, é claro, eu saí, porque é o que as pessoas fazem quando o elevador chega ao

andar aonde querem ir.

Annemarie abriu a porta de roupão e cabelos molhados.

— Oi — comecei. — Liguei para desejar feliz Ano-novo, e seu pai disse...

Ela sorriu.

— Entre.

Foi a melhor manhã de todas. Annemarie me mostrou seus presentes de Natal. Ela

tinha ganhado várias coisas legais, material de arte, e acabamos espalhando tudo sobre a

mesa de jantar e desenhando tirinhas em um papel especial para histórias em quadrinhos,

que vinha com adesivos para os balões de diálogo e de pensamento. Depois, a mãe dela

nos ensinou a fazer sapos de origami, e eu até consegui fazer direitinho. Enquanto isso, o

pai dela não parava de trazer pratos de bacon e, para mim, torradinhas que eu podia pegar

com as mãos.

Então mamãe telefonou. Eu tinha me esquecido completamente dela. Ela estava

nervosa, estava irritada e ia me buscar. Até o pai de Annemarie pareceu ter ficado

zangado.

— É melhor você colocar o casaco — disse ele quando desliguei o telefone, mesmo

sabendo que minha mãe não chegaria tão rápido ao apartamento.

Fiquei esperando perto da porta, passando calor com aquele casaco, e Annemarie ficou

esperando comigo.

— Então... sobre o que aconteceu na lanchonete do Jimmy... — falei. — Sabe, nunca tive

a intenção... de dizer aquilo que ele pensou que eu disse. Nem por um segundo.

Ela olhou para o chão.

— Eu acredito em você. E não sei por que eu disse aquilo sobre... dinheiro. Foi idiotice.

— Tudo bem.

Fiquei tão grata por ela ter algo por que se desculpar que nem me ocorreu pensar sobre

como realmente me sentira em relação àquilo. Mas fiquei pensando desde então. E não me

senti nada bem.

* * *

Ouvimos o sino do elevador e abri a porta do apartamento antes que mamãe tocasse a

campainha. Pensei que talvez pudesse escapar sem que os pais de Annemarie fossem falar

com ela.

Não tive essa sorte.

— Jerry? — chamou mamãe, e o pai de Annemarie veio correndo e disse:

— Ah, você chegou. Não escutei a campainha.

— Desculpe-me por isso.

— Não, eu é que peço desculpas. Não tinha ideia de que...

— Não vai acontecer de novo...

— Sempre falarei antes com você.

Eles ficaram com essa conversa por um tempo, que, depois, interrompeu-se

naturalmente, e ambos olharam para mim.

— Vamos — disse mamãe com frieza.

E eu falei:

— Obrigada por me receberem.

O pai de Annemarie sorriu para mim, mas só porque ele é a pessoa mais legal da face

da Terra.

O elevador já estava lá, então não houve aquela espera desagradável. Durante a descida,

sabia que deveria me desculpar, mas esperei que mamãe começasse com a bronca. Em vez

disso, ela irrompeu em lágrimas.

Aquilo me fez chorar. Então ambas choramos pelo lobby, passamos pelo porteiro e

saímos à luz do sol, onde, por mágica, as lágrimas pararam. Ela respirou fundo e olhou

para mim.

— Fiquei com medo — disse ela. — Quando você não voltou, fiquei com muito medo.

Nunca mais faça isso.

Fiz que sim com a cabeça.

— Certo — disse ela. — E agora?

— Não sei.

— Quer ver um filme?

E foi o que fizemos. Fomos ao cinema, comemos doces e pipoca e ficamos de mãos

dadas por alguns minutos no caminho para casa.

O homem da gargalhada estava no lugar de sempre, dando seus chutes pela rua.

Quando ele nos viu, gritou:

— Garota esperta!

Mas ter mamãe ali do lado fez com que fosse diferente, como andar pela rua enrolada

em um cobertor bem apertado.

Richard estava encostado na frente de nosso prédio, lendo um jornal.

— Ei! — disse ele. — Tínhamos um compromisso. Você se esqueceu de mim?

Ele fez cara de triste, e mamãe disse:

— Ah, não! Estou muito atrasada? — E então ela me olhou e começamos a rir.

Richard continuou:

— É sério: você vai morrer se me der uma chave?

Mamãe deu de ombros e disse que ainda eram 15h30 e que ela não estava com vontade

de subir. Demos meia-volta e fomos comer na lanchonete, que estava cheia de gente que

acabara de acordar e tomava o café da manhã.

amanhã você vai entenderOnde histórias criam vida. Descubra agora