Capítulo 11

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Helene era a rainha de ouro. Era o que os arunienses costumavam pensar da princesa desde seu nascimento e o que, ano após ano, parecia se confirmar.

Ela era tudo o que precisava ser e tinha uma gentileza fora da média mesmo para os magos de luz. Ao que parecia, era o que os argians consideravam como sinônimo de perfeição e mesmo seus pais, que a criaram e estavam em seu convívio, não podiam negar.

Mas o problema de pessoas corajosas, fortes e perfeitas como Helene é que elas são uma grande mentira, um escudo que esconde fraquezas tão grandes quanto suas próprias qualidades.

O fato é que Helene era mansa e estava disposta a tudo para salvar seu povo. Por isso, mais aberta ao processo de lapidação.

Então, é claro que ela seria a primeira.

***



Quando retornamos ao palácio dos elfos, os alquimistas traziam a boa notícia de que encontraram o antídoto para Malkiur. 

Por sorte, eles ainda tinham algum exemplar da planta de que precisávamos nos jardins particulares do castelo. Na natureza, ela já tinha sido extinta pelo que quer que os morroians estivessem fazendo.

Kardama e eu discutimos quando saímos do templo. Ele não estava disposto a arriscar sua vida em uma batalha que sequer sabíamos se ganharíamos e apesar de entender seu pensamento, eu sabia que uma missão como a nossa não poderia ser ignorada por egoísmo.

O rei sombrio podia não admitir, mas estava evitando ter qualquer conversa comigo para não ser convencido. Infelizmente, não havia para onde fugir quando nos despedimos de Jakin e entramos na carruagem para voltar à Aruna.

Esperei até o anoitecer para trazer à tona qualquer assunto do tipo. A carruagem ainda estava em movimento e os guardas que estiveram ali durante o dia agora foram substituídos por outros, afim de que pudessem dormir no outro veículo. 

— Sabe que está sendo egoísta...

— Eu peço perdão se fiz algo que lhe fez concluir que eu não sou, princesa — ele foi sarcástico e eu revirei meus olhos.

— É claro que a melhor opção é abraçarmos nossos defeitos e não tentarmos melhorar — resmunguei imitando seu tom de voz.

O rei esboçou uma risada por causa da minha atuação, mas a conteve em seguida e deu de ombros.

— Eu estou feliz em meu egoísmo — ele completou.

— Compreende que seu egoísmo pode custar as vidas de todas as pessoas que conhece? Dos seus amigos, da sua mãe e até mesmo dos seus aliados! Jakin morrerá em breve, a floresta está morrendo. Mesmo que continue vivo, o que restará além da destruição e da solidão? — Tentei controlar meu tom de voz, falando em um sussurro enquanto aproximava meu rosto. Nos encaramos por alguns segundos antes que eu me afastasse com certo desânimo. — E eu também vou morrer, porque se não fizer isso comigo, eu farei sozinha, por todos os que dependem de nós.

Kardama arqueou as sobrancelhas, engoliu seco e recuou também, então relaxou seu corpo no assento e suspirou.

— Eu não entendo sua vontade de abrir mão da sua vida, em prol de um reino que sequer sabe quem você realmente é, princesa.

Estreitei meus olhos.

— Eu sou exatamente quem mostro ser — respondi, mas ele riu e balançou a cabeça lentamente para negar. Seu gesto me deixou mais irritada do que eu gostaria de admitir.

— Você não pode me enganar. Já fomos um, eu sei o que se passa na sua mente, tanto quanto você conhece a minha. Acho que é isso o que nos liga, princesa.

Encolhi meus ombros e tentei ajustar minha postura em seguida, tentando disfarçar meu desconforto com aquela conversa. Kardama abriu os lábios como se fosse falar algo após observar, mas encostei meu corpo rapidamente para descansar.

— Vamos dormir. Os próximos dias serão longos e desconfortáveis — falei.

Ele apenas balançou a cabeça para concordar e se ajeitou no assento também.

Nos outros dois dias de viagem, foi a minha vez de evitar qualquer conversa com Kardama. De certa forma, parecia que todos os assuntos terminavam em alguma discussão potencialmente desconfortável para um dos dois.

No palácio de luz, fomos bem recebidos por todos os empregados e por Nair, que ficou radiante quando viu que estávamos com o antídoto. Então, os alquimistas pegaram a receita e o material para começarem a preparar a fórmula que acordaria meu pai, que ficaria pronta apenas no dia seguinte.

Durante a noite, quando tudo estava escuro no lado de fora, eu me preparava para dormir quando o rei sombrio se aproximou.

— Nunca pensou em como gostaria que sua vida fosse, princesa? Por si. Não por Aruna, pelos argians ou por seus pais.

Encolhi meus ombros, sem desviar meu olhar da penteadeira, e suspirei. Embora fosse um assunto desconfortável, eu não via motivos para agir com aspereza. 

— Acho que sou vazia quando o assunto é ter desejos pessoais, majestade.

Ele torceu os lábios desanimado.

— Não perdi muito tempo sonhando, porque se o fizesse, não seria completamente entregue à Aruna e sempre estaria decepcionada. Há apenas uma escolha que fiz por mim em toda a vida.

— O quê? Você comeu chocolate durante um almoço? — Kardama brincou e riu. Pela primeira vez em dias, aquela era uma conversa normal. — É uma criminosa, princesa.

— Não... — Dei uma breve risada. — Eu prossegui com o casamento, mesmo quando percebi que você não trairia nosso acordo.

Segundos silenciosos seguiram antes que ele respondesse.

— A profecia pode demorar a se cumprir. Eu não gostaria de envelhecer e percebi que perdi toda a vida apenas esperando. Tenho desejos e, se quer saber, acho que são eles que me motivam. Se não se permitir preencher o seu vazio, como vai ter força de vontade para vencer? Quem não perde nada, também não ganha nada, princesa.

Torci meus lábios e observei pelo espelho enquanto ele ia em direção à cama para deitar.

— Eu vou estar ao seu lado quando a profecia se cumprir, se quer saber.

Inclinei meu corpo para encará-lo, mas agora sua mente estava ocupada em acomodar-se na cama. Torci meus lábios e levantei para me aproximar.

— Até hoje, você cumpriu todos os acordos que fizemos, então acho justo que eu cumpra a minha parte, principalmente quando percebo o quanto ela importa para você. — Sentei ao seu lado e toquei seu ombro.

Ele estreitou os olhos.

— Tenho medo de ser mãe, de criar alguém que precise abrir mão de si mesmo, de amar tanto que fique com medo de morrer por Aruna. Ou de morrer e deixar a criança sozinha — expliquei — mas se você pode colocar sua vida em risco para estar ao meu lado, mesmo quando não quer, eu posso enfrentar meus medos.

O rei sombrio sorriu.

— Isso quer dizer que está disposta a adiantar os planos para uma data mais próxima, princesa? — ele quis confirmar.

Torci meus lábios para sorrir.

— Isso quer dizer que podemos falar a respeito com os alquimistas assim que voltarmos para Senka.

O sorriso do rei desapareceu e ele continuou me encarando surpreso por alguns segundos.

— Isso é alguma brincadeira? — perguntou por fim.

Franzi o cenho.

— É claro que não.

Seu sorriso voltou a estampar seu rosto lentamente, então o rei sombrio adiantou-se para me abraçar.

— Muito obrigado, Helene.

Apesar de assustada, seu abraço me fez sorrir também. E, afinal, tínhamos um acordo.

A Coroa de Luz [COMPLETO]Where stories live. Discover now