Capítulo 5 - O acampamento meio-sangue.

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Fui levada até uma estrutura branca e grande no topo de uma colina, que chamavam de "Casa Grande". Ela tinha uma arquitetura clássica, uma cerquinha de madeira branca e uma área em frente a porta principal, onde se encontrava uma mesinha. Possuía dois andares e era toda de madeira. Com todo respeito, parecia bastante uma casinha de bonecas toda ajeitadinha e fofa. Fui subindo a colina com as pernas já cansadas, Duncan não me acompanhava mais, ele aparentemente tinha coisas pra fazer e achou que era melhor que eu aprendesse o caminho sozinha. No fim, não fora muito difícil, já que a casinha estava em destaque no topo da colina.
Enquanto fazia minha excursão por conta própria, alguns jovens me encaravam um pouco surpresos. Alguns até pararam suas atividades para me observar, o que sinceramente era assustador. Adolescentes eram naturalmente muito assustadores, mas adolescentes superdotados que moravam afastados da sociedade... Completamente assustador. Mas eu estufei o peito – Era minha técnica para não parecer insegura – e endireitei a coluna enquanto andava. Sendo assim, fui caminhando colina acima, observando alguns adolescentes correndo pelo lugar. Alguns garotos jogando vôlei em uma quadra logo perto, algumas meninas admirando suas imagens na borda do lago e outros jovens sentados na grama com seus livros.

A Casa Grande era onde eu encontraria o diretor de atividades Quiron e diretor do acampamento, Senhor.D. A casa era muito bonita e grande, como dizia seu nome, mas mesmo sabendo que aqueles caras me ajudariam, eu estava nervosa pra caramba. Bem, eu nunca tinha visto um centauro entendem? Isso seria muito maneiro ou muito bizarro sem meio termo.

Quando pisei nos degraus de madeira da varanda eles rangiram debaixo dos meus pés, um homem gorducho sentado na mesinha lançou-me um olhar de baixo para cima.  Tinha olhos verdes debaixo das sobrancelhas grossas e cinzentas, um olhar rasteiro e meio preguiçoso. Ele usava uma camisa tenebrosa de estampa de tigre, tinha uma barriga bastante redonda e shorts de praia. Parecia um tanto curioso e apesar de sua aparência semelhante a um tiozão de meia idade, ele tinha certa majestade em sua essência.
Parei diante a porta principal do casarão, olhando para ele mais de perto não consegui captar qualquer diferença de um casarão branco normal. Apesar das escrituras em grego que saltavam das pequenas plaquinhas grudadas no chão " Casa Grande " "Diretor: Senhor.D, Diretor de atividades: Quiron". Não entendi como era possivel que eu compreendesse as escrituras mesmo que estivessem claramente em grego, mas achei melhor guardar esse tópico para as perguntas mais tarde.
– E você é? – Ele pousou os olhos estreitos na minha figura, ergueu a sobrancelha com um tipo de escárnio na expressão. Percebi que ele estava de frente para um outro homem, um que estava sob cadeira de rodas. Os dois tinham os olhos no jogo de cartas que estava na mesa, provavelmente eu estava atrapalhando uma partida de carteado. Baixei meus olhos para meus próprios calçados, eu detestava esse tipo de momento. O momento em que pessoas adultas desconhecidas analisam minha pessoa. Eu sempre fora cercada de adultos ruins, então no geral, eu tinha problemas para agir perto deles.
Pigarreei enquanto mexia nervosamente em meus próprios dedos. Lancei um olhar nervoso em direção as paredes do lugar, mas por mais sucinto que fosse o olhar do homem, eu não tinha para onde correr. Precisava me apresentar mesmo que ele me parecesse um pouco assustador a primeira vista.
– Essa é a nova campista, senhor D. Deve se lembrar que Phill estava fazendo buscas. – O homem se agarrou nas rodas de seu automóvel, girou a cadeira e veio em minha direção com um olhar analítico. Ele tinha uma barba grisalha caída sob o queixo, pele negra e alguma coisa que me dizia que ele era bastante sábio. Usava um casaco marrom de tweed – Levava uma pena cor de bronze no bolsinho da frente – ­­ e seus cabelos estavam curtos, ele deu um sorriso para mim. 
– Sou Agnes, Agnes Blackburn. Eu estava buscando um senhor centauro chamado Quiron. – Minha voz soou pateticamente aguda como sempre acontecia quando eu falava com pessoas mais velhas que eu, ou com funcionários de lugares, ou qualquer outra pessoa desconhecida. – conheço o Phill.
Eu não conseguia tirar meus olhos daquela pena metálica, ela emanava um brilho sinistro que me lembrava o monstro que havia me atacado na colina antes de eu desmaiar.
– Pois encontrou-o. É um prazer, senhorita Blackburn. – Ele me estendeu a mão e eu apertei. Não pude conter a expressão que claramente perguntava " Onde estão suas pernas de cavalo então?" e no fim das contas nem precisei dizer.
– Ele usa esse disfarce de cadeirante. – Respondeu o homem de camisa de tigre. Tinha uma voz insossa e preguiçosa, as vezes levemente aguda e irritante como a voz do senhor Blackburn. Alguma coisa me dizia que ele não estava nada feliz de estar sentado naquela mesinha em um acampamento para jovens adolescentes, talvez eu não o culpasse. Mas eu ainda estava bastante intrigada sobre quem eram aqueles dois homens, será que o tal senhor.D era na verdade um duende? Suas expressões lembravam bastante um, ou talvez o papai Noel graças a sua barba desleixada. Mas o que mais me deixara confusa era o fato de ele parecer ter lido meu pensamento.
– Bem, quando preciso ir para além das fronteiras do acampamento, essa cadeira me ajuda a não ser percebido. – Completou Quiron coçando a barba. Ele fez um gesto de mão em direção a senhor D – Esse é o Senhor.D. Ele é o diretor do acampamento Meio-sangue. Mas talvez você o conheça por outro oficio, o deus do vinho.
Empalideci. Aquele era o deus do vinho? Dionísio era como o conhecia das lendas. E apesar de tudo que eu passara até aquele momento, eu não estava pronta para conhecer um deus ainda. A vida toda eu só conhecia um Deus, aquele deus, sabe? O pai de Cristo, e quando eu menos espero os deuses pagãos existem e tinha um na minha frente. Apesar da displicência de sua aparência, eu já conseguia sentir todo o seu poder só de olhar para ele. Talvez para as crianças Semideusas aquilo fosse apenas uma segunda-feira normal, mas eu não pude conter um gritinho eufórico.
– DE VERDADE!? COMO OS OLIMPIANOS!?– Cobri meus lábios com a palma das mãos. – Isso é tão maneiro. Você consegue transformar água em vinho?
Me arrependi instantaneamente daquela pergunta.
Dionísio lançou-me um olhar surpreso misto de deprezo e o olhar que damos a criancinhas remelentas agitadas. Apesar de ele parecer lisonjeado por ter uma pessoa tão interessada em sua divindade, era quase natural para ele ter aquela expressão sem vontade de viver. Depois descobri que na antiguidade Dionísio era bem mais festivo e amigo, mas Zeus acabou amaldiçoando-o por ter flertado com uma ninfa dos bosques ou coisa parecida e isso acabou fazendo com que ele ficasse preso conosco. É, imaginem só  voce ser um deus imortal e seu pai te obrigar a cuidar de adolscentes, eu ficaria uma fera.
– É claro que não. Sou Dionísio, não Jesus Cristo. – Suspirou o homem. – Escute, Agatha. Não vá pensando que este lugar é um tipo de parque de diversões, na verdade, está mais para parque infernal.
– Agnes.
– Tanto faz –  Moveu a mão em desinteresse. Voltou sua atenção a latinha de Diet Coke ( que era provavelmente a única bebida permitida a ele graças a maldição) e ao jogo de pinochle que havia sido ganho por Quiron de acordo com minha visão periférica e pouco conhecimento sobre jogos.
Quiron me guiou até o interior da casa grande, que era bem mais interessante que o exterior. Na sala de recepção haviam alguns tapetes boho espalhados pelo chão, na parede principal uma tapeçaria do monte Olimpo iluminado por um feixe de luz dourada, além de um aroma etéreo que eu não conseguia distinguir qual era. No janelão maior, podia se ter uma visão privilegiada das ondas quebrando na praia logo adiante, também havia muita luz do dia entrando e o som de algum pica-pau martelando o bico na madeira. Aquele parecia um ótimo cartão de visitas para receber pessoas que haviam passado por estresse e trauma tão grande. Eu posso dizer por experiência própria que entrar ali naquele casarão depois de tudo que eu passei, fazia um pouco de sentido e me deixava mais a vontade.
Sentei em uma cadeira acolchoada que ficava no escritório de Quiron, atrás de sua mesa haviam diversos livros enfileirados com uma porção de títulos. A maioria estava em grego antigo, mas também haviam alguns em latim, português, espanhol e inglês, outras linguagens que eu não conhecia também. Eu tinha certa facilidade de perder a concentração, mas estando naquele lugar fabuloso eu mal conseguia conter meus olhos. Giravam para todos os lados analisando cada pedacinho, minha cabeça trabalhamdo tão depressa se perguntando se cada estátua daquelas era original da Grécia, se pertencera a algum imperador ou rei.
– Nem todas essas bugigangas são tão legais quanto você pensa. –  Sorriu caloroso o homem. De relance, vi ele se erguer uns 3 metros do chão, suas pernas já não mais eram magras e cobertas mas sim pernas fortes de um baio marrom. Seus cascos agora tilintavam no chão de madeira, o centauro se revelou e eu não podia crer. Até então eu já presenciara muitas coisas bizarras mas nenhuma delas deixava de ser surpreendente. – Algumas são só souvenirs de viagens.
–  Bem, são muito legais. Mas se o senhor me permite, que pena é está que você carrega no bolso? –  Franzi o meu cenho encarando o bolsinho de Quiron. Ele lançou um olhar para a pena como se tivesse acabado de lembrar sobre ela.
–  Na verdade, está pena é sua. Veio da harpia que você derrotou no topo da colina vindo para cá. – Ele admitiu tirando a pena de seu bolso e entregando para mim. Eu arregalei os olhos com a revelação, porque depois de tudo, eu não esperava que eu tivesse sido capaz de matar aquela coisa. Na verdade eu não me lembrava dessa parte da história, apenas de ter apagado completamente.

Agnes Morana e os olimpianos Onde histórias criam vida. Descubra agora