Capítulo 4 - "Talvez eu esteja do lado errado da ponte."

Começar do início
                                    

Ódio era o que eu sentia, era o que fumegava nas minhas veias. Eles não podiam me repreender por fazer o que eles queriam: esconder de tudo e todos a magia dentro de mim. Não podiam brigar comigo por sair desta forma se eram eles que desejavam que eu escondesse o que eu realmente era do povo.

Não que adiantasse alguma coisa, já que as pessoas pareciam gostar de ressaltar o quão péssima eu era.

Eu sentia meus olhos queimarem em pura magia, sentia meu sangue palpitar dentro de mim, sentia minhas mãos formigarem, sentia minha respiração ofegante. Nunca tinha sentido minha magia tão forte e descontrolada.

Ignorando que estava de salto, corri até as escadarias de pedra da escola com o objetivo de chegar até o meu dormitório o mais rápido que pudesse. Eu não sabia controlar aquilo, mas conhecia alguém que pudia me ajudar, alguém que vivia sob o mesmo teto que eu e sabia muito sobre magia, principalmente magia de fada.

Só percebi a força que abri a porta quando ela bateu na parede e fez um grandioso barulho que fizeram meus ouvidos que estavam sensíveis doerem. Corri na direção da minha avó que me encarou e fez um gesto com a cabeça, entendi que era para eu respirar fundo.

Inspirei, expirei, inspirei, expirei, e repeti o ato de novo, e de novo.

Quando senti que meus olhos já não brilhavam, desabei a chorar, percebendo que nem para usar magia eu servia.

Inútil, inútil, é isso o que sou!

Por que sempre fracasso em tudo? Por que sou péssima em tudo? Qual o meu problema? Por que não posso ser como as outras garotas e me contentar com a vida que tenho? Era uma vida boa, não era? Cheia de riqueza, luxo e bondade. Mas por que eu achava uma vida tão ruim? Eu era mimada demais ou apenas amargurada? Será que esse é o lugar certo para mim?

Vovó fez um som estranho e eu a encarei. De imediato entendi o que ela queria dizer: "chorar não vai apagar a dor que sente".

— O que há de errado comigo, vovó?

Ela negou com a cabeça.

— Como não há nada de errado, vovó? Eu não me encaixo, não sirvo para nada!

Observei-a revirar suas órbitas reptilianas e resmungar algo que não compreendi. Senti uma palpitação na minha cabeça e logo depois ouvi a voz tenebrosa de vovó ressoar em minha mente. Eram poucas as vezes que ela facilitava nossa comunicação com magia. Apenas em momentos importantes.

"Não tem nada de errado com você, praga, você apenas é como nós."

— Como "nós"? "Nós" quem?

"Sua mãe, seus tios e, claro, a mim. Talvez tenha puxado seu avô também, mas essa é outra história."

Será que ela estava certa?

"É claro que estou, criança boba!"

Revirei os olhos com um singelo sorriso no rosto e limpei minhas bochechas vermelhas.

— Talvez eu esteja do lado errado da ponte.

Deduzi com tristeza.

Eu deveria estar com minha mãe, por mais que a Ilha dos Perdidos fosse o lugar mais decadente e cruel de toda Auradon.

"E por que não vai para o lado certo, então?"

Senti a pontada de ironia em seu tom de voz, mas ela estava certa.

Levantei-me do chão e procurei por minha mochila, onde enfiei muitas mudas de roupa e o que eu considerava necessário para minha sobrevivência em um local sem saneamento básico, agricultura e conexão a internet. Como sobreviver na Ilha dos Perdidos sem ser um deles?

Ruim Por Dentro - Descendentes Onde histórias criam vida. Descubra agora