XI. Anagennisi pt. 2

Começar do início
                                    

Suas mãos soltaram os talheres que caíram em um barulho alto demais no silêncio da sala de jantar.

Sentiu olhares queimando em seu rosto mas ignorou quando também se serviu. Um pouco de lombo, aspargos, batatas e uma boa dose de raiva assassina sendo comprimida por auto-piedade.

— Ok, eu não sei o que foi isso mas nem vou me atrever em perguntar... — Thalassa comentou, recebendo as batatas que Okeanos colocava no prato de porcelana que ela parecia segurar com nojo. — Como isso vai funcionar? Por que não faço o tal renascimento, tipo... agora?

— Eu cogitei a hipótese — Okeanos começou, servindo Aidan. — Mas... estudei alguns manuscritos do passar dos ciclos e a maioria dos que já foram registrados por passarem por um Anagennisi estavam em sua melhor forma. Por dentro e por fora.

Thalassa torceu o rosto.

— E os que não estavam?

— Não voltaram com vida pra contar o que aconteceu.

— Ah, que ótimo! E considerando que por dentro estou um lixo, eu com certeza tenho chances de sair com vida dessa situação — Thalassa revirou os olhos.

— Você devia começar a deixar as pessoas terminarem o discurso! — Okeanos a lançou um olhar afiado. — É falta de educação interromper.

Baco tentou se manter em silêncio, engolindo a comida com dificuldade pela garganta dolorida, mas não conteve o risinho que escapou quando Thalassa revirou os olhos outra vez.

— Você não é minha mãe, pelo amor de Deus!

— Ei! Não use seu deus falso contra mim, mocinha — Okeanos apontou o dedo para ela.
Ao lado de Thalassa, Aidan o olhou com as sobrancelhas tão levantadas que quase tocavam o couro cabeludo. Baco devolveu o olhar e pegou o cantil da camisa, derramando seu vinho na taça vazia.

Esse é bem mais fraco do que Thalassa tomou, sussurrou na mente dele. Quer um gole?

Aidan estendeu a taça. E Thalassa concentrada na briga que adoraria iniciar com Okeanos, não percebeu Baco derramando o líquido profano na taça dele, ou que ele bebeu tudo num só gole.

Vá com calma, tentou alertá-lo. Mas sua fala foi consumida pela de Thalassa:

— Então você está dizendo que eu vou morrer de uma forma ou de outra?

A Senhora dos Mares bateu a mão na mesa, gritando de volta:

— Não! Você vai treinar. Fazer seu corpo forte, colocar sua mente no lugar. O máximo que conseguir. Talvez assim você sobreviva.

— Algum dos renascidos começou o processo estando morrendo por dentro?

Okeanos balançou a cabeça, não querendo admitir mas sem conseguir mentir.

— Não.

Subitamente, o olhar de Thalassa se tornou vazio. Seus gestos cederam, imóvel na cadeira, uma casca vazia que não entendia como podia ter um azar tão grande quanto o dele. Ela sequer estava lá?

Baco se recusou a olhar para Okeanos, mas encontrou o olhar de Aidan, parecendo suplicar que fossem embora. Talvez ele tivesse até sussurrado algo para ela, pois Thalassa levantou subitamente.

— Eu agradeço pelo almoço e a tentativa de hospitalidade que achou que eu me importaria — sua voz era vazia, seu olhar perdido no prato que nem sequer encostou. — Preciso de tempo para pensar e ainda estou cansada da noite horrível que tive.

— Noitada com vinho, eu soube — Okeanos formou uma careta de reprovação.

— Pois é. Eu preciso descansar — e então olhou para ele.

Thalassa - Quase SubmersaOnde histórias criam vida. Descubra agora