Capítulo 1

5 0 0
                                    

A grama gelada, a brisa forte, as conversas de moradores por todo lado. Crianças que riam e choravam por volta. A sensação de estar vivo, que sensação estranha.

De repente me vejo tendo todos os sentidos novamente. Quando morri naquela montanha me vi sendo cada particular do universo, como se eu fosse a luz, a escuridão, as gotas de água, a neve, a terra, a minhoca, o vento, o passarinho, o humano, a alma...  Tudo.

Era estranho estar tão claro, era estranho escutar, era estranho sentir...  Quando olho para meu corpo, me vejo totalmente nu e com frio. Estava no mesmo lugar de quando fui esfaqueado pelo meu jovem mestre, Matias, então eu estava no lugar onde morri. Por isso o frio insuportável, aquela montanha era tão gelada...

Quando olhei de longe a cidade onde servi e cresci, notei as diferenças, as casas estavam maiores, a pessoas pareciam mais felizes, agora parecia uma nação de verdade e não apenas um povoado que tinha apenas uma montanha para protegê-los. Desci totalmente despido de roupas, e por sorte encontrei um kimono largado na grama branca antes da cidade.

Eu havia retornado a vida novamente, havia tido outra chance. Pensei em Marcus e Matias, a academia devia estar perto dali se eu fosse poderia encontrar um dos dois. Eu não sabia se estava com o mesmo corpo, o que significava que não sabia se era seguro. Resolvi pesquisar antes de fazer algo precipitado.

— Com licença, pode me dizer quem é o mestre da academia Lu? — Perguntei a uma moça bonita que carregava um galão cheio de água.

— Claro! Deve ser um turista, nunca o vi por aqui. Bem o segundo filho da família, Marcus Lu.

Isso eu imaginava, não sabia a história completa mas Matias havia nos traído de alguma forma.

— O segundo filho? — Me fiz de sonso — por que não o primeiro?

— Bem, meu senhor, não se sabe o motivo, apenas sabemos que quando o mestre Marcus chegou com o primeiro cavaleiro Pedro em seus braços... Sabíamos que seria uma vida diferente do que era. O grande mestre faleceu a cerca de cinco anos, e o comando ficou para o único filho que retornara da montanha.

— Quantos anos desde disso?

— Cerca de 15 anos.

Então Marcus estava com uns trinta e cinco anos agora. O que me preocupava era do porque eu estava aqui, provavelmente com o mesmo corpo e mesmo rosto de quando morri, com vinte anos. O que deduzi pois acordará no mesmo lugar onde cai e provavelmente com o mesmo corpo. Ninguém devia lembrar do rosto do Pedro, do meu rosto, mas Marcus iria perceber.

Me bateu uma saudade da época em que não ligava de conversar com ele, que mal saíamos da academia, que nos beijávamos nas colinas escondidas atrás da cozinha, de quando Matias nos dava um puxão na orelha. Quando foi que ele nos traiu? Foi por causa de uma mulher? Como ele nos traiu? E se sim, qual foi a traição? As pessoas da cidade pareciam bem para mim, não tinha sinal de ataques ou algo assim.

— Se você for estrangeiro moço — Disse a moça bonita — vá na academia, tem que se registrar. O mestre faz questão de olhar.

Me vi encurralado, talvez não fosse tão ruim encontrar um velho amigo. Bem caminhei pelo caminho familiar que tanto conhecia. O Grande portão verde e branco agora estava azul verde, Marcus sempre preferiu essas cores afinal. Um guarda na frente do portão me barrou.

— Para onde vai?

— Vou me identificar, sou estrangeiro e venho conhecer a cidade para um passeio cultural.

O guarda encarou meu olhos por mais alguns minutos, e me liberou, me contou onde ficava de seu mestre. Segui suas instruções e corri em direção a sala grande. Meu coração estava a mil, não sei qual seria sua reação ao meu ver. Quando abri a porta, tomei um susto, seu rosto era tão diferente.

Agora ele tinha uma barba rala, seus cabelos estavam presos em coque mas era visível seu crescimento, seu rosto estava mais definido, sua expressão era seria ao ponto de amedronta. Me vi então com medo, com amor, com receio, com ódio... Várias coisas. Quando fazia parte de todas as coisas, não era comum sentir, não era comum estar ciente, então agora para mim não era comum esses sentimentos que não sinto a tanto tempo, estar ciente de que amo alguém e que quero abraçar ele. Eu tinha perdido tanto tempo ao seu lado, Matias tirou isso de mim. Será que ela já tinha outro em seu coração?

Quando me vi parado em sua porta o mesmo me encarava com indiferença, será que eu estava com o mesmo corpo? Provavelmente sim, mas e se ele tiver me esquecido..?

— Você é estrangeiro? Se identifique.

— Me chamo Pedro, Pedro Dali.

Ao escutar minha voz sua expressão mudou, foi como se o brilho voltasse aos seus olhos. Ele então encarou meu rosto mais uma vez.

— Não é possível — sussurrou — você morreu...

— Eu estou tão confuso quanto Marcus, mas eu acordei naquela montanha e vim para cá.

Quando ele levantou, pegou os meus dois ombros e encarou meus olhos fortemente. Ele se aproximou de minha face, e me beijou. Estava aí um exemplo de sentimentos que não sentia a muito tempo, esse quente dos seus lábios me causavam sensações tão profundamente... Me lembrou da primeira vez que o conheci, tinha dez anos de idade. Quando ele se afastou de mim, percebi que de alguma maneira eu havia confirmado suas dúvidas.

— São tantos, nem percebi que você está com mesmo rosto de antes. Pedro, agora você está seguro.

Seus olhos pareciam intensos em mim, eu só os vi assim duas vezes na minha vida. Uma de quando a sua mãe morreu e a outro foi quando Matias ameaçou me matar. Talvez me perder tenha lhe causado algum instinto de proteção agora, mas eu sei o quanto ele pode exagerar. Quando éramos crianças ele quase matou um menino só por dizer que eu não merecia estar na academia.

— Marcus, antes de tudo, eu preciso entender o que aconteceu naquela noite.

 

Montanha Delta Where stories live. Discover now