20 de fevereiro de 2010...
O vento frio da noite varria as ruas escuras, enquanto o som suave da chuva tamborilava no vidro da janela. Lá dentro, no pequeno apartamento, as paredes brancas refletiam uma aura de tristeza profunda. Uma jovem, de pele pálida e cabelos desgrenhados, fitava o espelho com olhos vazios. O reflexo no vidro parecia mais um fantasma do que uma pessoa viva. Seu corpo frágil tremia enquanto lágrimas escorriam pelo rosto, mas suas mãos estavam firmes. Uma garrafa de comprimidos vazia ao lado da cama e uma carta desdobrada ainda úmida de lágrimas descansavam no criado-mudo.
Ela deu um passo para trás, a respiração pesada e descompassada, e encarou a única saída que via. Sua mente ecoava com as palavras cruéis de seu namorado, as promessas quebradas e os abusos constantes. Finalmente, com uma decisão que parecia não ter volta, ela deixou o peso de tudo aquilo levar sua última respiração.
-O caso de um possível suicídio está chocando a cidade nesta manhã|diz a voz de uma repórter vinda de uma TV em uma cafeteria
-A jovem de 23 anos, identificada como Clara Moura, foi encontrada em seu apartamento na noite passada. A polícia suspeita de suicídio, mas ainda está investigando o envolvimento de terceiros
Duas empregadas, que limpavam as mesas e arrumavam os utensílios, pararam por um instante para assistir. Luana, uma das garçonetes, largou o pano que usava para limpar e cobriu a boca, chocada.
-Meu Deus, como alguém pode fazer isso consigo mesma?|susurava com os olhos arregalados e um rosto pálido
A outra empregada, Alana, observava a cena com uma expressão mais calma, embora algo sombrio pairasse em seu olhar. Ela suspirou, pegando o pano da mão de Luana e continuando a limpar a mesa, tentando desviar a atenção da colega.
-Luana, calma... Às vezes, as pessoas estão passando por coisas que ninguém consegue ver. Não dá para julgar, sabe?|disse enquanto sorria de forma suave para confortá-la
-Mas, isso não quer dizer que temos que nos deixar levar por isso. Vamos seguir em frente, tá? Nada de ficar pensando demais
Luana assentiu, ainda inquieta, mas se forçou a respirar fundo e se acalmar, enquanto Isabela olhou de relance para a TV, notando o rosto da repórter que ainda falava sobre o trágico evento. De certa forma, ela compreendia a dor daquela mulher, mas havia algo em sua frieza que a fazia lidar com tais situações de maneira mais controlada.
O som da porta de entrada se abriu, trazendo consigo uma lufada de vento gelado. Um homem alto entrou no local, fechando o guarda-chuva com um estalo firme. Seu corpo esguio e definido movia-se com uma elegância quase hipnótica, e seus cabelos negros caíam desordenadamente, emoldurando um rosto que parecia esculpido por um artista. Mas o que mais chamava atenção eram seus olhos... vermelhos, intensos, com um brilho que parecia capaz de perfurar a alma de quem ousasse encará-los.
Ele se aproximou lentamente da mesa ao lado da janela, onde as gotas de chuva ainda escorriam pelo vidro, criando uma dança caótica que refletia o mundo exterior. Sentou-se sem fazer um som, e sua presença dominou o ambiente. Mesmo as conversas baixas no fundo da cafeteria cessaram por um momento.
Isabela percebeu sua chegada, e algo naquele homem a fez hesitar por uma fração de segundo, embora ela rapidamente recompusesse sua postura. Caminhou até ele com a mesma calma de sempre.
-O que deseja pedir?
Ela perguntou, sua voz suave e profissional, embora seus olhos observassem cuidadosamente cada detalhe daquele estranho. Ele a encarou de volta, e por um instante, o tempo pareceu parar. Havia algo de perturbador naquele olhar, como se ele estivesse vendo algo além da superfície, algo que nem ela conhecia.