𝐃𝐈𝐀́𝐑𝐈𝐎 𝐃𝐄 𝐉𝐄𝐎𝐍𝐆𝐈𝐍

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Interpretações sobre a morte são declaradas desde que o mundo é mundo, sobre a morte todos escrevem, mas o que não são capazes de descrever é como se vive com ela rondando seu ombro enquanto se faz sua casa. Ninguém sabe como é ter as unhas sujas de terra e o quão difícil é esquecer daquele dia e também tem as manchas na roupa que não saem de jeito nenhum; o cheiro mórbido que irá te acompanhar até chegar sua hora; como o corpo se torna pesado quando desfalecido, e a caixa de madeira, algumas vezes com adornos inúteis, que é carregada durante a procissão que irá fazê-lo atravessar a camada fina que nos separa do mundo dos mortos, carrega-se junto do choro desconsolado de quem perdeu um ente querido; as flores coloridas que ninguém verá e apodrecerá tão rápido quanto uma vela queima; as orações traduzem rituais de passagem e celebram a entrada no paraíso.

Definitivamente não é um trabalho em que costuma ter concorrência e não é pela força braçal que exige, mas o psicológico necessário para sustentar a vida depois de se acostumar com a morte, pois se torna frágil com as diversas formas que estamos sujeitos a, num ímpeto, abandonar essa casca para que outros seres vivos possam se alimentar. E, bem, não é um fim dos mais elegantes e temos o cuidado de, pelo menos, torná-lo um pouco mais humano.

Você pode me perguntar o porquê de ter escolhido essa profissão, jamais direi que é pelo salário ou por ter uma aura fúnebre, não. Eu só me dei conta de que faz silêncio aqui, no dia-a-dia, pelo menos. Não há vivos com falácias estúpidas que cospem da boca para fora, é um lugar sagrado, um lugar para onde todos irão e por isso deve ser contemplado. Às vezes, a realidade me atinge como vento, pois somente o céu poderá chorar em minha memória e reforça minha solidão.

Saio antes do sol nascer porque não há horário para morte e como coveiro me sinto refém dela. Vestia o mesmo macacão manchado de marrom e recebia os mesmos olhares por onde passava, tudo nessa cidade era o mesmo e não sei por quantas vezes jurei que seria a última vez que faria esse caminho, mas sempre me lembro de que estarei preso nesta maldita cidade e acabo me contentando com esse destino ordinario. E no fim, pra quê se importar se iremos todos para o mesmo lugar, não?

Só que ao entrar no ônibus, havia tensão no ar e tentei evitar que essa sensação me consumisse, talvez estivesse apenas cansado e me sentei no lugar de sempre. Encostado na janela, olhando para o movimento do lado de fora sem de fato prestar atenção, me pego escutando a conversa alheia e algo me desperta curiosidade:

— Chegou um inquilino essa madrugada, ficou sabendo? Disseram que ele é pálido como uma parede branca e têm olheiras profundas, parece um morto-vivo se é que me entende. – ela sussurrou essa última parte e imaginei que falasse de mim, eu tinha essa ridícula fama na cidade. — Ele carregava uma caixa pesada e disseram que o odor podre é tão forte que empesteou até a esquina. É um mau presságio, dona, o fim dos tempos, o apocalipse está chegando e apenas O salvador terá misericórdia.

Repasso essa fala enquanto compreendo o rumo que as coisas tomaram para me fazer chegar até aqui e me arrependo de tê-la ouvido e deixado que minha falta de fé guiasse minhas próximas decisões.

O ônibus me deixou no ponto mais próximo do cemitério e encarei a rua íngreme que me levaria até ele. Precisei de um único suspiro, a coragem da caminhada nunca chegou tão rápido naquele dia porque vi meu parceiro e camarada Lee correndo em direção ao cemitério segurando o chapéu que nunca saia de sua cabeça.

— JEONGIN! – ele gritou quando passou por mim. — Nós temos um problema, corre! Rápido!

Eu não entendi de primeiro momento o que estava acontecendo, mas ele é um sujeito sério demais para não obedecer suas ordens e foi o que fiz, apressei o passo para alcançá-lo, sem sequer perguntar o que diabos estava acontecendo e também me arrependi de não ter perguntado porque talvez teria dado meia volta e não voltava nunca mais.

𝐌𝐈𝐃𝐍𝐈𝐆𝐇𝐓 𝐒𝐎𝐔𝐋Where stories live. Discover now