16.0 - vida louca, vida

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Entra no teu peito: bate, e pergunta a teu coração o que sabe ele.

- Medida por Medida, William Shakespeare

É da natureza humana a tendência de buscar pelo costume.

Quando o corpo se acostuma com uma rotina, é natural que permaneça nesta o máximo possível. Acordar no mesmo horário, comer nos mesmos intervalos de tempo, ouvir as mesmas músicas, assistir às mesmas coisas.

O familiar é confortável.

Não há nada de surpreendente e a simples consciência do monótono acalma o coração.

Na maior parte das vezes.

Há momentos em que o tédio bate, sobe da ponta dos pés uma vontade doida de movimento, mudança, evolução.

Mas é passageiro. Logo a mente cansa e, com isso, vem a preguiça de sequer finalizar a obra que o tédio obrigou o corpo a fazer no ambiente. E, então, o limbo conhecido, até aconchegante, volta...alivia os músculos que não estavam prontos para novos sentimentos, faz o homem se arrastar para colocar os móveis de volta no lugar que sempre estiveram.

A questão é: como voltar a mobília de uma casa inteira para o lugar de antes se o cérebro não é mais capaz de se recordar precisamente da decoração?

Sempre tem alguma coisa um pouco torta, uma almofada fora do sofá, um cheiro diferente. Afinal, tudo virou de cabeça para baixo.

E depois para o lado.

Esquerda e direita e frente e trás.

Chega a ser cansativo apenas o olhar sobre a bagunça que ficou, tudo que se quer é que as coisas se resolvam sozinhas para que se possa deitar e fingir que nada aconteceu.

Porém, a urgência pela familiaridade continuava ali, fazendo barulho na casa toda, estremecendo as paredes.

Diego queria voltar a se sentir confortável naquela casa.

Colocar todos os móveis em seus devidos lugares, cada fio em seu respectivo pano.

E o fez. Pelo menos, tentou.

Mexeu e remexeu os objetos em sua mente e nada parecia estar certo, mesmo estando no mesmo lugar que antes.

- Bruno, eu acho que não sei ser feliz. - Ele disse, encarando a parede meio mofada do alojamento.

- Que isso, bicha, do nada? - O loiro levantou os olhos do notebook em seu colo. - Como assim não sabe ser feliz?

- É que...às vezes... - Mordeu o interior da bochecha. - Sabe quando sua casa é a mesma há anos? Os móveis estão nos mesmo lugares desde que você chegou ali e se uma coisinha tá um pouco diferente isso já te incomoda? Mas...Ao mesmo tempo, quando você tinha acabado de chegar ali, tudo poderia mudar de lugar que não faria diferença.

- Não tô te entendendo, Diego. - Franziu as sobrancelhas, fechando o computador verdadeiramente interessado no que era dito. - Seja mais explícito, por favor.

- O que eu quero dizer é que eu nem sempre fui assim, sabe? Estranho, sem cor, cansado.

- Triste? - Bruno arrancou a palavra que Diego tinha medo de dizer.

- É. - Engoliu em seco. - Teve uma época, que eu reconhecia a felicidade. Claro, eu não era feliz o tempo todo, ninguém consegue ser. Mas eu era feliz numa constância que o sentimento não era incômodo, entende? Era familiar, como estar em casa e tudo parecer estar no lugar.

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