-Corrigan's.

-É o mesmo tipo de culinária do Bib's?

Mais ou menos. É alta gastronomia, mas com um menu de inspiração italiana. - Ele se vira de lado, apoiando o celular em alguma coisa e ficando na mesma posição que eu. Isso me faz lembrar de antigamente, quando a gente ficava acordado até tarde, conversando na minha cama. Não quero falar de mim. Como tem passado? Como anda a floricultura? E sua filha, como ela é?

-Quantas perguntas.

-Tenho muitas outras, mas comecemos por essas.

-Tá bom. Eu estou bem. Exausta na maior parte do tempo, mas imagino que é isso que dá ser empresária e mãe solo.

-Você não parece exausta.

Dou uma risada.

-É a iluminação boa.

Quando Emerson completa um ano?

- No dia 11. Vou chorar, este primeiro ano passou rápido demais.

-É incrível o quanto ela se parece com você.

-Acha mesmo?

-Ele faz que sim e diz: Mas e a floricultura? Está feliz com ela?

Balanço a cabeça e franzo a testa.

-Mais ou menos.

-Por que só "mais ou menos"?

Sei lá. Acho que estou cansada dela. Ou vai ver estou cansada em geral. É muita coisa, é um trabalho maçante, e o retorno financeiro não é muito. Quero dizer, me orgulho do sucesso dela e de estar por trás disso tudo, mas às vezes fico sonhando com um trabalho automático tipo linha de montagem de alguma fábrica.

-Eu entendo

-diz ele. - É tentadora a ideia de poder
voltar para casa e não pensar no trabalho.

-Você acha chato ser chef em algum momento?

-De vez em quando. Foi por isso que abri o Corrigan's, para ser sincero. Decidi assumir mais o papel de proprietário e menos o de chef. Ainda cozinho várias noites por semana, mas passo boa parte do tempo cuidando da administração dos dois restaurantes.

-Você trabalha muitas horas?

-Muitas. Mas consigo achar uma noite livre para a gente. Isso me faz sorrir. Fico mexendo no edredom, evitando contato visual porque sei que estou corando.

-Está me convidando para sair?

-Estou. Você topa?

-Posso arranjar uma noite livre também.

Agora nós dois estamos sorrindo. Mas então Atlas limpa a garganta, como se estivesse se preparando para fazer alguma ressalva.

Posso te fazer uma pergunta dificil?

-Pode.

Tento disfarçar meu nervosismo em relação ao que ele está prestes a perguntar.

-Mais cedo, você mencionou que sua vida era complicada. Se isso... se a gente... se tornar alguma coisa, isso vai ser mesmo um problema para Ryle?

Nem hesito.

-Vai.

-Por quê?

- Ele não gosta de você.

- De mim em particular ou de nenhum cara com quem você se envolve?

Franzo o nariz.

-De você. De você em particular.

-Por causa da briga no meu restaurante?

Por causa de muitas coisas - admito. Deito de costas e puxo o telefone junto. - Ele culpa você pela maioria das nossas brigas. Atlas está nitidamente confuso, então explico tentando não deixar a situação constrangedora demais.

- Lembra quando a gente era adolescente e eu escrevia num diário?

-Lembro. Apesar de você nunca me deixar ler nada.
- Bem, Ryle encontrou os diários. E leu todos. E não gostou do que leu.

Atlas suspira.

-Lily, a gente era adolescente.

Pelo jeito, ciúme não tem prazo de validade.

Atlas comprime os lábios, como se estivesse tentando conter a frustração.

Eu realmente odeio te ver estressada com a possível reação dele a coisas que nem sequer aconteceram. Mas eu entendo. Você está numa situação difícil.

- Ele me olha para me tranquilizar. Vamos dar um passo de cada vez, tudo bem?

-Um passo bem devagar de cada vez sugiro.

-Combinado. Bem devagar. - Atlas ajusta o travesseiro debaixo da cabeça.

- Eu via você com aqueles diários. Sempre me perguntei o que você escrevia sobre mim. Se você escrevia sobre mim.

-Quase tudo era sobre você.
-Você ainda os tem?
-Tenho. Estão numa caixa no meu armário.
Atlas se senta.
-Leia algum trecho para mim.
-Não. De jeito nenhum.
-Lily.

Ele me olha todo esperançoso e animado com a possibilidade, mas não posso ler meus pensamentos juvenis em voz alta pelo FaceTime. Estou ficando vermelha só de pensar.

- Por favor?

Cubro o rosto com a mão.

-Não, não implore.

Se ele não parar de me olhar assim, vou terminar cedendo aos seus olhos azuis pidões.

Ele vê que está me vencendo pelo cansaço.

- Lily, morro de curiosidade para saber o que você acha de mim desde a adolescência. Um parágrafo. É só o que peço.

Como posso dizer não? Solto um gemido e jogo o celular na cama, frustrada.

- Me dá dois minutos. - Vou até o armário e pego a caixa. Carrego-a até a cama e começo a folhear os diários à procura de algo que não me envergonhe tanto. O que você quer que eu leia? Eu contando do nosso primeiro beijo?

- Não, a gente vai fazer tudo devagar, lembra? - diz ele brincando. - Comece com alguma coisa mais do início.

É assim que começa Onde histórias criam vida. Descubra agora