Capítulo 2.

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A malcriação de Ade.

São duas as máximas coerentes que promovem a sobrevivência de diferentes espécies, sobretudo a humana. Se algo parece atraente, deve ser abordado com cuidado. Se algo fere, deve ser evitado. Se é atraente e feroz ao mesmo tempo, entra então a terceira máxima: ou trata-se de algo excitante, ou de uma completa emboscada.

Há quem veja beleza nas duas possibilidades.

— Bateu em você — pontuou uma voz deveras estarrecida. — Um funcionário da pediatria bateu em você.

— Na frente de todo mundo — complementou outra, essa mais apática.

— Na frente de todo mundo — repetiu a primeira, ainda mais enfezada. — Apanhou na frente de todo mundo por alguém que lida com crianças todos os dias e tudo o que sai dessa sua boca inchada é "acontece, Elijah"?

— É porque acontece, Elijah — suspirou o neurocientista, vítima de mais um ataque fúria dentre os quais estava acostumado a lidar. — Se não acontecesse, não estaríamos tendo essa conversa.

De volta à sala de consulta número cinco, desocupada pelos mesmos seguranças que esvaziaram momentaneamente o dito saguão, médico, enfermeira e administrador chefe trocavam olhares incisivos enquanto apenas um deles segurava uma bolsa de gelo contra o rosto ferido.

Coincidência ou não, era o mesmo rosto que ostentava um sorriso divertido.

— Acontece muito, Andrew. Esse é o problema — ciciou Elijah, o rosto redondo a poucos centímetros da bolsa gelada. — O que seria de você se eu te acertasse todas as vezes que alguém da equipe reclamasse de você?

— Deformaria o coitado — interrompeu a enfermeira, uma jovem ruiva com muitas sardas e interesse genuíno na conversa. — Mas aumentaria a receita do hospital, então não seria de todo ruim.

— Com certeza lucrariam com as minhas consultas esporádicas por meia dúzia de curativos que tenho em casa — Andrew levou o dedo indicador ao nariz inchado, atrapalhando o trabalho de limpeza que Joanna exercia em sua ponte nasal. — Estou me sacrificando por este hospital, essa é a verdade. Nenhum outro lugar conseguiria demitir profissionais desequilibrados sem pagar seguro-desemprego.

— Holland não era desequilibrado — suspirou ela, aproveitando o momento para trocar um pedaço de gaze por uma bola de algodão.

— Holland usa a violência para lidar com críticas — o médico revirou os olhos antes de voltar a atenção para seu gestor. — É esse o tipo de gente que você contrata para cuidar das criancinhas? Sabe que elas são o futuro desse país?

Elijah bufou, impaciente com o sarcasmo venenoso. Tomou o algodão embebido das mãos da enfermeira e o pressionou contra o nariz inchado de Thurman para fazê-lo calar a boca.

— Gosto do seu trabalho, Doutor Thurman. É a única coisa que me impede de te demitir — disse, a voz surpreendentemente tranquila como se aproveitasse de um momento de estupor.

A reação de Joanna fora um riso debochado, por sua vez escondido atrás da prancheta que carregava com afazeres internos. De certo tinha coisas mais importantes para fazer do que suturar machucados minúsculos de quem merecera recebê-los.

— Você não faz ideia de quantas pessoas já passaram pela recepção pedindo pelas gravações das câmeras de segurança — mencionou, dividindo o olhar risonho entre paciente e prancheta. — Todos querem te ver apanhar.

Andrew revirou os olhos e aproveitou o comentário sincero para afastar a mão de Elijah com um safanão.

— Leve as fitas para a sala dos enfermeiros. A televisão tem mais polegadas — disse, inclinando o corpo para frente sobre as pernas cruzadas na borda da maca estreita. — E ninguém ali curte trabalhar, mesmo. Vai juntar uma boa audiência.

Made-Man: Heróis São Feitos.Onde histórias criam vida. Descubra agora