Pois então vai, a porta esteve
aberta o tempo todo, sai!
Quem tá lhe segurando?
Você sabe voar.Dois anos haviam se passado desde a última troca de olhares entre Aurora e Inocêncio, dois anos desde o triste momento em que juntos disseram adeus um ao outro, dois anos sem notícias, dois anos de páginas em branco que iam preenchendo uma história de amor interrompida, dois anos lutando para esconder uma dor que os consumiam por inteiro, dois anos vivendo de vazio, de lembranças, de porquês.
Aurora tentou, lutou até onde pôde pelo o amor do homem que chegou em sua vida como vendaval, mas jamais poderia insistir em uma história que não lhe cabia mais, um passado forte demais para ser vencido e romper as barreiras, um futuro que no fim descobriu sonhar sozinha. Estava cansada, não entendia as razões da vida ser assim, por qual motivo nunca era boa o suficiente para ser uma certeza ao invés de um talvez? Era sempre boa demais para estar, mas nunca pertencer e isso doía, pois apenas queria um amor puro e genuíno, queria apenas ser a escolha e não a opção, queria ser amada tão forte quanto o sentimento que hoje lhe sufocava o coração, mas o tempo parecia correr contra, talvez não devesse mais tentar nadar, talvez seria melhor apenas se afogar no mar gélido que a solidão lhe havia jogado sem misericórdia, talvez fosse melhor se perder no escuro do oceano sem a esperança de um dia ser salva.
Hoje seu trabalho lhe era seu melhor amigo, ao menos em uma coisa conseguiu ter êxito, sua fazenda estava salva e junto as lembranças que lhe aqueciam a alma enquanto as lágrimas lhe molhavam o rosto, tentava não pensar, mas tudo naquela casa a lembrava dele, cada canto foi testemunha dos amantes nas madrugadas em que se amaram com fervor. Como poderia ela se desfazer da única coisa que lhe mantinha sã? Perder o que deles restou seria perder o fio que a mantinha de pé.
A noite estava gélida e o copo de vinho em sua mão lhe fazia companhia todas as noites, bebia para tentar disfarçar a dor, se anestesiar, a solidão era amarga, mas de noite era bem pior, passou meses vivendo ao lado daquele homem e de repente tudo se acabou como um jarro de vidro jogado ao chão, sem conserto, apenas dores para quem em seus cacos tocares e por isso ela bebia, sabia que não era o certo a se fazer, mas o vinho pelo menos não a olharia nos olhos para dizer adeus.
Descobriu, depois que o perdeu, que amava olhar o céu sentada em sua varanda, havia algo extremamente pacífico em tal ato e algumas vezes chegou a adormecer por ali mesmo, sendo acordada no outro dia pelo o cantar dos pássaros lhe convidando para viver a aurora do renascer e naquela noite não era diferente, estava ali em sua fortaleza onde podia ser fraca e deixar que seu peito chorasse o amor perdido, pensava que se assim fizesse talvez um dia as lágrimas estariam escassas e o coração vazio.
"Aurora?" — Aquela voz que ela tanto amava, mas que agora parecia apenas um fantasma a assombrar-lá todas as noites.
Ela nem ao menos respondeu ou se virou, manteve-se sentada no sofá observando as estrelas, não tinha mais forças para lidar com isso e havia jogado os panos, estava cansada, queria apenas se reencontrar e ser quem era antes dele, antes de conhecer o verdadeiro amor e por ele ser dilacerada.
"Me deixe em paz, Inocêncio." — O tom depressivo não negava seu estado.
"Olhe para mim." — Pediu se aproximando.
"Pra que?" — Perguntou triste. "Você logo vai desaparecer de qualquer forma, já não me faz mais diferença."
"Aurora, eu estou aqui."
"Você sempre diz isso e veja só, todos os dias quando acordo ainda estou sozinha."
Doeu, dessa vez nele, perceber a dor que causou na mulher que tanto aprendeu a amar, doeu saber que ele foi capaz de despertar tamanha tristeza, tamanha dor e agora ele teria que curar as feridas que por longos meses deixou abertas.