O despertador tocou às oito da manhã, invadindo o quarto com aquele som agudo e irritante. Nunca foi um incomodo acordar com despertador, mas talvez fosse pela dor de cabeça que eu sentia. Sem abrir os olhos, estiquei o braço e procurei pelo celular na mesinha de cabeceira. Desliguei o alarme com um toque desajeitado.Bati a mão no lado esquerdo da cama, mas, como em tantas outras manhãs, ele estava vazio. Somente eu e aquele quarto branco compacto. Tudo naquele quarto ecoava a minha solidão.
Suspirei e decidi que era hora de levantar. Coloquei os pés no chão frio sentindo o vazio me invadir. Levantei com dificuldade, o corpo leve demais, como se estivesse oco. Ultimamente, Robson havia se tornado rígido com minha alimentação. "Salada e frango no almoço e nada mais", ele dizia, sua voz firme, sem espaço para questionamentos. Achei que fosse temporário, mas estava sentindo aos poucos meu corpo ceder.
Levei a mão ao meu estômago e ele rugiu em protesto. Não sabia se o vazio que sentia era física ou emocional. Talvez fossem os dois. Robson me controlava de tantas maneiras que às vezes eu não sabia mais onde eu terminava e ele começava. A comida era só mais uma maneira.
Fechei os olhos tentando diminuir a tontura que começava a se formar. Caminhei até o banheiro com um pouco de dificuldade e fiz minha higiene matinal de maneira automática, o som da água correndo pela pia parecia distante, abafado pelo zumbido incessante na minha cabeça. Quando terminei, olhei para o reflexo no espelho: olhos fundos, pele pálida, o semblante de alguém que estava desaparecendo aos poucos.
Finalmente consegui descer até a cozinha. A cada degrau meu corpo parecia implorar para desligar, mas continuei. Minha esperança, ainda que mínima, era encontrar algo que pudesse me sustentar por aquele dia longo.
Abri as duas geladeiras que poderiam armazenar tantos alimentos. Vazias. Senti uma frustração enorme crescer dentro de mim. Abri os armários desesperadamente, como se o Robson pudesse ter deixado passar algo despercebido. Também vazios.
Aqueles armários e eletrodomésticos caros e elegantes escolhidos por ele pareciam zombar de mim. Dei uma risada amarga. Tudo parecia tão excessivo comparado à realidade que eu me encontrava naquele momento. Era humilhante. Olhei para a lixeira, desesperada, a abri. Dentro, havia restos de comida: pedaços de carne, batatas amassadas, restos da refeição que Robson havia feito na noite passada. O cheiro me embrulhou o estômago. Os meus dedos tocaram a borda do lixo. Minha fome era tanta que por segundos considerei ceder. Mas não, eu não iria me submeter àquilo.
Afastei-me da lixeira com um movimento brusco. Minha respiração estava acelerada e meus olhos ardiam de raiva e desespero. Eu estava faminta e completamente fraca, mas ainda parte de mim se recusava a ser destruída daquela forma por aquele homem que eu achava que ainda o amava. Eu não o deixaria quebrar dessa maneira. Mas eu não tinha forças para lutar contra isso. Contra ele. Caminhei até a janela da cozinha e olhei para fora. Algumas pessoas passavam na calçada, alheias ao que estava acontecendo dentro dessas quatro paredes. Ninguém via a fome, a tristeza, o vazio. Ninguém sabia.
Depois de longos minutos estática, decidi que eu precisava ver Diana. Ela era meu refúgio. Sai de pijama mesmo, não tive sequer forças para me trocar. Sabia que ela não se importaria. Mesmo a casa dela sendo praticamente encostada na minha, o caminho até lá pareceu longo. Eu andava devagar, com as minhas pernas parecendo pesar uma tonelada e com a visão um pouco turva. E se ela notasse o quão fraca eu estava? E se ela não quisesse me ver? Diana sempre pediu para eu terminar o meu relacionamento com Robson e que daríamos um jeito, mas nunca consegui. Tinha medo dela desistir de mim. De nós. Diana queria se arriscar por mim e por ela, mesmo ela tendo um relacionamento com Hugo. Ela era muito mais corajosa que eu.
Cheguei à porta da casa dela e apertei a campainha. Um tempo depois, a porta abriu revelando uma Diana com um sorriso no rosto que poderia iluminar todo aquele dia, que pra mim, estava ruim. Assim que ela percebeu minha aparência, o sorriso se transformou em preocupação.
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