Tulipa II

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Continuação...

O céu já se tingia de tons laranja e rosa, enquanto o vento fresco da tarde brincava com os cabelos de Rebeca. Exausta após o treino e as entrevistas, ela caminhava devagar, sentindo o corpo pesado e a mente inquieta. Cada passo parecia trazer Gabi de volta aos seus pensamentos, como um borrão entre memórias e sensações. Havia algo no jeito de Gabi sorrir, na leveza do olhar dela, que causava um incômodo gostoso, um tipo de ansiedade que Rebeca não sabia nomear.

Chegando em casa, ela parou por um segundo antes de abrir a porta, inspirando profundamente. O aroma de massa fresca e molho de tomate a recebeu antes mesmo que pudesse cruzar a soleira.

— Oi, Beca! — A voz de Gabi a trouxe de volta à realidade. — Desculpa a bagunça, eu resolvi tentar fazer massa fresca, e olha no que deu! — Gabi riu, nervosa, apontando para as manchas de farinha no avental. Ela usava um short preto e uma das camisas de Rebeca, o que a fez parecer ainda mais familiar, envolta em uma aura caseira que aquecia o ambiente.

— Uau, parece sério esse jantar — brincou Rebeca, tentando mascarar o nervosismo que começava a apertar no peito. Gabi sorriu, mas seus olhos, ainda que travessos, revelavam a mesma tensão.

Rebeca subiu para o quarto, tentando acalmar o turbilhão dentro de si. No espelho, viu o cansaço no rosto, mas também algo mais profundo. Era como se, naquele momento, algo estivesse prestes a mudar, mas ela não sabia o quê. A água morna do chuveiro desceu por seu corpo, levando consigo não só a exaustão do dia, mas também parte da ansiedade que crescia silenciosamente. Ao sair, sentiu-se mais leve, embora algo ainda pesasse em seus pensamentos.

Enquanto se vestia, a porta do quarto se abriu subitamente. Gabi entrou com um sorriso malicioso, mas ao se deparar com Rebeca ainda parcialmente despida, o sorriso vacilou, dando lugar a uma surpresa mútua.

— Ah... desculpa! — Gabi gaguejou, suas bochechas corando instantaneamente.

Rebeca tentou cobrir-se, mas o momento já tinha acontecido. O silêncio entre elas era denso, carregado de uma tensão diferente de todas as outras vezes. A ginasta sentiu o coração disparar, mas também uma eletricidade nova correndo por seu corpo.

— E-eu só... esqueci uns ingredientes, vou passar no mercado rapidinho, tá? — Gabi disse apressada, rindo nervosamente enquanto se retirava.

— Tudo bem! — respondeu Rebeca, um pouco mais alto do que pretendia. A porta se fechou com um estalo suave, deixando-a sozinha, com o eco daquele breve encontro ainda reverberando em sua mente.

Enquanto se vestia, a cena se repetia na cabeça de Rebeca. Havia algo naquele olhar, naquele segundo suspenso, que deixava um rastro de algo não dito. Algo que ela mesma não sabia se estava pronta para entender.

Mais tarde, enquanto arrumava a mesa, Rebeca viu o celular de Gabi vibrar em cima da mesa. Uma mensagem. Sem querer, seus olhos captaram o nome "Sheilla🖤" na tela.

"Eu sinto saudade de você também🖤"

Rebeca sentiu o estômago afundar. A menção da ex-namorada de Gabi trazia à tona uma série de inseguranças que ela achava ter superado. O passado de Gabi com Sheilla sempre foi uma sombra, mas agora, parecia mais próximo, mais real. A dúvida começou a se infiltrar em seus pensamentos. Ela queria acreditar que o que estava acontecendo entre elas era único, especial, mas aquela mensagem trouxe uma incerteza desconfortável.

Antes que pudesse processar tudo, o celular vibrou novamente, desta vez, uma mensagem da floricultura. "Oi, Gabriela! Já sabe qual será a flor do dia amanhã?"

Rebeca recuou como se o aparelho a tivesse queimado. As flores! As tulipas que apareciam sem explicação. Uma sensação de vazio tomou conta dela, e o desconforto se misturou à frustração. Seria possível que Gabi estivesse por trás das flores misteriosas? E por que não tinha dito nada? O mistério parecia crescer a cada novo detalhe, e Rebeca sentia-se cada vez mais perdida.

Cartas para Paris | RebiWhere stories live. Discover now