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Era uma pacata tarde de quarta-feira no café Secret Secret, quando Jisung encarou seu rosto quase inexpressivo no pequeno espelho pendurado por uma corda fraca que provavelmente romperia dali a alguns dias.

Os olhos vazios do acastanhado demonstravam a confusão mental que pairava em sua mente e o vinha incomodando há meses. Suas órbitas fizeram um belo giro por toda sua face, enquanto sua mão tocava de leve a pele de suas bochechas. "Por que estou sentindo isso?" era a questão que assombrava a mente do jovem de vinte e quatro anos há meses.

Jisung sabia que havia algo de estranho consigo mesmo quando passou em frente a uma loja de roupas e acessórios femininos, o que o fez cessar o seu caminhar quase de imediato. Seus olhos percorreram um belo vestido longo que desenhava perfeitamente a extensão do corpo do manequim exibido na vitrine.

Sem realmente ter consciência de suas ações, o jovem levantou sua mão e tocou a vitrine, como se pudesse tocar o tecido atrás da mesma. Por um instante, um vislumbre de si mesmo usando aquele vestido cobriu sua mente, trazendo um leve sorriso para o rosto do acastanhado. A imagem de si mesmo naquele vestido, acompanhado de um belo par de acessórios dourados que realçavam seus traços faciais cobertos por uma maquiagem leve, o fez querer entrar naquela loja e comprar o vestido.

Entretanto, algo o impediu de dar o primeiro passo; "Por que estou pensando em algo assim?". Ele chacoalhou a cabeça como se pudesse se livrar do pensamento no processo e retornou sua atenção para o caminho que já estava mais do que acostumado a fazer durante todos os dias da semana; o caminho até a cafeteria Secret Secret, onde trabalhava.

Jisung é tirado de seu devaneio por leves batidas na porta:

— Han? Está tudo bem?

Jisung conhecia aquela voz melhor do que ninguém. Aquela era a voz do homem que o empregou e pagava um salário consideravelmente maior do que o necessário para a sua função, apenas para ajudá-lo com as despesas de casa, uma vez que morava sozinho devido a partida de seus pais.

— Está sim, Senhor Seo! — Disse rapidamente passando uma água em seu rosto para afastar a sensação de cansaço que sentia. — Eu apenas me distrai por alguns minutos. Peço perdão pela demora! — Disse esbanjando um sorriso calmo, enquanto seu corpo estava parcialmente virado em direção a porta do banheiro para fechá-la.

— Não há necessidade para desculpas, Han. — Disse repousando sua mão sobre o ombro do jovem. — Estava apenas preocupado. — A mão que antes repousava sobre o ombro de Jisung, agora apontava em direção a uma mesa ocupada por um jovem de cabelos negros. — Seu cliente fiel está aqui.

Jisung apenas sorriu doce e chacoalhou de leve a cabeça, já se dirigindo em direção à mesa ocupada por um jovem que teclava algo em seu notebook.

— Preciso te dar o cardápio ou será o mesmo de sempre, Senhor Lee? — Jisung sorriu fraco já sabendo a resposta do outro.

— Eu acho que já te disse umas mil vezes para me chamar de Minho, Jisung. — O Lee retribui o sorriso fraco de Jisung. — O mesmo de sempre; meu bom e velho café preto!

Jisung balançou a cabeça antes de sair em direção ao balcão para preparar o pedido de Minho.

Minho havia se tornado uma presença constante na vida de Jisung desde que ele começou a trabalhar na cafeteria. Ele sempre aparecia nas tardes acompanhado de seu notebook, sempre teclando rapidamente algo que Jisung ainda não havia tido os culhões para perguntar. Os dois compartilhavam de uma afinidade considerável, mas Jisung não sabia se Minho o via apenas como um atendente qualquer ou como um potencial amigo, por isso, sempre tentou se manter discreto em relação ao outro.

Poucos minutos depois, Jisung retornou à mesa de Minho e depositou a xícara com o café preto que Minho tanto adorava.

— Aqui está. — Ele observou atentamente o outro acenar em agradecimento e bebericar o líquido. — Não quer pedir algo para comer? Variar um pouco? — Arriscou uma conversa boba, como aquelas de quem compartilha um espaço apertado no elevador. De certa maneira, Minho intrigava Jisung.

— Não, obrigado. — O jovem agradeceu com um sorriso. — Preciso me concentrar em terminar este projeto o quanto antes, por isso o café.

A curiosidade de Jisung apenas aumentou diante dessa fala e ele se questionou se deveria ou não fuxicar mais a vida alheia.

Notando que Jisung ainda estava parado olhando para ele com um olhar curioso, Minho apenas sorriu e disse:

— Se está tão curioso, apenas pergunte. Não fique me encarando como um obsessor.

Jisung saiu de seu devaneio e se xingou mentalmente por seu ato descuidado.

— Oh, me desculpe, eu não queria invadir a sua privacidade. — Forçou seu melhor sorriso e apertou com força a bandeja em suas mãos. — Mas já que você me deu a liberdade, irei perguntar; o que tanto escreve nesse notebook? Sempre te vejo escrevendo algo e isso sempre me intrigou um pouco.

— Estou trabalhando em um projeto que preciso entregar para revisão o quanto antes. — Minho levantou os olhos para encarar Jisung. — Estou escrevendo um livro. Bom, na verdade, estou tentando. Ainda faltam inúmeras correções, e o livro está longe de estar finalizado. — Ele sorri, seus lábios formando uma linha reta.

— Um livro?! Isso é incrível! — Jisung diz com visível animação. — E sobre o que fala esse livro? É um romance? Você não parece o tipo que escreve romances.

A sinceridade de Jisung faz com que Minho solte uma risada anasalada. Ele nunca tinha reparado em como o atendente pode ser falante quando quer.

— Não é bem um romance. Ao menos, não é esse o foco. — Minho diz voltando seu olhar para a tela repleta de palavras.

— E qual é o foco? — Jisung pergunta, também olhando em direção a tela do notebook.

— O foco é contar a história de uma jovem que é gênero fluido. — Minho volta seu olhar para Jisung. — Não vejo muitos autores explorando esse tipo de assunto, e acho importante escrever sobre para que mais pessoas que compartilham desse mesmo processo de autodescoberta e auto aceitação, possam ter algo de conforto, de identificação e não se sintam tão solitárias nesse mundo.

— Bom, sua intenção é linda, não posso mentir. — Jisung diz antes de soltar a pergunta que estava na ponta de sua língua; — Mas... o que é gênero fluido?

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