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A brisa fria adentrava pela pequena abertura na janela daquele quarto escuro.

O som repetitivo do tic-tac do relógio, era o único barulho presente. O objeto marcava meia-noite em ponto. O exato horário em que Lee Felix foi declarado morto em um hospital; o exato horário que marcava a passagem de um ano do pior acontecimento que poderia haver na vida daquele que encarava o relógio com uma expressão vazia.

Minho não conseguia dormir. Era assim que ele passava grande parte de suas noites. Acordado. Culpado. Remoendo o acontecimento e pensando no que poderia ter feito para evitar tamanha tragédia.

A cena repetia-se vividamente em sua mente, como se fosse algo recente. O som estridente da ambulância; os gritos desesperados de pessoas desconhecidas; o chão ensanguentado; o carro com manchas de sangue fresco; o jovem de longos cabelos louros, agora tingidos em um vermelho escarlate, caído sobre o asfalto, desacordado.

Minho, como havia feito durante meses, chorou silencioso sobre a cama. Em sua mão, descansava uma foto de si mesmo ao lado do jovem, ambos sorridentes enquanto mostravam as alianças de casal. Seu olhar cai sobre a foto, focalizando o sorriso aconchegante de seu namorado, Lee Felix. Uma pontada forte atinge seu coração, o relembrando que ele nunca mais seria capaz de ver aquele sorriso novamente. Nunca mais seria capaz de abraçar o jovem e inalar o perfume doce que ele exala, e que Minho tanto amava. Nunca mais andaria de mãos dadas com ele nas ruas em busca de uma aventura qualquer. Nunca mais ouviria o som de sua risada, sua tão contagiante risada. Não seria exagero dizer que era uma das coisas que Minho mais amava e sentia falta de seu namorado.

As memórias do que havia vivido com o jovem vem a sua mente, como uma faca que abre uma ferida mal costurada. Ele se lembrava com detalhes como conheceu seu amado, "Lixlix", como o havia apelidado.

Flashback

Minho caminhava ansiosamente pelas ruas, seus passos rápidos e sua atenção drenada para um problema maior do que trombar em algumas pessoas aleatórias.

No presente momento, sua única e maior preocupação, era chegar ao hospital situado a algumas quadras do local onde já estava.

Ele havia acabado de receber a notícia de que sua avó estava internada devido a um problema cardíaco. A avó era como uma segunda mãe para o rapaz, que sentiu seu coração se despedaçar com a notícia.

Caminhando de maneira tão rápida e descuidada, não demorou para que trombasse feio em alguém, levando a pessoa a cair no chão e perder sua casquinha de sorvete recém comprada.

Após se recuperar do baque, Minho olha em direção a pessoa caída no chão. Era um jovem de cabelos louros, estes estando presos em um belo rabo de cavalo.

— Ei, me desculpe! Eu não vi você! — Minho diz com pesar em sua voz. — Você está bem?

Inicialmente, o jovem o encara com um olhar mortal enquanto se levanta do chão, mas tem sua expressão trocada para uma de preocupação ao notar a agitação do ser parado em frente a si.

— Eu estou. — Ele se aproxima levemente para analisar mais de perto a expressão do outro. — Mas você não me parece nada bem. Por que estava andando com tanta pressa?

— Preciso encontrar uma pessoa muito importante que acaba de ser internada no hospital, por isso não estava atento aos meus arredores. — Minho diz, um sorriso triste desenha as linhas grossas de seus lábios.

— Sinto muito ouvir isso. — O louro tenta consolá-lo da melhor forma que consegue. — Eu sei que estarei sendo intrometido agora, mas não acho que você deva ir até lá sozinho. Digo, você está muito agitado, pode acabar sendo atropelado ao atravessar as ruas ou trombar em alguém menos paciente que eu. — Uma linha fina se forma em seus lábios. — Eu posso te acompanhar, caso se sinta confortável.

Minho pondera sobre a sugestão do jovem, mas decide ceder a sua vontade, a fim de evitar mais perda de tempo.

— Aliás, esqueci de algo importante. — Minho diz já acelerando o passo com o garoto em seu encalço. — Qual é o seu nome?

— Ah, que falta de educação a minha. — O jovem sorri fraco. — Eu me chamo Lee Felix!

Fim do flashback

Minho sorri em meio as lágrimas que insistiam em cair, lembrando o quão doce o garoto havia sido com ele naquele dia.

Inconscientemente, sua mão se eleva à altura de seu rosto, e Minho encara a aliança. Não tinha tido coragem de retirá-la. Não conseguia. Aquela parecia ser a única coisa que ainda o ligava a Felix, que havia sido enterrado utilizando sua aliança.

Ele acaricia o objeto, murmurando um "Eu sinto a sua falta", como se o objeto inanimado pudesse responder de volta.

Ele suspira e seu braço volta a pender sobre a cama.

Com as lágrimas ainda presentes em seus olhos, Minho se vira e tenta dormir ao menos um pouco, visto que estava há dias sem dormir mais de 4h por noite.

A manhã seguinte se apresenta com brilhantes raios solares adentrando a janela entreaberta, incomodando o sono leve em que Minho estava. Com a mão esquerda, ele tenta bloquear alguns raios solares, o que resultou em um cintilar da aliança em seu dedo. Ao notar, apenas um suspiro cansado escapa de seus lábios. Apesar da dor que o invadia, ele ainda precisava se forçar a levantar e ir trabalhar.

Indo em direção ao banheiro, Minho observa sua imagem refletida. Os olhos inchados pelo choro da anterior, apenas adicionavam mais miséria às visíveis olheiras que contornavam seus olhos; sua postura estava emborcada, expondo a falta de esforço e vontade de se endireitar; seu cabelo, uma verdadeira bagunça, pois não via um pente há dois dias.

Notando o quão miserável ele aparentava, Minho decide tomar um banho e tentar parecer minimamente apresentável, ou teria sua atenção chamada por seu chefe novamente.

De banho tomado e roupas vestidas, Minho para em frente ao grande espelho que havia em seu quarto. Olhando preguiçosamente para sua aparência desleixada, ele procura em uma gaveta de sua mesa de cama, um pente e um pouco de gel.

Com objetos em mãos, ele penteia seus cabelos rebeldes para trás, e logo em seguida, passa uma quantidade generosa de gel, garantindo que seus fios continuariam apresentáveis durante todo o dia.

Para resolver o problema das olheiras, Minho caminha lenta e relutantemente até o banheiro. Havia no cômodo, uma caixa com alguns itens de maquiagem que Felix costumava usar e que o obrigava a usar junto, de modo que acabou por aprender como usar base e corretivo.

Minho para em frente ao gabinete onde a caixa estava guardada. Uma sensação ruim invade seu peito novamente. A culpa, a raiva de si mesmo e a inconformidade com a morte de seu namorado, pesavam seu coração.

Ele chacoalha a cabeça, tentando evitar tais pensamentos, afinal, se continuasse dando corda à sua mente, acabaria entrando em um colapso e não conseguiria cumprir com suas obrigações do dia.

Abrindo gentilmente a porta do gabinete, Minho vê a caixa colorida em um tom de amarelo bebê e seu exterior repleto de adesivos. Um sorriso involuntário toma seus lábios. Aquilo era realmente a cara de Felix. E ela estava ali, intacta, desde o fatídico dia da tragédia. Seria a primeira vez que tocaria em algo que pertencia a seu falecido namorado, e Minho podia sentir o peso dessa ação.

Com as mãos trêmulas, ele pega a caixa em mãos e a posiciona sobre a pia do banheiro. Ele encarou seu reflexo mais uma vez antes de finalmente abrir o objeto. Mesmo sentindo que poderia desabar a qualquer momento, Minho seguiu firme e alcançou uma base e um corretivo de seu tom. Depois de poucos minutos, Minho se considerava pronto para o trabalho. Suas olheiras estavam parcialmente escondidas pela maquiagem, seus cabelos penteados e sustentados por um gel e seu uniforme habitual de trabalho. Com um suspiro, ele caminha em direção à saída de sua casa, o molho de chaves balançando à medida que andava.

Ao sair de casa, apesar de seu estado apresentável, Minho caminhava como um zumbi ambulante. A noite mal dormida pesava toneladas no jovem, que por vezes se pegava caminhando com as pálpebras baixas.

Em um desses deslizes, onde sua visão estava completamente fora de foco e um preto parcial, Minho sentiu seu corpo colidir com o de outra pessoa. Devido a seu estado praticamente sonâmbulo, não é necessário dizer que Minho se espatifou no chão, despertando somente ao sentir a dor da queda.

RenascerWhere stories live. Discover now