POV: Catarina
Passaram-se dias sem que nada de importante realmente acontecesse, a verdade é que na maior parte do tempo, estou dispersa, pensando em formas de atrapalhar um plano que não é meu. Um plano que eu ao menos sei se existe. O fato é, eu não confio na Marcela, mesmo que ela não tenha mais aparecido aqui, e é exatamente por isso que eu acho que tem um plano para acabar com um dos dias mais importantes para mim.
Meu pai também não é alguém tão confiável assim, mas o conheço bem, sei que vai fazer de tudo para evitar um escândalo tão grande quanto a revelação do meu "segredo" e com isso, não podemos perder tempo.
Querendo ou não, meu casamento é esperado e pode ser considerado o evento do ano. Não preciso caminhar pelas ruas para saber que é mais comentado do que qualquer outro. Especula-se a escolha do noivo, o modelo do vestido, por que um casamento tão íntimo, embora a quantidade de convites distribuídos...
Mas o que me deixa relativamente bem com tudo isso — tirando, claro, a aproximação da data que visa pôr um fim à minha estadia na mansão —, são as visitas frequentes de Petruchio! Elas acontecem pelo menos duas vezes ao dia, a primeira é feita antes dele ir para a feira. Calixto sempre o acompanha, assim como as broas de milho que são deliciosamente preparadas pela Neca.
Petruchio faz questão de trazê-las, tornando o café da manhã muito mais familiar pra mim, e quando ainda estou dormindo, Mimosa fica responsável pela entrega, não parece mais sentir tanto ciúmes assim. Já a segunda visita, acontece antes dele voltar para a fazenda, passa para se despedir e também me desejar uma boa noite. Às vezes, almoçamos juntos e ficamos um tempo no jardim, ao lado dele me sinto verdadeiramente viva, quase feliz.
— Eu ainda não consigo acreditar que amanhã será o grande dia!!!
Bianca está empolgadíssima. Inacreditável seria se ela estivesse aborrecida... sua alegria não pode ser medida, nem contida, de alguma forma, me contagia!
— Você vai ser a noiva mais bonita que essa cidade já viu, Catarina!!
— Fale mais, Candoca, quem sabe assim, ela se anima...
— Eu estou animada, Bianca...
— Posso notar — debochou, me fazendo revirar os olhos segundos antes da minha respiração falhar e eu me impressionar com a visão do meu corpo refletida no espelho. Essa é a última vez que experimento o vestido antes do casamento e a primeira após o acabamento. Não sei ao certo como descrever esse momento, os meus pensamentos e sentimentos, ouço apenas o som dos meus próprios batimentos, são intensos. Pisquei os olhos para afastar as lágrimas que se acumularam sem o meu consentimento.
Eu nunca quis me casar, é só um vestido, Catarina!
Dona Dalva finge não notar a emoção tomando o meu olhar, me dando privacidade para expressar. Respiro fundo, e só assim consigo me controlar. Lhe ouço afirmar que as modificações serão mínimas, apenas pretende deixar a cintura um pouco mais soltinha, de forma que minha barriga (ainda pequeníssima) continue despercebida.
— Você parece preocupada. Algo de errado com o vestido, Catarina?
— Não, Candoca, o vestido está incrível!!! — O trabalho delas é sempre magnífico, principalmente quando minha irmã não se intromete e decide modificar todo o meu figurino. E o que me preocupa não pode ser dito, não sei se é verídico. Talvez eu deva conversar com o Petruchio sobre isso.
Assim que finalizou as novas marcações, Dalva me ajudou a tirar o vestido. Bianca e Candoca falam sobre tantas coisas ao mesmo tempo, uma hora comentam sobre festas, laços e flores, na outra, minha irmã lamenta a ordem que proíbe Edmundo de lhe acompanhar. Talvez após o meu casamento, o Dr. Batista permita o namoro que tanto a faz sonhar, mesmo com o novo genro não pertencendo à lista dos que "podem" agradar.
— O que pretende fazer no seu último dia de solteira? — Seu tom de voz é leve, como se a pergunta pertencesse a uma simples brincadeira.
— Arrumar as malas, com certeza — sorri, mas não menti. Grande parte das minhas coisas já estão guardadas, Bianca e Mimosa me ajudaram durante as tardes parcialmente nubladas.
— A sua pressa em ir embora me chateia, Catarina. Ainda não sei como vou sobreviver aos dias. Imagine, quem vai quebrar os vasos feios e caros que papai insiste em comprar? Não terei mais ninguém para implicar, nem o seu mau humor vai me acompanhar...
— Pois saiba que eu não sentirei falta das suas gracinhas — não consegui me afastar do abraço apertado, a verdade é que ela sempre será a minha irmãzinha.
Já estávamos de saída quando Dona Dalva me entregou uma caixa enrolada em uma fita.
— Tenho um presente para você, Catarina! Não quero constrangê-la, pode abrir quando estiver sozinha.
— Obrigada — nos despedimos e Bianca me acompanhou até o carro de aluguel que encontramos parado na esquina. O motor foi ligado e não demorou para estarmos em movimento, assisti pela janela as ruas ficando para trás, assim como os meus pensamentos.
Estamos lado a lado e de vez em quando, sentimos um certo sacolejo, as ruas são esburacadas, não tem mesmo jeito. Mantenho a caixa firme em meu colo, minhas mãos coçam para saber o que tem dentro... estou prestes a perder a luta quando ouço uma voz que não vem de dentro:
— Preciso que me prometa uma coisa, Catarina — desviei os meus olhos da caixa para fixá-los aos seus. — Promete que sempre vamos nos ver? Que você não vai deixar de me receber e... — não permiti que terminasse de dizer, abracei sem conseguir me conter.
Quando nos afastamos, sequei as lágrimas que insistiam em escorrer, deixando um pequeno rastro molhado em seu rosto delicado, seu semblante ainda amedrontado.
— Prometo, Bianca!!
Sua mão alcançou a minha e seguimos assim (de mãos dadas) até o carro parar em frente a casa que um dia foi minha. Faz parte da minha história, mesmo que não me traga lembranças exclusivamente divertidas.
Descemos após pagarmos o motorista.
— Parece que temos visita — apontei o carro vermelho estacionado ao lado do azul.
Bianca não se mostrou tão curiosa quando supus que ficaria. Buscapé me interceptou, impedindo que eu concluísse os passos que tinham como destino a porta da cozinha, não pretendia ser vista, não por ele, mas pelo Dr. Batista — que veio logo em seguida.
— Madrinha, madrinha, viu que maravilha? — Apontou para o carro, me fazendo sorrir com sua euforia.
— É mesmo incrível, Buscapé.
— Sabe de quem é o carro, Catarina? — Com apenas um passo, Bianca parou ao meu lado, pegou a caixa dos meus braços e pediu que Buscapé a deixasse em meu quarto, alcançou minha mão, me conduzindo até a frente do automóvel.
— Deveria?
— O carro é seu presente de casamento, minha filha!
— Não vai me comprar com um carro, Dr. Batista.
— Pelo amor de Deus, Catarina!
— Não tem a menor condição de você ficar passeando em cima daquela carroça, ainda mais estando grávida!