Becky sorriu, iniciando o ritual de todos os dias.

- Por que eu não acompanho você até a porta de casa ?

Na primeira vez que Harry e Becky voltaram da escola juntos, ele insistiu em levá-la até a porta de casa porque "foi o que minha mãe me disse que um cavalheiro faria"
Becky ficou tão perplexa com a formalidade de cavalheiro de Harry que deixou que a acompanhasse. Desde então, quando chegavam áquele cruzamento, eles repetiam o diálogo.

Harry deixou Becky em casa, voltou até a Mercer e seguiu para casa. Alguns minutos depois, chegou á estação de trem, na matede do caminho entre sua casa e a de Becky.

Ele ouviu que um trem se aproximando por uma locomotiva de madeira em miniatura feita á mão que ganhou em seu segundo aniversário, e desde então amava trens. A força e a velocidade dos trens o deixavam maravilhado, principalmente os trens expressos que não paravam em South Windsor e seguiam direto pela estação na velocidade máxima, como se nem ocorressem a eles parar no subúrbio insignificante. O trem que estava parado agora seguia para o sul, vindo de Nova York e passando por Nova Jersey. O outro lado da estação, que Harry nunca visitou, era dos trens indo para o norte passando pela cidade.

Nos últimos anos, Harry havia ido a Nova York com os pais algumas vezes. Normalmente, a família ia de carro em uma manhã de sábado, pegava uma matinê de show da Broadway ou ia a uma exposição de museu e depois voltava. Harry implorava para ficar mais, mas os restaurantes de Manhattan deixavam seus pais claustrofóbicos, e eles recusavam, na mesma hora, sugestão de Harry de "dar uma voltinha". Harry sentia que outras partes da cidade o chamavam, áreas escondidas debaixo de arranha-céus como animais exóticos em uma selva. Mas esses passeios familiares eram a única forma de ele ver a cidade, e ele aceitava o que podia ter.

O trem parou e as portas se abriram. Algumas poucas pessoas saíram, bem diferente da multidão que saía no final de um dia de trabalho. Harry sentiu inveja dessas pessoas por poderen ir a Nova York, mas também tinha pena delas por terem de voltar para o subúrbio. Sempre fazia com que ele pensassem em Tântalo, o personagem da mitologia grega sobre quem aprendeu no sexto ano, destinado a morrer de sede e fome no mundo subterrâneo, com água e comida quase ao alcance da mão. Harry não sabia o que era pior, estar tão perto do que se queria e não pegar, como Tântalo, ou estar totalmente exilado do que se queria.

As portas se fecharam e o trem começou a se afastar. Harry o viu seguir como uma flecha disparada alegremente na direção do alvo.

Harry morou a vida toda no bairro daquele lado da estação. As casas imponentes ficavam atrás de gramados bem cuidados, formando linhas perfeitas, e, como a associação imobiliária insistia para que todos fossem pintadas dentro da mesma paleta de cores pastel horrendas, os quarteirões pareciam fileiras de balas na caixa de doces de um gigante.

O outro lado da estação, onde ficava a plataforma dos trens que iam para Nova York, era o limite de um lado menos receptivo da cidade. Como se tratava de South Windsor, não era um lugar perigoso, pelo menos em comparação com os lugares de Nova York que os pais de Harry descreveram, de quando moraram na cidade antes do casamento. Mas o lado de lá não tinha a sensação limpa que o lado de Harry tinha.

Os dois lados da estação só se ligavam por um pequeno túnel subterrâneo, até que uma passarela foi construída. Ao passar pela estação todos os dias na caminhada de ida e volta da escola nesse último ano, Harry fantasiava sobre ir para o outro lado, entrar em um trem e ir disparado para a cidade. Mas os pais de Harry deixavam bem claro que ele não podia ir sem os dois sob nenhuma circunstância.

- Eu sei que você ama Nova York- disse a mãe de Harry um mês antes, no carro, quando eles voltavam da igreja armênia. - Mas a cidade é muito perigosa, principalmente para um jovem. Talvez, quando você estiver no último ano da escola e depois de termos explorado a cidade um pouco juntos, possamos deixá-lo ir. Durante o dia, claro. A apenas algumas áreas que decidíssemos antes. Com alguns amigos. E um adulto. E, talvez, escolta policial.

One Man Guy | Larry Stylinson |Onde histórias criam vida. Descubra agora