* * *
Durante aquela semana os três marcaram para se encontrar mais uma vez. O tédio fez Júlia engolir seu conceito de “amigos estranhos”. O local marcado foi uma praça do bairro. Júlia havia prendido duas mechas da frente do cabelo atrás da cabeça. Usava jeans e uma blusa nova. Estava bonita. Foi a primeira a chegar na praça e reparou que Gabriel estava mais uma vez fumando embaixo de uma árvore, mas dessa vez Júlia teve pena dele. “Porque fuma tanto?” Júlia se questionava. Ele estava olhando para ela, isso já era óbvio. Ela se sentou num banquinho. Ele continuou olhando para ela. Ela também olhou. Ele jogou o que restava do cigarro no chão, prendeu o cabelo muito liso num rabo-de-cavalo e se levantou. Foi andando na direção dela. O sol batia no cabelo ruivo “acaju” e refletia.
_Oi... Seu nome é Júlia né?
_Oi... E Júlia sou eu mesma._ ela sorriu.
_Estava me perguntando por que a gente nunca se falou... Você parece ser legal..._ ele retribuiu o sorriso._ Posso me sentar?
_Claro._ Júlia fez uma reverência sarcástica para ele se sentar_ Você sabe que horas são?
_Hum... Pela hora que eu saí de casa, eu acho que são cinco horas.
_A não! O que há comigo? Eu saí uma hora mais cedo. Tenho o péssimo hábito de me perder com o tempo. Eu vim do antiquário...
_Eu ouvi você conversando com aquela menina Sara e o... O... Como é mesmo o nome dele?
- Nicolas
_Isso mesmo. Você gosta de antiquários né? Gabriel perguntou.
_Sim... Muito!
Júlia começou sua explicação sobre seu gosto por coisas antigas e sobre a velha dona do relicário.
_Minha avó me disse que aquela mulher é velha desde que ela era criança e veio morar aqui. Eu não acredito. - Gabriel contou.
Júlia começou a achar que aquela velha era mais estranha do que ela imaginava.
_Eu não sei. Na verdade sei pouco sobre ela.
E a conversa foi se estendendo e tomando outros rumos. Júlia se descobriu uma pessoa mais simpática e amigável do que pensava ser. Em menos de uma semana se viu conversando com as pessoas que ela nunca imaginara conversar.
Uma hora se passou e Nicolas e Sara chegaram e automaticamente se juntaram a conversa. Tudo parecia estranho para Júlia. E talvez para os outros também. Mas o que tinha de estranho tinha de agradável.* * *
Depois de mais uma semana, Júlia voltava pra escola para finalmente pegar o resultado de sua prova. Seu relógio ainda estava parado e ela o havia deixado em casa. Como estava sem relógio e não sabia das horas resolveu que passaria no relicário. Chegando lá, a velha senhora estava como sempre sentada numa poltrona na entrada da velha loja. Júlia foi convidada a entrar mais uma vez.
_ A senhora sabe que horas são?
_ Não. _ a velha disse entre risadas.
_ A senhora tem algum problemas com relógios é?
_ Não gosto de problemas nem de relógios!_ e a velha ainda ria.
Júlia foi entrando e reparou numa velha cama bem no fundo da loja. Parecia mais antiga que tudo ali. Por cima dela havia uma colcha amarelada com bordados dourados. A cama era de uma madeira tão escura! Parecia ter sido tão bem talhada. Nela havia entalhes detalhados. Júlia chegou mais perto. Era uma floresta? Havia árvores e...
_ Júlia!_ chamou a velha, interrompendo o seu transe. _ O que você achou aí?
_ Acho que nada demais... Uma cama com uma colcha velha.
_ Ora! Eu não me lembro de cama com colcha nenhuma. _ retrucou a velha, rindo mais uma vez.
_ Caraca! Acho que meu tempo já acabou._ Júlia olhou para o pulso como se lá estivesse o seu relógio._ Tenho que ir pra escola. O pessoal todo deve estar lá.
_ Eu não vejo ninguém do seu grupo de amigos há quase duas semanas.
_ Ah! Eu estou falando de outro pessoal...
Júlia foi pra escola pensando que agora ela tinha outro “pessoal” que andava com ela. Como é que seria quando seus amigos voltassem? Agora ela era parte desse novo grupinho de pessoas que antes não tinham um grupo?* * *
Quando Júlia chegou em casa já estava bem tarde. Ela sabia que teria que ouvir o sermão sobre sua falta de responsabilidade com o horário. Mas o que isso importava? Ela, por incrível que pareça, tinha acabado de ter a tarde mais divertida do ano e com as pessoas mais estranhas da escola. Era tudo muito louco.
Depois do sermão, Júlia foi dormir. Ela não tinha sono e quando conseguia cochilar não tirava a imagem de um velho relógio da cabeça. Será que o sermão tinha surtido tanto efeito assim? Lá estava ele. O Relógio estava atrás da cortina amarelada. O Relógio Branco. Ela tinha que pegar. Mais porque aquele lobo não parava de uivar? Ela não se importou com o lobo uivando e foi até a cama na beira do lago. Então os ponteiros do Relógio Branco não paravam nunca de girar? Mas o relógio dela havia parado está tarde. Ela já estava sentada na cama para pegar o Relógio. Mas o que ela queria agora? Porque a garota com o chapéu estranho corria também para pegar o Relógio?
Júlia acordou com barulho do despertador que sua mãe fazia questão de colocar em seu quarto. Júlia desligou o relógio, mas parecia que o som dele continuava em seus ouvidos. “Chega de relógio, pelo amor de Deus!”, ela pensava. Como um sonho tão sem sentido podia perturbar uma noite de sono? “Que sermão poderoso sobre horário!”.
* * *
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Segredo de Perséfone
FantasyUm deus foi preso. Uma mãe foi morta. Um amor foi perdido. Cinco jovens foram escolhidos. Um segredo está guardado e O tempo está parado.
Capítulo 1 - O Tempo perdido
Começar do início