Não ia adiantar você ficar naquela sala, se não estava ajudando em nada!? Debato comigo, já que uma grande parte de mim quer voltar para trás e segurar na sua mão. Fico inquieto do lado de fora da sala, andando de um lado para o outro, como se não soubesse do meu lugar do mundo, ou se como alguma parte do meu corpo estivesse morrendo. Nunca senti isso e por isso não sei ao certo o que fazer. Sempre fico chocado com a frieza de algumas pessoas, não consigo acreditar em como alguém é capaz de bater no outro desta forma. Porque com certeza aqueles ferimentos foram feitos por alguém, e não por um acidente. Com a cabeça a mil sou chamado para ajudar em outro atendimento, mas meus pensamentos ficam lá, naquela sala.
Faço o meu melhor para ajudar um casal que chega, ambos caíram de moto, e estão com o corpo todo ralado. Depois de o raios-X mostrar que eles não quebraram nada, trabalho mecanicamente, desinfetando, e fazendo curativo no joelho do rapaz, a moça se machucou menos, ainda assim, foi medicada e ficará em observação, pois bateu a cabeça ao cair da moto.
Tudo o que eu queria era saber é se aquela mulher esta bem, meus pensamentos voltam a todo instante para aqueles olhos apavorados causando estranhas sensações em meio peito. Não sei explicar o que estou sentindo, porque na verdade nem sei o que estou sentindo... É uma mistura de sofrimento com angustia, sei lá. Assim que termino o atendimento do casal, volto à sala em que ela estava sendo examinada e fico sabendo que foi levada para fazer alguns exames.
Estou no corredor quando vejo Joana, vindo à minha direção. Aperto o passo, para perguntá-la sobre a mulher, mas por mais que eu ande, aquele maldito corredor branco parece nunca ter fim, fazendo a estranha sensação dentro do meu peito intensificar. Quando estou próximo o suficiente paro e pergunto sobre a paciente, mas os olhos dela estão tão tristes que começo a pensar que algo mais grave aconteceu.
Por que apenas pensar nisso faz meu coração doer tanto?
- Ela está bem? - Pergunto. Sentindo algo ruim, que não sei explicar.
- Ela vai ficar. Estão tentando entrar em contato com a família dela, mas ao que parece ainda não acharam ninguém. -Respiro fundo, aliviado por ela estar viva. Um alívio estranho passa por todo meu peito, como se fosse água lavando a dor.
- Graças a Deus, quando a vi ali na calçada, por um instante achei que ela estivesse morta. - digo, querendo botar para fora um pouco do meu pavor com tudo aquilo.
Ela fica em silêncio. A enfermeira Joana é uma mulher alta, forte, é uma negra que esta sempre sorrindo. Trabalha no hospital há anos e está sempre tirando sarro de todo mundo e por algum motivo o seu silêncio me parece um mau presságio. Olho em seus olhos, não querendo perguntar nada, mas querendo que ela me fale o que há de errado, já que segundo ela a mulher está bem.
- Ela foi estuprada. - Fala baixo, quase como se tivesse medo de falar e tornar reais as suas palavras.
- O que? - Meu tom de voz sobe um pouco com o susto. Sinto que algumas pessoas no corredor pararam o que estavam fazendo e estão olhando. A raiva que sinto agora é forte, quase sufocante. Sinto este sentimento tomar conta de mim, o sangue corre forte em minhas veias, deixando tudo em mim em alerta, uma descarga de adrenalina no corpo todo. Lembrar dela daquela forma, caída no chão, o rosto pequeno sem expressão, as mãos geladas...meu coração aperta, como se alguém fizesse isso com as próprias mãos.
A Joana toca em meu braço, dando-me um conforto silencioso e só então percebo lágrimas descendo pelo meu rosto... O que me causa estranheza, já que não costumo chorar. Com certeza estas lágrimas são de raiva. Por mais que vejamos coisas ruins no dia-a-dia do hospital, nunca deixamos de nos surpreender com coisas horríveis, feitas por pessoas horríveis. Respiro fundo algumas vezes, mas o ar parece nunca chegar aos meus pulmões. Em câmera lenta vejo Joana se afastar, enfermeiros passam ao meu redor, cada um com a sua função, enquanto permaneço ali, sem saber o porquê, todos os meus instintos protetores estão me pedindo para ir vê-la.
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O Enfermeiro (Degustação)
Romance●ESTE LIVRO ESTÁ DISPONÍVEL NA AMAZON. Caic D' Ávila é um enfermeiro exemplar que trabalha em um hospital público de São Paulo e apesar de todas as dificuldades, ama o que faz. Ele se orgulha da sua vida de solteiro, que acredita ser perfeita até...
CAPITULO 2
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