Suas nove horas de trabalho foram lotadas de telefonemas exaustivos para pessoas impacientes e estúpidas e seu esforço para ao menos parecer mais gentil do que o habitual e expor ao mundo sua gratidão pelo sonho que tivera com a esposa agravava seu esgotamento. No fim da sua jornada de trabalho se despede sorrindo de seus colegas recebendo em troca olhares mal humorados.
Quase que se deixa frustrar ao ver que o elevador do prédio encontrava-se em reparos, mas toma rumo as escadas sem esboçar qualquer reclamação. Ja no último lance de degraus é traído por sua respiração que se torna ofegante, aos quarenta e três anos de idade reconhece o quão sedentário está e agora sem Lysa para obriga-lo a reconciliar-se com a esteira de vez em quando sua situação piorara. Lembrar-se da voz da esposa o incentivando a correr mais alguns minutos e o lembrando dos benefícios que isso trazia a sua saúde fez seu espírito avivar-se e também que seus pulmões tomassem folego novamente, caminhou o mais rápido que pôde em direção ao seu carro, precisava do aconchego de sua casa e principalmente, precisava de Lysa.
Já na varanda de casa lembra-se que hoje se completam quatro meses que sua amada esposa encontra-se desaparecida e esse pensamento lhe faz parar com a mão na maçaneta da porta, sua cabeça baixa e ombros arqueados revelam sua frustração que somada a seu cansaço lhe atribuem uma aparência péssima e digna de pena.
Como seria ótimo abrir a porta e encontrar Lysa alegre lhe esperando, atirada no sofá lendo suas revistas prediletas, uma lagrima caíu no seu sapato, entrou em casa, não havia ninguém o esperando, de qualquer forma era reconfortante estar em casa.
O resto de sua noite foi solitária, assistiu aos mesmos programas de televisão sem graça de sempre, se esforçou o que pôde para comer seu jantar que nada tinha de apetitoso, uma caneca de café forte lhe ajudou a empurrar o alimento para o estômago. Sentado a mesa percebe a quantidade absurda de canecas de café espalhadas sobre os móveis de toda a casa. Algumas até continham um pouco de café no fundo onde nadavam tufos de bolor, sabia que se Lysa se deparasse com aquela cena de horror em que sua casa se tornara, ele estava ferrado. Ela fora a unica mulher que conhecera capaz de manter sua bagunça a níveis aceitaveis, talvez por isso que a amava tanto.
Decidiu por um fim no seu dia mediocre, a euforia de ter recebido a visita da esposa em seus sonhos na noite passada já havia se condensado em um sentimento de tristeza que pesava dentro de si.
Embora não fossem ainda nem dez horas da noite concluiu que seu corpo carecia de descanso e sua mente do cheiro de Lysa então foi para o quarto.
Não demorou muito para que Dylan adormecesse, ele mesmo as vezes se indagava o porque sentia-se tão bem em um cômodo empoeirado e que a tempos não era banhado pela luz do sol, um medonho aconchego lhe tomava quando aninhava-se sobre aquelas roupas de cama tão sujas que traziam um aspecto emplastado.
Sua mente exausta partiu em direção ao neurótico mundo dos sonhos onde tinha esperança de encontrar sua amada, escorriam lagrimas dos seus olhos no momento em que seu consciente se desprendeu do mundo físico .
Em uma hora maldita durante a noite o corpo de Dylan mesmo abafado em meio a panos fétidos fica frio de repente, o leve toque de uma mão macia sobre seu peito o faz acordar, logo todo o cômodo parece ter sido arrastado para outra dimensão, onde o cheiro de pó e de mofo transforma-se em um doce perfume. Dylan então percebe o que se passa, sorri e vira cabeça para o lado de onde espera que venha o beijo molhado, aquele toque suave que já vinha descendo pelo seu abdomem e aquele perfume eram ambos de Lysa.
Deixou-se entregar aquelas carícias macabras e se esquecendo de qualquer desconforto no corpo se despe com agilidade, sentado na cama puxa a esposa flácida para seu colo, acaricia a pele fina de Lysa, uma pele tão delicada que parece se desprender do corpo ao toque dos dedos.
Perdido em beijos e abraços onde só na mente de lunático haveriam de ser reciprocos Dylan tenta banir qualquer pensamento que lhe impeça de desfrutar de qualquer mínimo detalhe daquele momento, mas não pôde fugir de tomar uma decisão, prometeu a si mesmo e também a Lysa que no dia seguinte trataria a todos bem novamente, mas que dessa vez não choraria, lembraria com ternura de Lysa.
Após um longo tempo fazendo amor apaixonadamente com a esposa se estica na cama cansado e feliz, adormece tranquilo com o cheiro suave da pele de sua mulher impregnado nas narinas.
De repente é acordado com o estrondo de sua porta da frente sendo arrebentada, sem entender o que se passa resmunga para o despertador que ainda era cedo para se levantar, mas logo a porta do quarto também é derrubada ao chão provocando uma nuvem de poeira que toma conta do interior do quarto. E nesse momento em que é tomado pela confusão provocada por lanternas invadindo o cômodo. Um sujeito ágil joga Dylan ao chão e algema com firmeza suas mãos, as luzes dançando freneticamente refletindo as partículas de poeira e o som de homens tossindo e vomitando lhe entorpecem.
Os policiais se chocam ao se deparar com aquele cena horrenda que parecia ter sido orquestrada pelo pior dos demônios, não havia nenhum deles que não desejasse correr para longe daquele cheiro putrido que impregnava o quarto, o cheiro de morte que exalava do cadáver de Lysa Foster sobre a cama do quarto, pele e carne podre espalhavam-se pela cama e até mesmo sobre Dylan, em algumas partes do cadáver podia-se ver vermes nadando na carne necrosada.
O cheiro insuportavel é que havia resultado na denúncia dos vizinhos, Dylan vinha a meses dormindo ao lado do corpo da esposa em decomposição.
Hélder Oliveira.S
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Os Vestígios de Lysa
Short StoryO amor e a saudades seriam capazes de trazer ao ser humano uma loucura macabra?
OS VESTÍGIOS DE LYSA
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