Adrienne, deitada na ampla cama, mirava os deuses e ninfas que adornavam o dosse. Para Sandro, ela ainda era como uma daquelas ninfas, pensou. Um corpo a ser usado e descartado. Mesmo compreendendo as razões dele, ficava magoada. Não era fácil lidar com a desconfiança de Alessandro. E doía-lhe muito vê-lo erguer barreiras invisíveis entre os dois para se proteger.
Talves tudo fosse mais simples se Adrienne dispusesse de um tempo ilimitado. Mas o fato é que nao dispunha. O fardo de conhecer o futuro pesava-lhe sobre os ombros, e não podia compartilhá-lo com ninguém. Sabia, por exemplo, que o rei da França já estava a caminho da Itália, semeando um rastro de discórdia. E em sua esteira vinha César Borgia, com desmedida sede de poder e a ambição de estabelecer seu próprio ducado às custas das cidades-estados da Itália Central.
Adrienne torceu as mãos, tentando imaginar como poderia usar seus conhecimentos do futuro sem ser acusada de bruxaria.
Havia, porém, uma incógnita que seus conhecimentos não elucidavam: ela não sabia quanto tempo ainda lhe restava. Sem querer, olhou para o retrato de Isabella. Estremeceu. Ficou tensa a ponto de explodir. Aquele quadro era um lembrete de que vivia uma farsa. Nunca sabia se no dia seguinte acordaria como Adrienne de Beaufort novamente, só para descobrir que o destino lhe pregara uma peça terrível.
Com um sobressalto, ouviu a porta se abrindo. Logo a seguir tranquilizou-se ao reconhecer o andra leve de Daria. Como todas as noites, a escrava viera lhe trazer um copo de leite enriquecido com mel, canela e raspas de laranja. Adrienne suspirou, sentou-se na cama e pegou o copo que a outra lhe estendia.
Daria ajoelhou-se ao pé da ama e ficou obsrevando-a. Tinha as mãos cruzadas sobre os colo e podia sentir a cápsula de metal que havia costurado na barro de sua túnica. Quantas e quantas noites não fora levar leite à ama e tivera vontade de despejar o conteúdo da cápsula em seu copo? Quantas noites não deixara o quarto com o copo vazio nas mãos, odiando-se por sua própria covardia de preferir uma existência de terror a uma morte rápida? Mas agora, desde que a feiticeira entrara no corpo de Isabella, Daria congratulava-se por sua covardia. Nunca poderia retornar à sua terra, pois era uma mulher desgraçada. Todavia, ainda lhe restava, em suam, a possibilidade de enfim levar uma vida mais digna.
Adrienne esvaziou o copo. O sabor do leite adocicado era-lhe tão familiar, que tinha até a impressão de havê-lo tomado durante toda a sua vida. Quando entregou o copo a Daria, ouviu o som de passos no corredor.
A porta escancarou-se e Alessandro surgiu entre os batentes. O lume vacilante das velas dançava em seu rosto, atirando-lhe sombras indecisas.
Ele fitou-a demoradamente. Sentada na cama larga, Isabella parecia pequena e frágil, embora na verdade não fosse nem uma coisa nem outra. Alessandro queria odiá-la, mas sabia que isso estava acima de suas forças. Queria fazer amor com ela. Recusava-se a nomear a loucura que sentia por aquela mulher; fosse o que fosse, estava lá, consumindo-o dia-a-dia, minuto a minuto.
Alessandro acabara de passar pela experiência mais frustrante de sua vida. Bebera vinho de boa qualidade e ficara rodeado de belas mulheres que tudo fizeram para despertar-lhe o desejo. Mas ele não havia conseguido sequer tocá-las.
Furioso, atravessou o quarto e parou diante da cama.
Adrienne de imediato percebeu a agitação dele. Sentiu o cheiro de vinho e de perfume de almíscar que lhe impregnava as roupas. Num lápso de segundo, sua fúria fez frente à de Alessandro.
Como ousa vir me procurar quando esta cheirando a vinho e a perfume de outras mulheres?
Ele segurou-lhe o braço, mas Adrienne desembaraçou-se com um safanão. O vinho não havia lhe entorpecido completamente os sentidos e, com incrível rapidez, Alessandro agarrou-lhe os pulsos.
Solte-me! Ela ainda tentou se desvencilhar, porém, as mãos dele pareciam tenazes invencíveis.
Alessandro puxou-a, obrigando-a a ficar de joelhos. Não obstante, ela não se intimidou. Em seu olhar continuava a brilhar de fúria cega, que realimentou a própria fúria de Alessandro.
É uma feiticeira! Uma bruxa! ele acusou. Em poucas semanas, conseguiu levar-me à loucura! Aonde quer que eu vá, sinto seu cheiro... Aqui, aspirou o perfume de rosas dela e, inconscientemente, semicerrou as pálpebras. Cada vez que olho para outra mulher, enxergo apenas seu rosto, Isabella...
Sem perceber, Alessandro afrouxou a pressão nos pulsos dela, e o que fora um gesto de violência transformou-se numa carícia. Adrienne agora permanecia imóvel.
Estive na companhia de belas mulheres e fui incapaz de tocá-las, maldita seja!
A cólera dela se dissipou com a mesma presteza com que havia surgido. Adrienne mordeu o lábio para não sorrir diante da explosão de Alessandro. Ele parecia um menino mimado queixando-se de não conseguir comer um confeito porque já tinha se empanturrado de doces.
Ela ergueu as mãos e pousou-as sobre o tórax musculoso.
Espera que eu me solidarize com seu pequeno drama pessoal, Sandro?
Alessandro notou sua expressão falsamente séria. As barreiras desmoronaram dentro dele. Era como se um dique se rompesse, deixando escapar um fluxo de emoções quentes, intensas. Se não estivesse embriadado, saberia que nome dar a tais emoções. Mas, mesmo que fosse capaz de discernir aquele sentimento, ele o renegaria.
Adrienne, no entanto, logo soube o que Alessandro estava sentindo. Se tivesse a alma de outra Isabella, regozijar-se-ia de triunfo. Em lugar disso, alegrou-se, ficou agradecida e encheu-se de novas esperanças. Deixou as mãos caírem e descansou a cabeça no peito de Alessandro. As batidas do coração dele estavam aceleradas e algo descompassadas. Ela esperou que se acalmassem. Logo, seus corações estavam pulsando no mesmo compasso.
Isabella.
Adrienne levantou o rosto. As palavras de amor estavam em seus lábios, mas ela não as proferiu. Ainda teria que esperar o momento certo para dizê-las...De súbito, o pânico a invadiu. OH. Deus, faça com que eu ainda esteja aqui quando chegar o momento de dizê-las!, rogou silenciosamente.
Alessandro viu o lampejo de medo em seus olhos e,lembrando-se da violência com que a tratara, ficou envergonhado.
Não tenha medo, Isabella. Não vou machucá-la.
Sem solta-la, ele também se ajoelhou sobre a cama. Um a um, beijou-lhe os dedos, depois a palma das mãos.
Adrienne contemplou os lábios dele roçando sua pele e sentiu uma onda de desejo. Com a língua, Alessandro traçou uma trilha de fogo na palma de sua mão. Adrienne emitiu um gemido abafado.
Ainda segurando sua mão, ele fitou-a. Isabella tinha os olhos semicerrados e os lábios trêmulos, parecendo prontos para acolher um beijo. Será que realmente o havia perdoado por suas maneiras detestáveis?
Adrienne olhou para Alessandro por sob as pálpebras semicerradas. Pela primeira vez, percebeu a incerteza pairando em seu olhar. Uma incerteza gerada pela vulnerabilidade que seus novos sentimentos lhe propiciavam. Devagar, retirou a mão dos lábios dele e afogou-se a face. Depois enroscou os dedos nos cabelos negros e atraiu-o para si, até que Alessandro repousasse a cabeça na maciez de seu ventre.
Enquanto seu desejo se intensificava, Alessandro deu-se conta de que Isabella lhe dera a resposta para sua pergunta muda. Endireitou-se e guiou as mãos dela até os botões de sua camisa.
Com os olhos presos aos dele, Adrienne começou a despir Alessandro.
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As Duas Vidas de Adrienne
RomanceAo ser levada para o leito nupcial, Adrienne não tinha como fugir: dentro de instantes teria de entregar sua pureza a um estranho! O duque Alessandro di Montefiore, precisava consumar aqueles casamento arranjado. Mas não confiava em sua esposa: Isab...
Capitulo Dez
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