Eu estava festejando, bebendo, beijando, vivendo minha vida porque eu queria. Nada nesse mundo me faria parar com isso.

Mas fiquei com medo que a bateria acabasse.

99394-5919 ( mami )

Falei para ela que não podia. Ela insistiu que era urgente. Eu me tranquei no banheiro para que pudesse ouvi-la melhor e a ouvi pela primeira vez em o que parecia anos, mas logo tempo era tão inútil quanto o copo de Vodca que tinha em mãos.

— Seu pai está alucinando.

Ela desligou e mandou um áudio.

"Filha...?" Sua voz parecia a de um fantasma." Venha brincar comigo uma última vez..." Ele fez uma pausa e os bipes dos aparelhos sobressaíram sua voz." Como quando você era criança." Ele riu, uma risada seca, só de ar. "e achava que era uma macaca. Vou balançar na floresta... vou pulando de galho em galho..."

Mãe está digitando...

Ele não vai morrer em paz se não vier.

Aquela canção... eu tinha esquecido que ela existia. Eu cantava enquanto brincava no parque perto de casa. Já tentei pular de galho em galho uma vez. O salto foi muito pequeno e eu caí. Meu pai parou o churrasco e correu de casa até lá para me acudir. A distância era pequena, já que morávamos lá do lado, mas ele foi.

E eu não.

Deixei o copo cair e arrombei a porta do cubículo, abrindo o mar vermelho de pessoas para fazer meu caminho até a saída. Estava bêbada, mas eu precisava dirigir não me importava com as leis de trânsito, limite de velocidade, semáforos, eu só corria quase sem saber para onde ir. Buzinei ao cruzar a luz vermelha e tive que desviar de um carro vindo na direção oposta. Não podia culpá-lo por me xingar, mas não ouvi nada.

Deixei o carro aberto no estacionamento do hospital e corri para recepção. A mulher atrás do balcão estava ocupada de mais para me atender, mesmo que eu gritasse que precisava ver meu pai. Não demorou para que eu perdesse a paciência e começasse uma marcha atlética para o quarto 256. A porta estava meio aberta e ninguém notou quando entrei.

Me abaixei de um jeito ao lado da cama do meu pai a ficar com o queixo na altura da cama. Ele olhou para mim e abriu um sorriso sereno, segurando minha mão de volta. Fez para que eu ficasse em silêncio e apontou para minha mãe que dormia.

As máquinas faziam bipe.

Ele me disse que sabia que eu viria e eu me ajoelhei na maca e implorei para que ele me perdoasse, chorei que o amava muito, que eu era a pior filha que eles podiam pedir, mas ele só deixou a mão sobre a minha testa e sussurrou o seguinte.

— Te encontro do outro lado.

Eu sabia que ele se sentia fraco. Estar tão doente não era atormentador o suficiente para não sentir nada. A única coisa que não entendi era como ele sabia que era naquela noite, não na próxima nem na anterior.

Fechei os olhos sentindo sua mão quente na minha cabeça e segurei seu braço com força, esperando de algum jeito prender sua alma a aquele corpo.

Mas tudo o que eu fiz ou deixei de fazer foi irrelevante.

As máquinas não faziam mais bipe.

Agora que paro para pensar, não devo ter ficado lá por mais de dez minutos segurando o corpo morto, mas ainda quente, do meu pai, mas lá, in natura, foram dias, foram todos os dias que eu o troquei por outra coisa que eu julgava mais importante. Eu descobri, naquela hora, que todos os vazios que senti até aquele silêncio eram metade cheios. Nada, no passado ou no futuro, criou um vácuo tão grande.

Te vejo do outro lado?Where stories live. Discover now