"A Liberdade que Limita" [parte 02] | Stéfani P. Paludo

Começar do início
                                    

E colocar Luzia cercada por homens sedentos por vingança, presa num ambiente caótico e desconhecido, serviria como uma ótima cena de ponto de virada pelos seguintes motivos:

- Estabeleceria, num primeiro momento, uma sociedade dos homens oposta à das mulheres.

- Revelaria à Luzia suas fraquezas, como a física, por exemplo, já que ela nunca deve ter passado por uma situação em que sua integridade física tenha estado em risco. Isso resultaria no medo, na sensação de insignificância, na necessidade de sobrevivência. Instintos primitivos que por algum momento poriam Luzia na condição de um homem.

Esses elementos seriam importantes para o Arco Dramático de Luzia porque fariam com que ela tenha que se confrontar, tenha que superar seus medos, seus limites, para voltar mais uma vez para um lugar que significa risco de morte. Torna sua volta à sociedade dos homens mais heroica, uma decisão mais difícil de ser tomada, algo que esperamos de um protagonista de um livro.

E Gustavo poderia ser o elo mais importante para que Luzia tome a decisão de voltar. Porque é ele que representa a parte humana do homem, que representa as semelhanças entre sua comunidade e à das mulheres. O que tornaria, desde o início, Gustavo um personagem especial, destacado dos outros coadjuvantes, digno de apresentar sua sociedade, mas, principalmente, de acompanhar Luzia em sua jornada de aprendizado.

Como afirmou Joseph Campbell, escritor de "O Poder do Mito" e "Herói de Mil Faces", um herói pode e deve ter aliados, mas será apenas ele a tomar as decisões mais importantes, a enfrentar os desafios mais perigosos vindos no final.

Por isso, acho interessante que seja Gustavo a ajudar a protagonista a escapar da situação de perigo que ela se meteu. Mais do que tratá-lo como salvador, isso faria com ela se conectasse a ele por gratidão, por respeito, mas também por ter reconhecido nele valores que ela só tinha encontrado antes em sua própria sociedade.

De forma alguma, acho que isso colocaria Gustavo como superior, pois será Luzia que voltará para salvá-lo depois, para mudar toda a situação em que ele e seus irmãos homens se encontram.

Gosto dessa cena de ação, em que Luzia é atacada por homens e ajudada por Gustavo, porque os três conflitos (físicos, pessoais e internos) são trabalhados nela e, como já disse certa vez, quanto mais tipos de conflitos trabalhamos numa cena, mais forte ela fica.

Bem, mas essa pode não ser a melhor solução para a história que Stéfani pretende contar. Num comentário no capítulo anterior, a escritora diz o seguinte a respeito dos homens nunca terem invadido a sociedade das mulheres e não terem atacado Luzia:

Mas nos capítulos seguintes eu deixo claro que os homens têm muito medo da sociedade feminina. Eles acham que elas são superiores e muito mais poderosas e por isso sentem medo delas e se mantém o mais distante possível.

O elemento crucial aqui é o medo que os homens sentem das mulheres. Ok, mas para que homens, que são naturalmente mais agressivos quando acuados, tenham tanto medo a ponto de abrirem mão do confrontamento em busca da liberdade, algum controle realmente poderoso deve acontecer na sociedade deles.

Vamos imaginar, então, que Stéfani tenha essa resposta, mas não queira revelá-la ao leitor no início do livro. Tudo bem, é justo. Mas, ainda assim, ela precisa dar pistas para o leitor sobre a terrível situação que os homens estão submetidos. Lembram do Pista e Recompensa que falamos na resenha do livro "O caso Schawer por Siena Rios" de Julie Trandafilov? 

Então...

Aqui a Pista será de extrema importância porque além de preparar a revelação futura, construindo uma base mais firme para que o leitor aceite e acredite nela, ajudará a estabelecer a tensão e o mistério que são primordiais para manter o leitor preso à história.

Independente da explicação para a submissão extrema dos homens (poderia ser lobotomia, algum tipo de controle mental, de lavagem cerebral, etc), eles deveriam ter PAVOR das mulheres. Tanto pavor, que fugiriam desesperados de Luzia. Imagino esta ser a única forma de explicar já de imediato, só com ação, a motivo deles não atacarem a sociedade das mulheres e nem mesmo precisarem de guardas e muradas na fronteira.

Além do mais, colocar os homens aterrorizados com Luzia seria uma bela forma de gerar conflitos internos na protagonista, já que essa cena não necessariamente a colocaria sob o risco de ser ferida ou mesmo morta, mas a confrontaria com várias questões morais e emocionais. E Gustavo, da mesma forma que na cena debatida anteriormente, poderia ser o elo, o único homem naquele local com alguma razão, com algum controle, que implorará para que ela vá embora e pare de levar sofrimento aos seus comuns.

Luzia sairia dessa cena chocada com as possíveis atrocidades que os homens são submetidos, certa de que pessoas tão parecidas com ela (conclusão alcançada por conta da empatia gerada por Gustavo) não deveriam viver tão oprimidos e explorados.

Percebam que seja qual for a solução para o Ponto de Virada, ou mesmo para a explicação do porquê a sociedade dos homens se submete à das mulheres, a cena deverá ser a mais forte possível para que gere um maior interesse no leitor.

Nunca abra mão dos conflitos, principalmente os mais poderosos no início do livro, mas saiba que quanto mais forte eles forem, mais intensos forem os mistérios e as revelações, mais coerentes e bem enraizados eles devem ser na história.

...

Bem, é isso. Mais uma resenha. Espero que todos tenham gostado e que tenha sido útil. Peço perdão a todos que ficaram decepcionados por eu não trazer uma resenha de um livro novo, como sempre faço, mas achei essa oportunidade incrível para amarrar muito de tudo que eu já falei ao longo desse projeto. 

Acho que essa resenha ajudou, ao menos um pouquinho, a clarear para alguns o processo de perguntas e respostas existente no ato de criar uma história.

Longe de mim trazer alguma verdade. Coloco aqui apenas a minha opinião, a minha forma de tomar as decisões para uma história.

Agradeço a todos pelos comentários, votos e ajuda na divulgação. Muito obrigado mesmo, viu? Um abraço muito apertado em cada um de vcs. ;)

Agora é com vcs (rs). Vamos juntos debater mais soluções para essas cenas, para o ponto de virada dessa história. Acho que seria um ótimo exercício.

Aliás, não farei uma pergunta nesse capítulo, deixarei um exercício (:p).

Quem quer colocar nos comentários questões primordiais dos seus próprios livros que estejam com dificuldades para que eu possa montar futuramente uma resenha com as minhas sugestões e a dos outros que comentarem?

Quem quiser, então, coloque aqui nos comentários a questão a ser debatida para que os outros possam deixar suas sugestões. ;)   

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