- Ela busca assinaturas neurais de baixo porte, com saturação de oxigênio muito baixa. Até agora só animais à beira da morte foram infectados: não precisa ter medo dela.
- Quando um desses bichos controlar seu cérebro aí eu te falo "não precisa ter medo"!
- Não seja dramática! Você é uma cientista!
- Eu não tô sendo dramática, só não quero virar um zumbi!
- Tá bom.... - Denira menea a cabeça em desaprovação cômica.
Ambas se deparam com um enorme tronco caído no meio da trilha, um manacá com diversas bromélias torcidas e perdendo a água acumulada entre as folhas. Dois geógrafos estão na frente delas, alertando para terem cuidado com a lama escorregadia enquanto pulam a árvore caída. Denira se detém sentada sobre o obstáculo observando o vale que se abre à frente, com os galhos de Pau Preto, Ipês, Aroeiras, Fícus, Flamboiãs e tantas outras árvores da floresta margeando os paredões de rocha sedimentar clara, marcada por trepadeiras escuras lá nas alturas, entre os raios dourados do nascer do sol. Poucas nuvens se condensam numa névoa baixa, com pardais, tucanos, maritacas e bem te vis cantando numa orquestra matinal energética.
Denira respira bem fundo, agradece ao universo e desce pela trilha do vale, chafurdados os sapatos na lama.
A Garganta do Dourado é uma galeria considerada pequena, dentro do complexo do parque do Peruaçú. Conhecida por indígenas Xacriabás há milênios mas explorada por Bandeirantes pela primeira vez em 1745, ela deixa qualquer um boquiaberto, mesmo não sendo a maior ou mais bela dos Espeleotemas. A partir de uma clareira na descida da trilha, a menos de meia hora do acampamento de entrada do complexo, uma abertura no paredão forma garganta de dez metros de altura, com o calcário entrecortado por janelas naturais de erosão. Entre os degraus e desníveis naturais das paredes, o reflexo da passagem de um pequeno rio - o Douradinho - tornam as paredes douradas por causa da concentração arenosa dos sedimentos, tornando o lugar um verdadeiro quadro artístico natural. Nos baixios internos fulguram contos rupestres que os Xacriabás chamam de Guerra do Bicho, é algum mito antigo de feras com formas humanas atacando pessoas sob constelações de outras regiões do mundo (como os ancestrais dos Xacriabás vieram a conhecer tais estrelas é um mistério).
Entre tantas belezas exóticas de uma gruta curta, de pouco mais de cem metros, alguns turistas descobriram uma galeria nova bem no centro da Garganta. Denira observa ofegante enquanto espeleólogos calibram galões de oxigênio para descer por novas câmaras virgens. Enquanto o grupo dela desce pela trilha e adentra o campo arqueológico, um outro parece se agitar na saìda, com uma leve gritaria.
- Tem alguma coisa rolando. - Hermínia limpa o suor da testa branca.
- Fiquem aqui. - Ricardo, arqueólogo chefe da expedição, passa por elas.
Alguém parece chorar copiosamente dentre a equipe local, os rádios comunicadores chilram tensos enquanto as lanternas dos espeleólogos adentram a nova caverna.
- Tava bem atrás, eu sei o que vi!
O grito é contido por alguém, socorristas buscam acalmar o rapaz histérico.
- Merda. Alguém sumiu. - Dedé, um dos arqueólogos, comenta ao lado das moças.
- Podemos ajudar, será? - Denira questiona.
- Nestes casos o melhor é esperar. Os espeleólogos já estão descendo. - Ele responde.
- Um grupo maior pode procurar mais longe. - Hermínia afirma. - Basta manter pela galeria já conhecida.
Dedé dá de ombros, agitando os dreads da cabeça.
Todo o grupo de Denira se concentra na entrada do campo enquanto o alvoroço diminui. O burburinho é constante e a impaciência reina.
- Tudo bem gente, não é segredo que um membro da equipe da USP sumiu. - Ricardo afirma enquanto se aproxima, parecendo ainda mais preocupado que o normal. - Nós vamos entrar, mas quero o dobro de preocupação com regras de segurança. Também vamos a ajudar a procurar o historiador deles que sumiu: seu nome é Orvino. Preparem a base lá do outro lado da Garganta e vamos descer em trinta minutos.
- Poderemos avançar para novos sítios? - Um dos espeleólogos pergunta alcovitado.
- Já foi difícil conseguir permissão do comando para sequer entrar, Afovias. Quem sabe quando o desaparecido voltar a gente consegue melhorar o quadro geral...
A equipe do ICMBIO bufa desgostosa.
- Tudo bem pessoal, nós somos da casa. Tem muito pra gente descobrir ainda, não fiquem assim! - Denira tenta animar o grupo. - Logo vamos descer.
- Você na frente, azulzinha! - Uma das socorristas brinca com Denira.
Todos riem, de humor um pouco mais leve.
Eles armam o acampamento laboratório do outro lado das grutas e em menos de meia hora estão todos ligando suas lanternas para entrar no coração das rochas.
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Passos de um passado com futuro
General FictionUm mistério que atravessa o tempo entre mundos diferentes. A mistura de ciência, ficcção e um pouco de romance entre duas pessoas tentando entender o impasse mortal de criaturas que invadem seus mundos.
2. Bioanálise
Começar do início