A aventura secreta do revolucionário vermelho

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Poucos diriam que o encontro entre Aleksandr Mykolayovych e J. M. E. McTaggart renderia frutos tão autênticos. Conheci Mykolayovych quando ainda estava na URSS, era o membro mais brilhante do nosso grupo. Acreditava no que chamava de "idealismo espacial": se para McTaggart, o tempo não existe, o filósofo soviético evoluiu o conceito — dizia que o espaço também não existia, era uma ilusão cognitiva, apenas parte da forma que percebemos o mundo. No fundo, todas as coisas estavam no mesmo lugar e tudo existia simultaneamente. Se chegássemos no nível de entendimento correto, poderíamos extrapolar os limites físicos e ir para qualquer lugar em um piscar de olhos. Fiquei cético a princípio, mas minha parceira, Emma Guttmann, revelou ser uma adepta da "irrealidade espacial".

Mal imaginava que na viagem de volta ao Brasil, se tornaria o amor da minha vida. Sua atribuição de "espiã" não era fácil e sabíamos que tempos difíceis estavam por vir. A verdade é que não conhecia muita coisa sobre a vida de Emma. Apenas que era alemã, de origem judia e tinha passado alguns anos prestando serviços para o comunismo soviético. A minha função era igualmente complicada: eu deveria liderar uma transição do país ao comunismo, com ajuda dos meus amigos de Moscou. Sim, 1935 não servia a pessoas com o estômago fraco. Essa mudança acabaria se tornaria uma tentativa frustrada de revolução.

Depois que voltamos ao país, nosso partido foi fechado pelas forças autoritárias do governo de Getúlio. Isso insuflou os ânimos — era um ataque ideológico de gente odiosa. As atribuições da Comintern eram claras e a única forma de fazer justiça era pegando em armas. Espero que um dia deus me perdoe por isso. Tentamos fazer o que a injusta imprensa burguesa chamou de "golpe", embora nossos companheiros nunca concordassem com o asqueroso termo. Reuni os antigos membros de movimentos militares rebeldes — há um bom tempo, procuramos um país melhor. Infelizmente, tudo deu errado. Nossas tropas foram vencidas pelos homens do governo e foi criada uma comissão nacional para reprimir o comunismo. Me mantive escondido com Emma na região do Méier, mas fomos encontrados depois de alguns meses.

A maior parte das pessoas conhece esse momento da minha história. O que poucos sabem é o que se sucedeu durante algumas noites — me lembro bem, recebi uma carta que chegou clandestinamente à minha cela. Era um pequeno escrito de Mykolayovych, provavelmente traduzido. O velho intelectual ainda tinha dificuldades com o português.

"Você sabe o que deve fazer. O espaço é psicológico, não físico. As coisas estão na sua mente. Temos poder de causalidade sobre a realidade. Não se deixe limitar pelas barreiras físicas. Venha até mim. Estou esperando na mesma casa em que você foi encontrado".

A carta me pareceu extremamente enigmática e mentirosa. Duvidava que me esperaria no Méier, já que a última vez que o vi foi em Moscou. O que queria que eu fizesse? Saísse da cadeia com a mente? Sabia de sua crença idealista. Para ele, o espaço não existia e ponto. Era indiscutível. Ainda assim, fiquei me perguntando sobre a não limitação a barreiras físicas. O espaço, para ele, era psicológico, certo? Não existia de fato, assim como o tempo. Passei a trabalhar essa ideia nas minhas meditações. Se o espaço era questão de perspectiva, então poderia me deslocar de um ponto a outro apenas mudando a forma de pensar. A introspecção era fácil — a cela não era compartilhada com ninguém e poucas vezes fui incomodado. De certa forma, alguns guardas ainda tinham alguma admiração pela minha pessoa.

Nas primeiras vezes, não tive nenhum resultado. Tentei de tudo, mas parecia impossível. A ideia de transportar matéria para outro ponto no espaço era apontada como uma impossibilidade científica, resistindo apenas na teimosia filosófica de Mykolayovych. As coisas começaram a mudar depois de uma semana de rigorosa meditação. O processo mental era simples: sentava no chão da cela, fechava os olhos, levantava o olhar para o ponto entre as sobrancelhas — o centro da percepção divina, segundo algumas tradições. Em seguida, passava por um processo de imaginação, visualizando a casa no Méier com cada vez mais detalhes. Passaram-se duas semanas de prática. Em uma noite chuvosa, o resultado foi expressivo pela primeira vez. A visualização ficava cada vez mais rica enquanto me convencia da inexistência do espaço físico. Aos poucos fui ficando inconsciente e adormeci.

A Aventura Secreta do Revolucionário VermelhoWhere stories live. Discover now