Um coração para nós dois

Um coração por nós dois

A lua cheia ascendeu lentamente no céu, surgindo estranhamente vermelha. Era o começo do Festival Qingming, quando os vivos apreciavam e veneravam os antepassados mortos com comidas e celebrações em sua memória. Mas também era hora para aqueles falecidos, porém não venerados ou lembrados, caminharem também. Muitos adivinhos e cultivadores instruíram as pessoas comuns a usar folhas de salgueiro à sua porta naquela noite, porque a energia escura emergindo da Cidade Fantasma nunca poderia significar nada de bom. Uma quantidade tão grande de fantasmas reunidos naquele lugar poderia ser comparada à peregrinação ao Monte Tong'lu!

De fato, houve um grande grupo de espíritos marchando para a Cidade Fantasma, mas o motivo não era o massacre de milhões e o nascimento de um novo Rei Fantasma, e sim uma celebração: o aniversário da cidade.

Não sabe-se ao certo a verdadeira data de fundação da Cidade Fantasma, mas a tradição de decorá-la com lanternas vermelhas no quarto dia do quarto mês começou há séculos atrás, muito próxima das comemorações do Festival Qingming. Todos os anos, fantasmas rumavam de diferentes partes até a Cidade Fantasma e os restaurantes e barracas de comida ferviam com porções de pernas e braços para o banquete especial de celebração. Todas as pensões e casas de chá penduravam avisos de "lotado" em suas portas nos dias anteriores e posteriores às festividades.

Era mau agouro para todos os humanos que viviam ou passavam perto da Cidade Fantasma, e muitos cultivadores evitavam caçadas ou exorcismos naquela região durante a "Semana Vermelha", como muitos passaram a chamá-la graças a luz rubra que brilhava ao redor da cidade em milhões de lanternas. Não podia-se imaginar que os fantasmas e demônios se reunindo na Cidade Fantasma buscavam apenas diversão e celebração longe dos humanos.

A Semana Vermelha foi celebrada por muitos anos, e mesmo com a expectativa de todos os habitantes e visitantes do Festival, o Lord da Cidade jamais apareceu. Hua Cheng não caminhava pelas ruas ou apreciava as decorações dispostas por toda a semana, apesar de saber das peças e danças que se espalhavam pelas ruas contando histórias debochadas sobre a Corte Celestial. O Mestre da Cidade Fantasma raramente fazia aparições em público, mas a cada ano as festividades eram ainda maiores para convencê-lo a participar.

Além das danças de sátira aos deuses, danças e proclamações muito mais luxuosas e bem ensaiadas também eram apresentadas na cidade, contando os feitos do Lord Hua Cheng, como a vitória avassaladora contra os 33 antigos deuses da Corte Celestial e a queima de todos os seus templos. Apenas os fantasmas mais habilidosos participavam dessas peças, apesar de não fazerem jus ao mínimo do poderio de Hua Cheng.

Mas a celebração da semana vermelha não era apenas pela existência da Cidade Fantasma, mas também uma maneira de agradecer ao Lord por todos os seus feitos em proteger e acolher os fantasmas e demônios que para lá rumavam. Apesar dos deuses e seus olhos falsos verem tudo que Hua Cheng fazia como uma afronta ou uma injúria contra o mundo, suas ações nada mais eram do que benevolentes aos que buscavam abrigo contra as os castigos e caçadas celestiais.

Mesmo ciente de tudo isso, Hua Cheng jamais participou do Festival.

Durantes anos ele perdurou, até o dia em que borboletas prateadas queimaram todas as lanternas penduradas pela cidade. Os fantasmas se esconderam e fugiram em todas as direções sem entender o que estava acontecendo, apenas vendo os preparativos para o Festival sendo destruídos por um fogo branco e puro que parecia vir da Mansão Paraíso. A ira que emanou dali nos dias seguintes foi o suficiente para impedir que o Festival tomasse forma novamente.

"Que cê acha que aconteceu?"

"Deve de ser os malditos Oficiais Celestiais de novo!"

Corriam diversos rumores e murmúrios na Cidade, mas ninguém jamais soube ou questionou qualquer motivo que fosse, e assim as celebrações da Semana Vermelha tornaram-se apenas lembranças dos fantasmas que moravam ali.