Capítulo 1 - Parte Um - A

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Seria legal, ele supôs, se eles realmente tivessem chegado lá no sábado, porque agora tudo estava acontecendo rápido demais. Eles saíram do carro e entraram em sua casa alugada, esfolando suas canelas na mobília desconhecida no escuro, antes que sua mãe percebesse que eles precisavam achar o interruptor ou algo igualmente arcaico. Mesmo após isso, metade das lâmpadas na casa pareciam estar queimadas.

Mikey adormeceu imediatamente após o jantar, pálido e obviamente exausto, mas Gerard não conseguia relaxar. Ele passou sua primeira noite lá olhando tristemente pela janela, escutando a ausência de sirenes, trânsito e outras formas de poluição sonora inofensiva. Ele normalmente dormia assistindo programas de platéia e comerciais, mas seu novo quarto não tinha TV, apenas uma estante de livros vazia e um guarda-­roupas com espelho. Tudo que ele podia ouvir eram horripilantes sons de zonas rurais e o zumbir de seu cérebro.

Aquilo era de alguma forma insanamente quieto e impossivelmente barulhento ao mesmo tempo. Os galhos da árvore arranhavam a janela feito mãos de zumbis, o que, okay, era legal, mas barulhento pra caralho no quarto silencioso. A casa em si rangia e grunhia constantemente e a escada gemia de tempo em tempo, como se alguém estivesse subindo para o segundo andar lentamente. Talvez todas as casas fizessem esses barulhos, mas você apenas pudesse realmente ouvir no completo silêncio das cidades pequenas.

Não eram apenas sons horripilantes, porém. Tinha também esquisitices física: luzes piscando nos corredores, teias de aranha penduradas e manchas escuras de mofo nas paredes da sala. Gerard já tinha tropeçado em três tábuas soltas, batido seu dedão em uma gaveta e escaldado suas mãos no banheiro — as torneiras aparentemente só tinham duas temperaturas: gelado como a morte e quente como água do inferno. Esta casa definitivamente não era amigável.

Ele se perguntou se sua antiga casa sentia saudade deles, esticando­-se um pouco à frente e esquadrinhando o fim da rua com seus olhos-­janela, solitária, esperando os Way voltarem para seu lar. Talvez ela abrisse as gavetas nos dedões dos novos moradores, ou se recusasse a drenar o chuveiro, ou...

E então aparentemente ele pegou no sono, porque sua mãe de repente estava esmurrando em sua porta e, porra, a vida aparentemente não valia a pena ser vivida. Era cedo, ele tinha que andar até a escola, Mikey estava indo embora novamente e Gerard não podia nem mesmo reclamar decentemente porque isso o fazia se sentir um completo babaca.

Este deveria ser o primeiro ano de Mikey no ensino médio em Belleville e ao invés disso ele estava ali, fora da escola para passar o semestre em um centro de pesquisas especializado em asma, sendo furado e testado a cada semana por uma legião de médicos assustadores. Ele tinha deixado todos os seus amigos para trás — Pete, Gabe e aquele cara super esquisto da banda da escola que ficava rondando furtivamente ao redor de sua casa e tagarelando com Mikey sobre seu império de DVDs pirata da Disney. Então foda­-se isso tudo, Gerard iria apenas ser um soldadinho alegre. Ele iria caminhar até a porra da escola e iria gostar disso. Inferno.

"Porra", ele resmungou, resistindo à urgência de esfregar seus olhos outra vez. "Tudo bem, tanto faz. Talvez isso não vá ser tão ruim?"

Mikey olhou para ele e Gerard jurava ter visto um pequeno sorriso. "Boa sorte com o novo médico, cara. Xavier, certo?"

"Ha ha", disse Mikey, ainda parecendo desconfiado. "Engraçado."

"Só estou comentando", Gerard disse. "Eles disseram que podem ter efeitos colaterais do novo remédio, certo? Efeitos colaterais podem incluir, sei lá, visão de raio laser."

"Vergonhoso", Mikey zombou, mas Gerard contou aquilo como uma vitória, porque Mikey estava sorrindo um pouco. Gerard se arrastou e inclinou­-se sobre ele, cuidadoso para não derramar seu café. Mikey cheirava quente e familiar. Sono, sabonete e café amargo, e Gerard fechou seus olhos por apenas um segundo. Do lado de fora, a buzina do carro soou, o que, wow, os vizinhos vão amar aquilo tão cedo de manhã. Mikey o afastou gentilmente e o café em sua caneca balançou ameaçadoramente.

Anatomy of a Fall (portuguese version)Where stories live. Discover now