— Ai! Que diz?
— Não me declarou já o que receava da parte do seu namorado Jacob? Se se rouba um florim, porque se não roubarão cem mil?
— Descanse, descanse, que eu andarei vigilante.
— Se ela desabrochasse enquanto a menina está aqui?
— Bem capaz disso é aquela caprichosa! — replicou a jovem.
— Se a achasse aberta quando entrasse no seu quarto?
— E se assim fosse?
— Ah! Rosa, apenas ela abra, lembre-se de que não há um momento a perder para prevenir o presidente.
— E preveni-lo também a si. Sim, compreendo.
Rosa suspirou, mas sem desgosto, como uma mulher que começa a conhecer uma fraqueza no homem a quem ama, se não é que principia a habituar-se a ela.
— Volto para o pé da tulipa, sr. Van Baerle — disse a jovem; — apenas esteja aberta, virei preveni-lo; e depois disso o mensageiro partirá logo.
— Rosa, Rosa, realmente não sei a que maravilha do céu ou da terra possa compará-la.
— Compare-me à tulipa negra, e afirmo-lhe que ficarei bem lisonjeada com isso. Agora adeus, até outra vez, sr. Cornélio.
— Oh! Diga: Até outra vez, meu querido.
— Pois sim, até outra vez, meu querido — disse Rosa, um pouco consolada.
— Diga: Meu amigo muito amado.
— Oh! Meu amigo...
— Muito amado, Rosa, suplico-lhe que diga muito amado, muito amado, não é assim?
— Sim, muito amado, muito amado — disse Rosa, palpitando, ébria, louca de alegria.
— Então, Rosa, uma vez que disse muito amado, diga também muito feliz, como nunca homem algum foi tão feliz e abençoado no mundo. Só me falta uma coisa, Rosa.
— O que é?
— A sua face, a sua face fresca, rosada e aveludada, Rosa! Mas voluntariamente, não assim às furtadelas, nem por acaso, Rosa. Ah!
O preso acabou a sua súplica com um suspiro, pois acabava de encontrar os lábios da jovem, não por acaso, não a furto, como cem anos mais tarde Saint-Preux devia encontrar os lábios de Júlia.
Rosa fugiu.
Cornélio ficou com a alma suspensa nos lábios e o rosto colado à grade do postigo.
E como a alegria e a felicidade o sufocassem, abriu a janela e contemplou por largo tempo, com o coração nadando em júbilo, o azul escuro do céu, a lua que prateava o duplo rio, que corria pela lado de lá das colinas. Encheu os pulmões de ar puro e salubre, o espírito de ideias agradáveis, a alma de reconhecimento e de admiração religiosa.
— Oh! Estais com efeito lá no alto, meu Deus! — exclamou ele, meio prostrado, com os olhos ardentemente cravados nas estrelas; — perdoai-me pois o ter quase duvidado de vós, estes últimos dias; como vos ocultáveis por detrás das vossas nuvens, deixei por um instante de vos ver, Deus Bom, Deus Eterno, Deus Misericordioso! Mas hoje! Mas esta tarde, mas esta noite, oh! vejo-vos todo inteiro no espelho dos vossos céus, e sobretudo no espelho do meu coração.
Estava curado o pobre enfermo, estava livre o inditoso preso!
Durante uma parte da noite Cornélio ficou suspenso das grades da janela, com o ouvido à escuta, concentrando os seus cinco sentidos num só, ou antes em dois: na vista e no ouvido.
XXII - O desabrochar da flor
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