— Voltar? — reiterou Hoseok, assimilando em poucos segundos o peso daquela ação. — Eu não vou voltar!
— O que está dizendo, Hoseok? Essas foram as ordens do general — lembrou Namjoon.
— Não queira dar uma de pretencioso agora, Jung — censurou Taehyung, incomodado pela atitude costumeira do companheiro vir à tona numa circunstância demasiada séria. — Você ouviu o general Jeon. Não devemos entrar em conflito sozinhos.
O soldado Jung estava sob uma espécie de transe, era possível ver o grande equipamento metálico que revestia seu corpo tremular levemente enquanto permanecia de frente para a abertura anárquica no paredão de árvores. Os punhos fechados e cheios de tensão sugeriam que Hoseok lutava contra alguma coisa no seu subconsciente.
— Eu não irei voltar — repetiu o alfa, dessa vez sem o fervor furioso de outrora, porém a firmeza era tão maciça que os dois companheiros ali sabiam que mesmo se o superior lúpus estivesse presente, o homem iria ultrapassar qualquer ordem propícia a impedir o seu intento de seguir caminho.
— Hoseo...
— Minha família está na capital — revelou o soldado Jung.
Taehyung e Namjoon silenciaram-se, a princípio, com a fala do amigo. E então entenderam de imediato a perturbação que caíra sobre a conduta de Hoseok e o fizera ir contra a exigência de Jungkook.
Esse era um dos ferimentos executado pelas mãos da guerra e decerto o pior entre todos os outros, isso porque não possuía cura e sequer cicatrização. Perder entes trazia dor e desespero às pessoas, ainda mais naquele cenário tenebroso a qual enfrentavam; não sabiam quando, como e onde, por esse motivo dormiam com um olho fechado e outro à espreita de qualquer movimentação propensa a afetar o lar, a família e a vida. Muitos homens orgulhavam-se e empenhavam-se sim para servir ao exército — eram homens que não viam honra, dever e respeitabilidade maior do que ser forte e poder proteger sua casa e os corações fora de seu corpo, mas que lhe pertenciam também. A família.
No entanto, em contrapartida a essa dedicação, os guerreiros que treinavam para defender suas alcateias também precisavam curvar-se ao tempo do exército e principalmente ao comando deste. Isso significava que não podiam proteger a família quando bem queriam e quando mais ela necessitava, a menos que esse movimento estivesse sob o juízo do comandante ou, mais difícil ainda, dentro da bagagem de ordens que seriam proferidas por este.
E em razão disso, não era sempre possível salvar a todos, sacrifícios ocorriam e infelizmente vidas perdiam-se no meio de escombros ou lâminas.
Enternecidos, os homens abaixaram suas cabeças, respeitando a dor do companheiro.
O jovem nobre arisco estava quieto no canto, junto ao outro ômega de vestes luxuosas e azuis, que condoía-se pela situação do alfa soldado. Haviam acabado de testemunhar inúmeras crianças suspirarem por uma última vez, casas desmoronarem estruturas e legados, homens e mulheres carregarem filhos e esperanças para então atrozmente caírem ao sopro da morte violenta, e por tão pouco não conseguiram fugir das garras negras e impetuosas. E também, apesar de levarem na lembrança as consideráveis cenas de resgate que protagonizaram no meio de vilas destruídas e manchadas de sangue, a angústia não deixava a mente dos dois ômegas.
Embora caríssimos e de fato costurados para a alta nobreza, os quimonos não valiam sequer o seco do sangue respingado nestes — sangue de sobreviventes, sangue daqueles que não conseguiram seguir adiante e sangues injustiçados.
Céus, já não havia sido derramado sangue o bastante para uma guerra estúpida e ambiciosa? Aqueles terroristas nunca cansavam de destruir e dominar?
— Não deixarei que machuquem minha família! — a voz alta e amargurada de Hoseok trouxe novamente todas as atenções a si e não houve ninguém que não houvesse ficado surpreso por ver olhos molhados e aflitos no rosto do soldado Jung.
— Jung, eu entendo... Mas temos que ir — Taehyung aproximou-se a fim de tocar no ombro do amigo. — Quanto mais rápido chegarmos à guarnição, mais rápido o general irá formular um plano e então poderemos partir ao encontro dos Gargantas.
— Taehyung está certo, Hoseok. Vamos embora.
— Me digam quantos passos nossos serão necessários até que mil corpos caiam ao chão? Três? Dez? Talvez uma caminhada de seis horas?
Os homens não responderam.
Hoseok enfureceu-se e golpeou a mão do Kim de cabelos negros para longe.
— Vocês não entendem que se formos embora milhares de vida irão morrer e outras tantas caso a ordem for demorar a vir?
— E o que você pretende conseguir contra um exército de assassinos sanguinários e desumanos? — Namjoon questionou, sério. — Eu sei pelo o que está passando, Hoseok, mas do que adianta tentar se matar e acabar não salvando quem você ama?
— Como eu disse, eu não irei voltar e também não vou mais perder meu tempo aqui.
O soldado Jung entrou, de modo impávido, na entrada ilegal da muralha verde e em instantes desapareceu na trilha amassada e com um ou dois troncos caídos a cada dez passos.
Ele era um daqueles homens treinados para a família e para honrar esta, porém o que os deixava em barcos diferentes era que Hoseok não dependia de ordens caso seu precioso bando estivesse sob riscos. Ele correria em sua defesa no mesmo momento.
Que seus companheiros voltassem se quisessem. Apesar de borbulhado na raiva, entendia seus compromissos e prisão ao exército. Todavia não se imaginava retornando ao agrupamento com um peso do tamanho de uma rocha esmagando sua cabeça com milhares de imagens horríficas e todas concluídas em óbitos.
E isso foi o suficiente para encontrar-se vulnerável à sombra de pensamentos angustiosos que cegaram suas habilidades e não permitiram que captasse a figura sinuosa e peçonhenta que saltara de um tronco na direção de seu pescoço.
O som agudo da lâmina decepando a serpente desligou o devaneio de Hoseok, fazendo-o virar para trás ao passo que retirava a espada da bainha.
— Você é um tonto — disse o jovem nobre, sem remover a carranca do rosto, como se aquela afirmação fosse uma lição a ser ensinada num campo de treinamento. — Iria mesmo deixar ser morto por uma cobra antes de chegar aos pescoçudos?
Atordoado, Hoseok assistiu Taehyung balançar a espada a fim de retirar o sangue da serpente e então guardá-la novamente. Namjoon estava sério e ao lado do outro ômega.
— Por que estão aqui? — foram as palavras do soldado Jung.
— Você nunca conseguiria sozinho, Jung — disse o Kim de cabelos louros. — Talvez conosco você tenha alguma chance.
E Hoseok sorriu.
— Você ainda pode salvar sua família — somente então Hoseok viu que estava perigosamente próximo de um decote ousado e pertencente à silhueta formosa do nobre feroz, a situação lhe arrancou um embaraço vermelho no rosto. De forma rápida se recompôs, virando para frente outra vez.
— Certo. Então vamos lá!
Os sinais estavam dados. Galhos e copas batalhando arduamente contra a ventania; aves migratórias atrasadas apressando-se no céu; soldados tremelicando os dentes e cristais de gelo nas margens do rio. A nevasca vinha vindo espalhafatosa o suficiente para não dizerem que não sabiam de sua chegada.
E, sem dúvidas, aquele era um dia perfeito para nadar.
— Tirem as armaduras e fiquem em posição quadrada — ordenou o general Jeon, despido do traje metálico antes de todos eles e apenas com a calça tradicional encardida na cor e na sujidade dos treinos pouco estufada nas pernas e justa nos tornozelos.
Jimin agradeceu por estar coberto pelo fino tecido de mangas longas e golas curtas trazido na bolsa de viagem. Dessa maneira poderia não participar da batalha indireta entre os peitorais grosseiros e assustadoramente musculosos dos alfas e o frágil pedaço de pele liso e apenas saliente nos bicos róseos das mamas férteis.
Outra vez ocupava a fileira da frente, mas o superior lupino chamou quatro homens do alinhamento traseiro.
Naquela manhã, a correnteza estava mais rude e agressiva no lume, inclusive podendo ser visto famílias inteiras de peixes sendo puxados para longe. O local escolhido foi exatamente aonde o gracioso soldado esbarrara com o general Jeon Jungkook.
— Prestem atenção — disse o superior, juntando as mãos atrás das costas. — Vocês treinarão o nado hoje. Aos principiantes, irão aprender o exercício da forma mais rápida e eficaz possível. Vocês quatro! Entrem na água.
— Sim, senhor!
Os alfas imediatamente puseram-se debaixo da corrente gelada e desproporcional às temperaturas corporais. Fecharam ao mesmo tempo os olhos como se isso pudesse enviar uma bomba de coragem e calor aos organismos.
— Muito bem. Agora virem-se para suas retaguardas.
Confusos, os homens obedeceram ao comando sentindo a corrida furiosa da água quase empurrar os troncos corpulentos. O frio era tanto ali que parecia impossível chegar a uma espécie de equilíbrio térmico com o rio.
— Nadem — ordenou o lúpus. Até quem não participava do exercício no momento espantou-se com a ordem do superior. — Nadem contra a correnteza!
Jimin ficou assombrado com aquela imposição. Nadar contra a direção do rio? Isso parecia desvario e insensatez... E ambos critérios estavam longes da sabedoria do Jeon, com exceção do primeiro que às vezes aparecia nas atividades de treino, como por exemplo quando dormira junto dos outros soldados esticado no ar. No entanto divergir da correnteza era parecido com fazer um ataque frontal ao inimigo — e o jovem Park não sabia coisa alguma sobre isso, mas imaginava ser algo inconsequente.
Não queria o mal dos companheiros de treino, porém desejava que estes demorassem o máximo de tempo possível para conseguirem o feito ordenado pelo lúpus, porque assim poderia observar o sol terminar pouco a pouco seus serviços no céu e recolher-se então para a troca de turno. Apesar de que não tinha dúvidas de que o general continuaria o exercício até o último soldado mesmo sob o manto negro da noite. Assustou-se dessa vez com a nova ideia. Será que o superior não pensava na possibilidade de um crocodilo agarrar os pés dos alfas ou coisa pior?
Os homens resignados ao treinamento impulsionaram os peitos, quase ao mesmo tempo, chocando-os com a água e dando início aos movimentos braçais e nas pernas.
O peso dos músculos uniu-se à força da corrente e os puxou junto a ela para trás.
Jungkook observou seus homens serem arrastados até que ficassem em pé na água outra vez a fim de retomar o equilíbrio.
— Vocês precisam ser mais forte do que a correnteza! — bradou o lúpus. — Concentrem suas forças nos músculos das pernas e dos braços e foquem somente nelas. Façam essa força ir contra o rio, se fizerem isso poderão nadar livremente contra ele. Estão fazendo sua própria força ir contra vocês mesmos! — ralhou o general ao ver a mesma situação de antes se repetir. — Empurrem o rio, estabilizem os membros, lutem contra esse escudo dos Gargantas. Empurrem ele!
Jimin impressionou-se quando viu um dos homens realizar três bem-sucedidas braçadas que lhe levaram à frente dos demais.
— Fez bem, soldado Yang. Continue fazendo isso.
Quando enfim pareceu que os quatro alfas conseguiram completar o exercício a um nível aceitável, o general Jeon decidiu colocar um novo quarteto na água e gracioso soldado foi o terceiro a ser chamado pelo superior.
Segurava firmemente um dos botões do tecido superior e orava para não ser o alvo principal das atenções. Todavia, mesmo tendo ficado na extremidade mais afastada do rio, seus mamilos rosados logo atraíram olhares quando apareceram sob a veste branca e molhada do ilegítimo alfa. Enrubescido, Jimin procurou focar-se somente nos golpes violentos que recebia na barriga. A correnteza estava mesmo forte e temia desequilibrar-se a qualquer momento.
— Lembrem-se, sejam mais fortes que o rio.
Jimin fechou os olhos, sentindo-se inapto ao exercício.
— Comecem.
Logo o pequeno Park viu os colegas de treino içarem constantes braçadas contra a direção do flume.
Seu primeiro passo foi submergir o corpo até o pescoço e então jogar-se sentido contrário ao trajeto da água. Bateu uma vez um braço e uma vez o outro, contudo esquecera-se das pernas e então foi empurrado rudemente pelo rio. Olhou para o lado e observou os alfas sendo nocauteados pela mesma força.
Aquilo era mais difícil do que caminhar nas estradas lamacentas de Syueng sem respingar lama nas bordas do quimono.
Sentia os dedos dos pés tão gélidos que suspeitava se não haviam sido imobilizados por gelo. Na região onde estava a água parecia bem mais escurecida e misteriosa também. Podia experimentar a sensação de algas enroscarem nos seus calcanhares e a agoniante expectativa de ser surpreendido por uma arcada de sessenta e quatro dentes agarrando alguma parte de sua carne. De repente o devaneio pareceu tão real que Jimin pensou somente por sua vida e não pelo exercício de treinamento. Bateu rapidamente as pernas enquanto variava as jogadas de braço para frente, sendo capaz de sentir os músculos não desenvolvidos abrigarem uma espécie de energia revigorante. Viu-se mais à frente dos demais, mas logo assustou-se com um ruído desesperador atrás de si.
Rapidamente endireitou-se na água, mal tendo tempo para orgulhar-se de seu triunfo. Todos os homens encaravam o corpo humano embrenhando-se na correnteza e sendo arrastado velozmente pelo rio.
O alfa estava se afogando.
O doce ômega, assombrado pela visão, teve que reforçar duas vezes mais o equilíbrio naquele curso d´água violento. Os comandos e ímpetos de seu próprio corpo foram o de ir ajudar o homem, tal como o de vários soldados ali — alguns inclusive jogando-se no flume em direção ao vitimado. Mas ninguém fora rápido o suficiente para perceber que o general Jeon já havia mergulhado e agora trazia o alfa com um ombro servindo de apoio ao braço alheio.
Os soldados, espantados, assistiram o superior lúpus carregar o corpo atordoado do homem contra a correnteza que lutavam até então.
Jungkook puxava não somente seu peso, mas o do outro também e isso era de se impressionar.
— É isso o que acontece quando deixam o rio vencer vocês — disse o general, após deixar o alfa recém abatido deitado sobre o chão distante da margem. — Devem ser mais fortes do que ele — o Jeon, agachado, pressionou uma mão no peito do homem firmemente e empurrou-a com força. Os pulmões esguicharam a água ingerida — e nunca vacilarem um movimento.
Ao se levantar, Jungkook encarou os olhos semi abertos do soldado ao chão.
— Respire cem vezes e volte para a água. Saberá como lidar com ela agora.
E então as bolinhas pardas dos olhos de Jimin, ainda submerso, receberam um pouco da rigidez e ardência do olhar lupino. O doce ômega ruborizou ao recordar-se do aviso de noite passada naquele mesmo lugar, o perigo do afogamento, a advertência do superior e a quentura daquele corpo muito bem trabalhado e resistente.
E mal sabia o ilegítimo alfa que compartilhava dos pensamentos de Jungkook, o qual também extasiava-se com a lembrança das auréolas rosinhas de bicos eriçados que lhe roçaram o peitoral outrora e que agora transpareciam timidamente para si naquele corpo entontecedor.