"A pujança dos meus sentimentos não me permite passar um dia sequer sem pensar em ti."
𝔸 sobremesa foi colocada em cima da mesa, duas porções de crème brulée servidas em pequenos potes de porcelana.
As duas mulheres estavam sentadas lado a lado, flertando constantemente com toques discretos e beijos furtivos. Miranda olhava ocasionalmente ao redor, não querendo ser flagrada em momentos tão íntimos.
"Você prometeu se comportar, lembre-me de nunca mais confiar em suas promessas."
Andrea sorriu mordendo o lábio, enquanto pegava uma colher da sobremesa, levando em seguida aos lábios de Miranda. A mulher aceitou a oferta, degustando o sabor adocicado sem perder o contato visual com a jovem.
"Você fica me olhando desse jeito, como quer que eu resista? Não consigo, não posso ficar perto de você, ver sua boca linda e não querer beijá-la, ver sua pele…" Seus olhos correram para as pernas de Miranda, ela tocou o joelho e circulou o polegar suavemente na pele macia de sua coxa. "E não querer tocá-la. É impossível."
Miranda vagou os olhos pelo salão mais uma vez, seu corpo sendo tomado por um arrepio prazeroso enquanto lutava para não externar seus desejos. Então ela sentiu a mão de Andrea deslizar para o interior de sua saia, caminhando sorrateiramente por sua coxa.
"Andrea…" Interrompeu o toque segurando em seu pulso. "Por favor, veja onde estamos."
A mão dentro da saia migrou para a cintura de Miranda, e seu rosto se aproximou para beijá-la, tomando para si os lábios com sabor de baunilha. Sem forças para resistir, o corpo de Miranda amoleceu e seus dedos entranharam no cabelo da jovem, puxando-a para mais perto.
"Andrea…" Os lábios carnudos traçaram uma trilha por seu pescoço e ela se sentiu ferver por inteira. "Certo, pare!" Recobrando o controle, Miranda se afastou, sempre olhando em volta. "Vamos terminar a sobremesa."
Andrea revirou os olhos e respeitou a vontade dela, pegou de volta a colher e começou seu doce. Miranda, por sua vez, respirou fundo e prendeu seu cabelo fazendo um coque alto para afastar o calor queimando seu corpo.
"Miranda, eu vou fazer uma pergunta e você pode responder com sinceridade, eu não vou ficar chateada, certo? Você tem vergonha de mim?"
"O quê?" Perguntou assustada, mas não demorou muito para compreender. "Oh, minha querida, é claro que não. Escute, eu sou uma pessoa muito conhecida por aqui, muita gente do meu círculo frequenta esse lugar e os arredores. Você entende que com a minha situação…"
"Claro! Eu sinto muito, não devia ter feito essa pergunta." Interrompeu, arrependendo-se imediatamente. "Eu não tenho o direito de…"
"Não, não. Eu compreendo perfeitamente. Também não é como se eu tivesse o costume de trocar carícias íntimas em público, não é algo que eu faça." Tocou com carinho o rosto de Andrea e sorriu compreensiva.
"Achei que as pessoas aqui fossem mais liberais."
"Não é para tanto, não é como se fizéssemos orgias em praça pública."
Andrea finalmente riu e Miranda sentiu um alívio tomar conta de seu corpo, não desejava de modo algum machucar a jovem.
"Eu entendo seu sentimento, eu também quero muito te tocar e ser tocada por você, mas uma de nós precisa ser adulta e se controlar, já que a criança não consegue manter suas mãos longe."
"É difícil quando meu doce favorito está ao meu alcance!" Andrea sorriu, revirando os olhos. "Quando você vai parar de me chamar assim, hum?"
"Nunca. É um apelido carinhoso, aceite isso, é algo bom já que eu nunca uso apelidos."
"Sei." Fingiu estar brava, tentando controlar o sorriso vaidoso.
"Gracinha. Vou pedir a conta."
"Não, por favor." Implorou, voltando a beijar o pescoço dela e deixando-a totalmente amolecida novamente. Andrea já havia entendido o poder que tinha nas mãos… e nos lábios. "Eu preciso de você, Miranda…" mordeu o lóbulo da orelha, sentindo os dedos de Miranda cravar mais uma vez em seu cabelo.
"Cristo, garota! O que você está fazendo comigo?"
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Nada daquilo era esperado. Conhecer Andrea, envolver-se de forma tão intensa, entregar-se de corpo e alma, deixar de cumprir seu cronograma de trabalho noturno para estar com ela, não era esperado. Mas aconteceu, e Miranda sequer entendia como podia ter perdido tanto o controle e por que tudo isso era tão bom.
O som da noite ficou cada vez mais evidente, animais noturnos se escondiam na vegetação enquanto elas se conectavam dentro do carro, na beira do abismo em que conversaram no dia em que se conheceram.
Os corpos quentes e desnudos, suados e arrepiados, moviam-se no banco de trás, como se estivessem em uma dança sensual e sincronizada. Os cabelos haviam se soltado em meio aos movimentos, grudados na pele molhada e caindo sobre o rosto.
Miranda adorava sentir as mãos delicadas em suas costas, ora acariciando, ora pressionando sua pele com o vigor do êxtase. Mostrava que, mesmo ela estando no comando, Andrea estava lá, possuindo seu corpo e sendo possuída.
"Não me marca." Sussurrou, gemendo com a mordida que Andrea deixou em seu ombro.
Seus olhos se prenderam nos lábios entreabertos da jovem, avermelhados e inchados pela ferocidade dos beijos que trocavam, os sons que escapavam por eles denunciavam que Andrea estava prestes a explodir em êxtase. Esse efeito tão urgente deixava ela ainda mais excitada, saber que enlouquecia Andrea era o alimento de seu prazer.
Andrea arfou com a voracidade célere dos movimentos de Miranda, sem conseguir se segurar, mordeu mais uma vez o ombro dela, mais forte do que deveria. E como se tivesse pressionado um botão automático, Miranda gemeu mais demoradamente, tensionado o corpo enquanto apertava Andrea com seus espasmos involuntários.
Rindo em meio aos gemidos, Andrea sentiu seu corpo vibrar, finalmente liberando a explosão de seu prazer. Seus lábios se conectaram em meio a respiração ofegante e seus corpos se acalmaram aos poucos, o frenesi dando lugar às carícias delicadas.
Como se o mundo e o tempo fossem só delas, os toques e os beijos pareciam não ter fim, tão suaves quanto a atmosfera que havia preenchido aquele carro com cheiro de desejo.
Os lábios de Andrea trilharam para o pescoço de Miranda e deixaram beijos lentos e molhados na curva cremosa. Ela continuou percorrendo o caminho até o ombro e viu a marca avermelhada de sua mordida, beijando com cuidado sobre ela.
"Eu machuquei você?" Indagou preocupada.
"Não, minha querida. Está tudo bem."
"Deveríamos ir para o hotel, tem uma cama confortável no meu quarto, sabia?"
"Boa tentativa, mocinha." Miranda riu graciosamente antes de deixar uma mordiscada no queixo dela. "Você me seduz até seu quarto, não me deixa mais sair e eu perco a linha de pensamento na reunião amanhã. Não vou mentir, eu adoraria pedir férias e ficar dias na cama com você, conversando nossas bobagens, rindo, chorando… e todo o resto. Mas meu emprego está em risco, preciso mostrar para minha chefe quem sou eu."
"Pareceu-me perigoso." A jovem riu com certa preocupação.
"Para ela vai ser muito perigoso." Sorriu maleficamente, mordendo o lábio inferior.
"Você não tem medo de ser demitida?"
"Não. Se isso acontecer eu vou para América com você, recomeçar minha vida por lá, o que acha disso?" Brincou, sacudindo as sobrancelhas.
"Eu acho que é um plano perfeito." Andrea abriu um sorriso tão brilhante que deixou Miranda completamente afetada. Ela emoldurou o pescoço da jovem com seus braços e voltou a beijar seus lábios com uma lentidão degustadora.
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O carro parou na frente do hotel e elas se olharam com uma profunda melancolia, sentindo a proximidade da despedida iminente. Andrea deslizou o polegar no lábio rosado de Miranda antes de puxar seu rosto para o beijo de adeus.
"Eu odeio esses momentos, acho que de certa forma é melhor acordar e você ter partido do que te ver partir." Sussurrou, roçando um nariz no outro.
"Não seja tão dramática. Apenas vá e não olhe para trás, então eu não observarei você ir."
Os cristais azuis se conectaram com os orbes castanhos, palavras não ditas mas sentidas, mesmo que não compreendidas. Um último e demorado beijo foi dado antes de Andrea sair do carro, caminhando a passos rápidos.
Fitando fixamente as mãos no volante, Miranda tentou se conter, mas acabou por olhar para Andrea, vendo-a entrar no hotel. Como se fosse atingida por um pressentimento, Andrea olhou para trás e elas trocaram um sorriso divertido, depois de um aceno, cada uma seguiu seu próprio caminho.
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Miranda passou pela porta de entrada da casa e executou seu ritual de chegada. As pastas do trabalho foram deixadas sobre a mesa de centro e ela prendeu o cabelo enquanto caminhava para seu quarto.
A banheira começou a encher, queria um banho demorado e relaxante, embora seu corpo já parecesse flutuar. Olhou-se no espelho e só então percebeu que estava sorrindo, revirou os olhos para si mesma e comprimiu os lábios na tentativa falha de conter o sorriso.
"Será que ela ainda me liga hoje?" Disse baixo, enquanto tirava a pouca maquiagem do rosto. "Isso é ridículo, acho que pensar o tempo inteiro em alguém é o primeiro sinal de paixão." Uma pausa e ela semicerrou os olhos para sua imagem no espelho. "E falar sozinha é o primeiro sinal de loucura. Você já foi melhor, Miranda!"
Despiu-se com paciência e entrou vagarosamente na banheira, deixando o corpo imergir aos poucos na água morna. Olhou para seus joelhos flexionados por alguns instantes, antes de escorregar completamente para dentro da água, mergulhando da cabeça aos pés.
Ao emergir, passou os dedos nos cabelos molhados, arrumando-os para trás. Deslizou a mão pela barriga e tocou em sua intimidade, ainda sentindo que Andrea passara por ali, uma sensação de espaço vazio, como se algo lhe faltasse.
Lembrando-se de seus problemas, tentou afastar a jovem de seus pensamentos. Era o momento de ser racional e estratégica, se ela quisesse proteger seu trabalho e sua reputação, precisaria mostrar sua força e influência.
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Miranda sempre escolhia a montagem mais coerente, moderna e elegante para compor sua vestimenta, sempre combinando com a ousadia e estilo próprio, dando uma originalidade ao resultado final de sua composição. Não era de se surpreender que além de dominar o ramo, ela era uma importante influência na moda.
Uma coisa era fácil de perceber quando se convivia algum tempo com Miranda, ela se vestia de acordo com seu humor e suas intenções, e naquela quarta ela estava adornada para matar, armada do scarpin ao lenço Hermès aquecendo seu pescoço.
O vestido de seda preta no estilo slip dress deslizava elegantemente pelo seu corpo por cima de uma blusa cinza de gola alta. Os sons do salto escuro batendo contra o mármore esmagava a tranquilidade dos funcionários. Eles sabiam, o olhar gélido, alguns graus abaixo do comum, não era um bom prenúncio.
"Lucía está em reunião, Miranda." Celine, a assistente, informou assim que ela pisou na ante sala da chefe.
"Estou tentando me lembrar…" Tocou o queixo de forma pensativa.
"O quê?" A jovem esguia de cabelos curtos e loiros franziu a testa.
"Em que momento eu perguntei algo para você." Lançou com a voz fria e cortante. A mulher empalideceu, engolindo em seco e recuando alguns centímetros. "Ligue para cada membro da equipe que estava em treinamento no último mês, marque uma avaliação final para esta tarde e…"
"Mas eles já passaram por todos os processos, estão apenas esperando o… " Ela parou imediatamente de falar, percebendo o olhar de Miranda ao ser interrompida. "Desculpe-me, Miranda. Você estava dizendo..."
"Quero todos eles no armário às duas da tarde, quem não estiver aqui não precisará aguardar nosso contato. Eu serei a avaliadora, deixe isso claro, quero que saibam com quem estão lidando."
"Sim, Miranda. Farei imediatamente."
"É claro que fará. E por Brigitte Bardot, tira essa boina, não combina com absolutamente nada." Revirou os olhos.
"Lucía disse que estava bom."
"Eu não duvido, o senso de moda dela consegue ser pior que o seu." Ela assistiu Celine tirar imediatamente a peça e enfiar em uma gaveta. "Isso é tudo." Finalizou, antes de dar as costas e sair, permitindo que, só então, a assistente pudesse respirar.
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"Ir bem nos testes, saber falar de forma rebuscada e dominar as teorias pode ser fácil, mas não determina o conhecimento prático de vocês. Compor o nosso quadro é de extrema responsabilidade, e se um não fizer seu trabalho da forma devida, todos são prejudicados." Miranda caminhava de um lado para o outro, movendo as mãos de forma leviana, enquanto apavorava os candidatos. "É por isso que estão aqui hoje. Eu quero seis montagens para a próxima estação. Quero originalidade, elegância e harmonia. Vocês têm todo esse armário a disposição e aqueles são os manequins que irão montar. Retorno em quinze minutos e quero tudo pronto. Isso é tudo."
Ao dar as costas, o nome de Miranda foi chamado por um dos candidatos. Revirando os olhos e já sabendo de quem se tratava, ela girou no próprio eixo e arqueou uma sobrancelha.
"Eu me chamo Jacqueline Follett." A jovem sorriu com arrogância, dando ênfase ao sobrenome, como se isso tivesse alguma relevância.
"Que história divertida, cheia de detalhes e informações importantes." Miranda abriu seu sorriso de tubarão, exibindo todos os seus dentes.
"Sou sobrinha de…"
"Não me importo com sua árvore genealógica. Os outros estão trabalhando, é conversando que você pretende ficar se for contratada?" Com esse comentário, deu as costas novamente e saiu, caminhando com toda a sua graça e conferindo o relógio.
No corredor, uma Lucía furiosa vinha em sua direção. Ela sorriu internamente percebendo que tudo estava dando certo.
"O que você está fazendo?" Perguntou nervosa. "Eles já foram avaliados."
"Não por mim, sou eu quem vou trabalhar com eles, preciso saber se estão aptos." Continuou andando enquanto Lucía tentava acompanhá-la.
"Miranda, eu já tomei minha decisão, a equipe será contratada!"
"Você não toma essa decisão sozinha, a diretoria precisa aprovar."
"Eles vão aprovar, deixei hoje mesmo o parecer no escaninho deles."
"Você está certa disso?" Miranda a fitou com um sorriso cínico enquanto esperava o elevador. Lucía apertou os olhos para ela, tentando ler a mulher. "Eu acho que eles podem levar em consideração o que tenho a dizer sobre suas escolhas, especialmente sobre uma candidata específica."
"Miranda…" Respirou fundo com impaciência, enquanto a outra entrava no elevador com o queixo empinado. "Você não quer trazer essa narrativa à tona."
"Talvez eu queira. Nepotismo na Runway? Seria um escândalo, não?Vamos ver se sua sobrinha realmente pode fazer esse trabalho."
"Achei que estivesse do meu lado."
"Você está do meu?" Com isso, as portas se fecharam e Miranda desapareceu na caixa metálica, deixando uma Lucía aflita para trás.
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O roupão de seda confortável, amarrado na cintura de forma preguiçosa, despencava de um lado, deixando um de seus ombros à mostra. Era a única peça que vestia enquanto tomava um café fumegante com gotas de óleo de avelã e analisava alguns layouts sobre seu sofá.
O tão esperado toque do telefone preencheu a casa e ela estremeceu de ansiedade. Esperou alguns segundos para não parecer desesperada e finalmente atendeu, ouvindo a voz quente e carinhosa da doce jovem que vinha lhe arrancando sorrisos nos últimos dias.
"Oi, minha querida, como você está?"
"É bom ouvir sua voz depois de tanto tempo. E você? Conseguiu ser demitida?"
"Ainda não!" Miranda riu, deslizando a mão livre pela borda do roupão. "Mas foi divertido, sexta-feira será ainda mais."
"O que você vai aprontar?"
"Vou provocar um motivo para comemorarmos. Aliás, o que você acha de vir na sexta à noite? Abrimos um champanhe, jantamos e eu te conto tudo."
"Você sempre tem planos perfeitos. O que você está fazendo agora?"
"Eu estava tentando trabalhar, mas não conseguia parar de pensar na sua boca e isso estava me deixando louca. Não sei como você consegue me desestabilizar tanto." Mordeu o lábio, escorregando o corpo pelo sofá.
"Deus! Você fica falando essas coisas e depois quer que eu me comporte. Eu vou acabar batendo na sua porta para ajudar a liberar essa loucura dentro de você."
"Não, eu preciso terminar tudo para termos um fim de semana tranquilo. Se você já me distrai estando longe, imagine aqui, provocando-me? Eu não resistiria."
"Gosto de saber disso."
Miranda suspirou fechando os olhos, aquela sensação inefável tomando conta de si, mantendo seu corpo quente e o pulso acelerado. Pelo menos ela sabia agora o que era, tinha que admitir, era paixão.
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