Se eu pudesse descrever a felicidade, seria assim.
Da cor desses olhos, misteriosos, sonhadores e meus, tão meus.
Quando eu era pequenina, costumava sentar-me com o meu avô no jardim de casa dele, na aldeia.
Ele tinha os olhos cinzentos também.
Uma vez, estava curiosa porque os olhos dele não tinham nenhuma cor.
"Os olhos cinzentos, existem para que quem os ame, os pinte da cor que quiser."
Ele dizia-me isto sempre que me via perdida na cor cinzenta.
Depois do meu avô falecer, o Castiel foi a única pessoa que conheci com os olhos exatamente da mesma cor.
De que cor é que eu os pinto?
Qual será a cor do amor?
Avô, se estivesses aqui, conseguias me responder?
O meu transe é cortado, assim que ouço a voz doce e quente dele, soar pelo microfone.
Sinto que eles estão a falar para mim, mas eu não consigo mesmo, sequer, esboçar alguma palavra.
Assim que ele começa a cantar, ganho anos de vida.
Os meus olhos, parecem que estão a ver melhor.
O meu coração, está a bater melhor.
Eu toda, estou melhor.
Ele está igual, apenas com as expressões mais velhas. As tatuagens que percorrem os braços dele, completam a sua atitude livre e espontânea.
O cabelo dele está maior, porém amarrado, o que lhe dá um ar sexy e rebelde, se é que poderia ficar mais.
Não consigo ouvir a música, mas consigo ler perfeitamente o que os lábios carnudos e rosados dele estão a projetar.
Estou num transe, isto, até os olhos dele cruzarem os meus.
Sei que ele me viu, por momentos, hesitou continuar a cantar. Está em choque, nota-se pela cara dele.
Os olhos dele, a encarar os meus, a lerem-me até a alma, a medir os meus pecados e a julgar o meu amor por ele.
"Allayah, estás bem?" A Rosa sussurra ao meu ouvido baixinho. Com a mão no meu ombro. Não falei, apenas abanei com a cabeça. Tenho a sensação de que não ia conseguir falar mesmo que tentasse.
"Sabias que era hoje o show dele, certo?" Ela volta a perguntar.
Claro que não sabia. Se soubesse não tinha vindo. Ou tinha?
"N-não." Digo quase sem força nenhuma na voz.
"Lamento, não te teria trazido aqui se soubesse. Queres ir embora? Eu falo com eles e vamos a outro lado." Imediatamente abano com a cabeça em negação. Não quero ir a lado nenhum. Eu quero estar aqui, perto dele.
"Não, eu... eu estou bem." Respiro fundo. Tenho de me recompor. Vim para festejar o meu emprego e para estar com os meus amigos. Ele viu-me, sabe que estou aqui. Provavelmente, vai ignorar e continuar com a vida dele, então não vale a pena ficar assim.
"Allayah, pensei que sabias que era o show dele. Tínhamos combinado." A Melody diz. Claro que ela tem de falar em momentos inoportunos.
"Eu realmente pensei que hoje era Sexta-Feira. Varias pessoas comentaram comigo que era Sábado e eu nem prestei atenção." Admito. Provavelmente, o sonho atordoou-me tanto que confundi o dia.
"Talvez isso seja o seu Karma." A Chani diz. Essa menina é demais.
"O meu Karma?" Franzo a sobrancelha.
"Sim. Esta foi a forma do destino vos fazer reencontrar. Porque raio haverias de achar que era Sexta-Feira, sendo que todos os sinais te dizem que é Sábado? Isto foi o teu destino, a trazer-te para aqui." Ela diz. Todos na mesa estão atentos e interessados. Todos menos eu, só me consigo concentrar na voz do Castiel. Doce, quente, a ecoar pelo bar.
"Surpreendentemente, isso faz muito sentido." Ouço o Alexy dizer.
Não demora muito até que a música acaba e todos aplaudem, os meus amigos também. Eu fico indecisa se aplaudo ou não, então limito-me a fazer um gesto qualquer com as mãos, que nem eu sei.
"Foi um prazer estar aqui esta noite com vocês. Estar de volta a casa, depois de uma turnê, é uma sensação única. E tudo graças a vocês." O Castiel fala no microfone. Incrível como ele não tem vergonha do palco. Pelo contrário, realça a atitude dele, combina tanto.
Após isto, a banda desce do palco. O meu coração começa a palpitar quando eles vêm em direção ao público. Provavelmente para dar autógrafos. Eles estão tão perto, tenho de sair daqui. A mesa onde estamos é demasiado perto, se eu ficar aqui ele vai me ver.
"Eu tenho que ir ao banheiro. Já venho." Aviso rapidamente os meus amigos e saio.
Vou em direção ao balcão, ou a qualquer lado onde me possa esconder, mas assim que estou quase a chegar, uma mão agarra o meu pulso.
É ele.
Não preciso sequer de me virar para saber.
Conheço o toque dele.
O Cheiro dele perto de mim, doce, intenso.
Quase não me consigo virar, mas ele faz pressão para que me vire. Típico dele, tem que conseguir sempre aquilo que quer. Quando quer.
"Allayah?" Deus. Como o meu nome soa tão maravilhoso vindo da boca deste homem.
Viro-me, lentamente e com medo.
Medo do efeito de ter este homem a centímetros de mim.
Encaro-o.
"C-Castiel." Digo, sem olhar diretamente nos olhos dele.
"Não sabia que estavas de volta à cidade. Não me falaste nada." A voz dele é segura, nada nele mostra insegurança, vergonha ou receio. Ele parece tão... seguro de si.
"Não tive a oportunidade de... E também..." Eu realmente não tenho uma explicação lógica para isso. Apenas não achei que faria sentido. E nunca imaginei que ele me viesse perguntar.
"Não precisas de inventar desculpas." Ele franze as sobrancelhas. Por vezes esqueço-me de que ele me conhece demasiado bem.
"Não, eu..." Ele me interrompe.
"E daí tu vens ao meu show sem me avisar? Achas que eu não ia notar?" Ele parece chateado, talvez até um pouco... magoado?
"Não, não é nada disso, eu..." Ele interrompe novamente.
"Eu te reconheci no meio da plateia durante o show." Admite. Nossa, como é estranho estar aqui na frente dele, a falar.
"Verdade? Eu não achei que..."
"A gente fica com os spots de luz na cara, mas eu também não sou cego." Ele interrompe, pela milésima vez. Caramba, primeira vez que estou com ele em três anos e ele não me deixa terminar um frase.
Antes que possa responder, um aglomerado de fãs se junta à nossa volta. A pedir autógrafos e fotos com o Castiel. Uau, é isto que ele conseguiu? Nunca imaginei que ele fosse ter fãs a pedir autógrafos...
Ele é realmente uma estrela.
"Escuta... não queres ir para um lugar mais calmo, para conversar?" Ele sussurra no meu ouvido, para que elas não ouçam. O gesto arrepia-me. Já não o tinha assim perto de mim há tanto tempo. Que saudades.
"Sim, claro." Digo.
O Castiel começou a caminhar por entre a multidão muito rápido, e eu segui atrás. Ele nos levou para uma sala que ficava atrás do palco. Consigo sentir o olhar de toda a gente no bar em nós. Incluindo o dos meus amigos. Sei que vou ser metralhada de perguntas. Provavelmente, não vou responder a nenhuma.
Chegamos a uma sala fechada, cheia de aparelhos de som e cabos espalhados. Alguns empregados do bar estavam a arrumar a sala.
Ficamos encostados num canto, eu contra a parede e ele bem na minha frente, de cara séria e braços cruzados. Parecia até que me ia dar um sermão.
"Estou contente por te ver." Ganho coragem para falar. Só eu sei o esforço que estou a fazer para estar de pé neste momento. O Castiel mexe comigo de todas as formas possíveis. Vê-lo e tê-lo bem aqui na minha frente depois destes anos é algo realmente único. Excitante até.
"Tão contente que nem passou pela tua cabeça entrar em contacto comigo para me avisar que estava de volta?" Não esperava uma resposta tão afiada. Por momentos, tinha me esquecido do quão direto ele consegue ser. Demorei alguns segundos até conseguir alguma resposta.
"Sabes que não é tão fácil assim. Coloca-te no meu lugar. Terminámos e não nos falamos mais. Era suposto de ligar do dia para noite só para avisar que voltei?" Digo, sinceramente. Ele pode ser afiado, mas ele me ensinou bem.
Ele não disse nada.
Apenas se limitou a olhar friamente para mim, bem dentro dos meus olhos.
Já não via este olhar há anos.
É, provavelmente, a única coisa vinda dele da qual não sinto saudades.
"Na verdade, tem razão. Foste tu quem foi embora. Depois de tudo isso, imagino que não tenha voltado por minha causa." A maneira como ele disse isso, encarando-me fixamente, me gelou até a alma. Ele tem um ar de desafio na cara, como se me quisesse testar.
"É o que queria?" Franzo as sobrancelhas. A minha pele arrepia quando ele começa a rir. Um riso forçado, parece.
"Tu somes durante anos e eu tinha que estar disponível, assim de repente? Achou que eu fosse ficar sentadinho te esperando, é?" Outch. Não digo que tinha ideia de voltar com ele, mas também não estava à espera de uma negação tão forte e humilhante. Mas eu o conheço. Isto é o Castiel quando está magoado. Ele nunca quer dar parte fraca. Longe dele dar a entender que está magoado ou afetado com algo.
"Não foi isso que quis dizer com a minha pergunta. Pare de ficar brincando com as palavras." Estalo.
"Ok, garotinha..." Ele sorri de canto. Eu posso jurar que por momentos o meu coração parou. Quando estávamos juntos, ele me chamava sempre assim...
Ver que ele não se esqueceu disso, aquece o meu coração. Eu amo este homem. Mesmo que ele não saiba disso, mesmo que ele não possa saber disso.
"Vamos dizer que vou passar uma borracha nisso. Você sempre foi desajeitada com esses códigos sociais. Vamos recomeçar do zero." Ele sorri. Esse sorriso é maravilho.
"Gostei bastante do show." Digo, mas minto. Não digo que não tenha gostado, mas certamente teria gostado mais se tivesse ouvido alguma coisa. Só me conseguia focar nele.
"Que bom..." Ele diz.
"Quer dizer que agora anda cantando pelos palcos..." Digo, um pouco nervosa. Sinto que ele me está a observar. Cada detalhe meu. Provavelmente, eu mudei tanto quanto ele. Sei reconhecer que mudei.
Ele está perto de mim, estamos encostados no canto da sala, então apenas um pequeno espaço nos separa. Consigo sentir a respiração dele contra mim.
"Houve uma época em que tinha sua voz só para mim..." Não sei porque disse isto. Na verdade, suou mais como um sussurro do que outra coisa. Sei que não estava à espera, consigo sentir a respiração dele mais pesada.
"Um tempo que passou." Abaixo a cabeça com a resposta. Ele tem razão...
Caramba, Allayah. Levanta a cabeça! Estiveste três anos sem ele, não deixes que ele te abale desta forma.
"Com o Lysandre sem estar por perto para cantar e escrever, nunca consegui achar alguém para colocar no lugar dele. Foi a única solução que encontrei para continuar..." Ele muda a conversa.
"Foi melhor do que o que vocês faziam na escola." Sorrio, fracamente. Não tenho mais vontade de estar aqui, depois do que ele disse. Apenas, gosto realmente de o ter por perto.
"Espero que sim! Na escola a gente era iniciante... Agora a gente está começando a entender como e o que fazer." Ele sorri de volta. Uma mecha do meu cabelo foge para a frente da cara. Num instinto, ele move a mão para me retirar a mecha. Instinto que ele próprio controla, quando se apercebe do que vai fazer.
"Desculpa..." Consigo ver as bochechas dele avermelharem ligeiramente. As minhas acompanham. Eu mesma arranjo a mecha. Sorrio para ele. Ele retribui. Eu amo ele.