— Antonie? — Escuto Isabel me chamar.
Eu estava tão concentrado no encaixotamento dos meus quadros, que não a vi se aproximar.
— Oi.
— O que está fazendo? Vai se mudar?
— Claro que não. Estou organizando tudo para a exposição de Nova Iorque. Ou já se esqueceu?
— Oh! A exposição de Nova Iorque. Claro, eu me lembro sim. Você vai leva todos os quadros?
— Sim. Charlotte possui uma concepção um pouco... digamos que... apurada de mias.
— Charlotte? Quem é Charlotte?
— Charlotte ela é... a responsável pela seleção, organização e...
— Simplifica, Antonie.
— Ela é uma curadora, ou conservadora da arte, as duas coisas. Além de ser amiga de Larry Gagosian, o dono da galeria Gagosian. Eu preciso causar uma boa impressão.
— Você diz, de vocês mesmo ou das suas pinturas?
— Porquê de mim?
Isabel cruza os braços.
— Quer que eu responda?
Faço uma cara de magoa.
— Poxa Bel, o que foi que eu fiz para pensar tão mal de mim assim?
— Não me venha com essa. Você é uma péssima pessoa.
— O que? Você veio aqui para me insultar?
— Também.
— Obrigado.
— De nada. Eu vim aqui para me desculpar, não vou poder acompanha-lo nessa exposição, mas talvez na de Milão. O que acha?
— Porquê não vai me acompanhar?
— Trabalho. Ou já se esqueceu que eu trabalho?
— Havia me esquecido. Bom, então... nos vemos em Milão?
— É nos vemos em Milão.
Isabel me abraça.
— Queria tanto que a sua ida a Nova Iorque não fosse só pela exposição. — Diz entre abraços.
— Por qual outro motivo eu iria? Não tenho parente em Nova Iorque, e mesmo que se tivesse, não daria o ar da minha graça. Sabe como eu sou com parentes.
Ela sorri.
— Eu sei, mas deixa para lá. Vou para Nova Iorque assim que puder. Espero que se saia bem. — Sorri.
— Obrigado.
Observo Isabel sair do meu ateliê.
— Sr. Breton?
— Sim, Lohan?
— Os quadros já foram encaixotados, estão a caminho para o avião.
— Mas já? Bom, quanto mais cedo chegarmos a Nova Iorque, mais cedo possamos organizar a exposição.
— Ansioso senhor?
— Sempre.
Minha expressão não nega a ninguém o quão estou nervoso. Cada exposição para mim é como se fosse a primeira. São lugares e pessoas diferentes com gostos peculiares, não são todos que a minha arte vai agradar.
— Obrigado pela ajuda, Lohan. É sempre bom contar com você.
Lohan possui micro transportadora de cargas em Paris, não é tão conhecida mais é a que eu mais confio.
— Obrigado. — Sorri. — O senhor quer que eu peso para alguém organizar o seu ateliê?
— Não, está tudo bem. Isabel, a moça que acabou de sair, fará isso por mim. Sem eu pedir. — Sorri.
— Claro. Tenha uma ótima exposição, Sr. Breton.
— Obrigado, Lohan.
Me despeço do meu ateliê poucos minutos depois.
A partir de hoje estarei recomeçando mais uma jornada de exposições pelo mundo. Voltarei para casa em três menos, e nada poderá sair do planejado.
***
Desembarcamos sete horas depois no Downtown Manhattan Heliport, píer 6 East River. Por mais que eu estivesse exausto da viagem, toda minha atenção se voltou para o grandes arranha-céu de Nova Iorque.
— Sr. Breton?
Uma voz feminina me tira da minha concentração.
— Sim? — Viro o meu rosto para o lado esquerdo.
Seu cabelo era curto, raspado no lado direito. Suas tatuagens no pescoço estavam sendo escondidas pelo terno preto, um pouco folgado sobre o seu corpo, acompanhado por um par de luvas também preto de couro.
— Boa tarde! — Aproximo.
— Eu me chamo Camila. Recebi ordens da Srta. Thompson para leva-lo até a galeria Gagosian, onde ela o espera. As suas obras já estão sendo retiradas do avião, e serão levadas em segurança dentro dos nossos caminhões.
— Nossa, quanta informação de uma vez só. Ok, muito obrigado em relação as duas coisas. Estava ciente de que eu pagaria um taxi. — Brinco.
— A Srta. Thompson não me deu essa informação...
— E estava brincando.
— Oh! Tudo bem. Vamos?
— Claro.
Seguimos em direção ao carro.
Faz muito tempo desde a última vez que eu passei por Manhattan, as ruas ainda continuam as mesmas só que com turistas diferentes a cada minuto. Por onde estávamos passando dava para ver um dos maiores arranha-céus do mundo, Empire State Building. Ainda terei a oportunidade de ver a cidade por um daqueles binóculos.
Ao estacionar o carro, Camila se dirige para abrir. Não contestei, pois seria machismo da minha parte pensar que apenas os homens pudessem fazer isso.
— Muito obrigado, Camila.
— Vou acompanha-lo — Gesticula para a porta.
— Ok.
O caminhão onde estavam os meus quadros havia chegado. As paredes da galeria estavam vazias, e em minha cabeça eu imaginava em qual parede cada quadro meu ficaria. Não é só simplesmente pendura-los onde bem entender, preciso parar para pensar como o público e o que eles gostariam de ver primeiro.
— Sr. Breton?
Não era a voz de Camila quem me chamava. Essa voz era adocicada e suave, como o vento calmo em dias tranquilos.
Viro-me para trás e dou de cara com uma linda mulher negra de cabelos cacheados, usando um terninho verde escuro, de salto alto, pulseiras no pulso esquerdo, e uma prancheta em mãos.
— Boa tarde! — Cumprimento.
— Boa tarde Sr. Breton, sou a Charlotte a sua curadora. — Sorri.
Então essa é a famosa Charlotte.
— É um prazer conhece-la. — Sorri.
— O prazer é todo meu. Podemos desencaixotar os quadros? Preciso avalia-los para a exposição.
— Claro. Você irá gostar de todos eles.
— Auto estima é tudo, não é mesmo? — Debocha.
— Pois é. — Não sabia o que dizer.
Charlotte precisou de mais ou menos uma hora para avaliar os meus quadros. Fiquei admirado com a sua visão sobre a arte, muito mais ampla do que a minha.
— Eu gosto desse quadro. Foi um dos primeiros quadros que eu pintei para essa exposição. — Explico.
— Ele é muito bonito mesmo. Mas, e esse quadro?
— Que quadro? — Viro-me.
Charlotte segurava um quadro do qual sua existência não deveria existir. A pessoa do qual o pintou não faz mais parte da minha vida, e por mais que já tenha feito praticamente um mês desde que eu tenha a visto, as lembranças do seu rosto ainda existem em minha cabeça.
— Esse quadro não deveria estar aqui. — Afirmo, retirando o quadro de sua mão.
Meu olhar estava fixo em cada traço daquele quadro.
— Porquê não? Ele é muito lindo, apesar de que... eu duvido que tenha sido você quem o pintou.
— Porquê?
— Ele possui traços femininos, dos quais os seus não possui. Os traços são delicados mais a pintura em si do quadro parece de uma pessoa com bastante personalidade, olha as misturas das cores. Percebe? Mas todo artista gosta de aprimorar, não é mesmo?
— Eu sinto muito, mas esse quadro não pode entrar em exposição.
— Porquê? Ele não é seu?
— Não é que não seja meu é que... é de uma amiga. Mas ela não teve tempo de terminar.
— Liga para ela, peça permissão para podermos colocar em exibição.
— Não temos mais contato. — Espero ter sido bem claro em minhas palavras.
— Oh! Entendi. Bom, não temos a autorização da artista, mas... podemos colocá-lo apenas para exibição, sem fins lucrativos. As pessoas vão gostar dele.
— Posso pensar até amanhã?
— Claro, fique à vontade. Vou terminar de avaliar aqueles outros quadros. — Sorri.
— Obrigado.
Eu não posso colocá-lo em exposição, mesmo sendo um quadro muito bem pintado ou com ou sem fins lucrativos. Esse quadro me faz recordar de uma pessoa da qual eu quero esquecer mesmo que eu esteja na mesma cidade que ela, a pouco mais de trinta minutos de distância. Pois esquecer o que eu já vivi com outras pessoas é a segunda coisa que eu sei de melhor e com essa não será diferente, por mais que... nesse exato momento eu esteja obrigado a me lembra por causa de uma porcaria de um quadro.