Quando eu voltei para o colégio depois do meu ano sabático, Max Cretina Simmons foi a primeira a me cumprimentar; entretanto, sua saudação não era mais do que insultos e depreciação. Eu gostei daquilo, porque ela tinha sido a única que não tinha sido falsa comigo: ela nunca tinha gostado de mim, e nunca tinha mentido sobre, pelo contrário, ela gostava de deixar isso mais que bem claro. Por causa dela, meu ensino médio foi menos tedioso. Mas nunca, em toda a minha nova vida, eu me imaginei abraçada com ela, implorando por ajuda, já que eu não tinha capacidade naquele momento para resolver meus próprios problemas.
— Max... Eu preciso de ajuda. Por favor, me ajuda.
Eu chorava com extremo desespero na voz, com medo, desamparado, e sem me importar com o que ela pensaria de mim, se me ajudaria ou mandaria eu ir pastar. No fim, ela acabou me abraçando e me deixou chorar ali mesmo, por sei lá quanto tempo e quando me senti um pouco mais aliviado me afastei, ela segurou em meu rosto com as duas mãos e me olhou fundo nos olhos.
— Entra no carro e me conta o que aconteceu. Tudo.
Assim, ela me levou até a porta dianteira e me fez entrar; ela sentou ali atrás comigo, enquanto Charlie, seu namorado, dirigia até sua casa. No carro, Simmons me olhava séria, esperando-me abrir a boca, mas eu simplesmente não sabia como falar aquilo, por onde começar, então soltei o óbvio.
— Eu tô apaixonado pelo Mason.
Simmons relaxou no banco e fez uma cara debochada.
— Chorou no meu ombro pra me contar o óbvio? Eu te jogo desse carro em movimento agora mesmo.
— Não é isso. Quero dizer, eu amo o Mason. E ele disse que gosta de mim também. Então começamos a namorar no Natal.
— Só no Natal? Achei que tivesse sido antes. Vi vocês se beijando no quarto, na festa, imaginei que pudessem estar namorando escondido; por isso fiz vocês o apostarem. Que saco.
— Você viu? — Limpei mais uma lágrima que escorria teimosa pela minha bochecha. — Por que aceitou participar da aposta?
— Você também entrou nessa? — Charlie indagou do banco do motorista.
— Amor, foi brincadeira. Eu dispensei ele no mesmo dia, relaxa.
— E da pra explicar isso? — Apontei com a cabeça pra Charlie. — Charlie, se a Megan descobre que você realmente tá namorando uma adolescente, ela te mata.
— Bem, sobre isso... — Max começou a gaguejar. — Eu, bem... Eu não sou uma adolescente.
Eu, com toda certeza do mundo, tinha perdido alguma informação naquele caminho, olhei de Max para Charlie, convencido de que ele era um completo doente e tinha feito a cabeça de Max.
— Para agora esse carro, to indo na delegacia agora mesmo te denunciar, seu doente!
— Eu tenho 19 anos, Wallace. Vou fazer 20 esse ano. — Ela me mostrou sua carta de motorista que confirmava a idade.
— Até parece que isso não é falso.
— Eu vou ter mesmo que andar com minha certidão de nascimento por aí, Charlie?
— Eu te avisei.
— Você tá drogada, garota.
— Jude, é sério — me calei assim que ouvi o tom da sua voz, apesar de ainda acreditar que aquilo não passava de um delírio de Max.
— Max, você nunca repetiu de ano. Todo mundo sabe que você tem 17 anos.
— Eu tenho 19, por Deus. Eu me mudei pra cá com nove anos.
— Não, foi com sete.
— Quer mesmo saber mais do que eu? Olha só, quando eu era menor, eu fui diagnosticada com leucemia. Fiz o tratamento, mas fiquei dois anos longe da escola. Quando cheguei aqui e fui matriculada, todo mundo deduziu que eu tinha sete anos, então minha mãe deixou por isso mesmo, pra que as outras crianças não zoassem comigo por ser mais velha.
Ela falava como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo inteiro, sendo que aquele era o babado mais forte que poderia ter sido contato a mim naquele momento, mas mais do que isso, ela falava olhando pra Charlie, que olhava de volta pra ela pelo espelho retrovisor.
— Vocês realmente se gostam, não é?
Max olhou pra mim sorrindo. Feliz.
— Do mesmo jeito que o Mason gosta de você. Eu sempre soube que ele era apaixonado por você. Desde aquela época. Sempre percebi ele olhando pra você, e além disso, ele sempre te defendia quando alguém falava alguma merda. O que aconteceu depois...
— É passado.
Max Simons segurou em minhas mãos. Não era possível ver seu rosto com clareza, apenas quando os flashes de luz dos postes ajudavam em alguma coisa, mas pouca. Em algum momento, em um rápido feixe, pude ver seus olhos. Tristes e sinceros, algo que eu jamais esperei. Foi só aí que eu percebi a diferença que a sinceridade de Max causou na minha vida após minha tragédia. E eu provavelmente também tinha feito alguma diferença na vida dela, disso eu não tinha dúvidas.
— Tá tudo no passado.
— Certo. Agora sem mais enrolação, abre logo o bico. Você e o Mason terminaram porquê?
Dei de ombros.
— Tem alguém ameaçando matar o Mason.
***
Max acabou precisando de um chá calmante pra absorver tudo que eu tinha falado pra ela, mas basicamente ela xingou Lisa a ponto de ela provavelmente ter sentido onde quer que ela estivesse.
— E por que diabos você não foi a polícia?
— E falar o que? Não tem provas disso, não tenho provas de que ela realmente me ameaçou.
— Por que Mason tinha que se meter com essas coisas, que droga! Agora ele tá correndo risco de morte e sequer foi eu quem armou tudo isso!
— Bebê, se acalme... - Charlie dizia enquanto ela andava de um lado pra outro, o que era estranho. Ele sempre foi um cara retraído, e ali estava o mesmo Charlie, confiante de si e... Tomando iniciativa?
— Seu celular? — De repente ela parou e olhou pra mim; tirei o aparelho do bolso do casaco, desligado e o entreguei na mão dela. Pra minha surpresa e mini desespero, ela jogou no chão e o quebrou com o pé, pisando com tamanha raiva.
— Mas o que merda você fez? — Choraminguei enquanto via os restos mortais do meu bebê espalhados pelo piso de porcelana da cozinha de Max Maluca Simmons. — Enlouqueceu?
— Você não disse que ela tinha grampeado seu celular? Se livra logo dele. Você é rico, depois compra outro.
— Bastava manter ele desligado, sua maluca!
— Melhor prevenir do que remediar. Confia em mim — ela deu de ombros, pegando o próprio celular e jogando o dela pra mim. — Fica com o meu, qualquer coisa você liga pro celular do Charlie, entendeu? Assim você vai poder falar comigo.
Eu levantei, enquanto Charlie limpava meu celular do chão, jogando o resto no lixo; Max me confortou naquela noite e consegui planejar algo em trinta minutos, o que era muito mais surpreendente do que eu, que passei dias em estado de depressão.
Deitados na cama, massageando os pés um do outro, eu olhava para as estrelas penduradas no teto do quarto rosa dela, pensando.
— Ainda bem que você tava ali naquela hora. Sinceramente, eu não sei o que faria.
— Quem diria que você choraria no meu ombro — ela sorriu, debochada, me arrancando uma risada frouxa e envergonhada também.
— Se alguém me dissesse um mês atrás que eu choraria no seu ombro, eu ia dizer que a pessoa estava com sérios problemas mentais. Eu e você, amigos? Nem em um outro universo paralelo...
— Se alguém me dissesse cinco anos atrás que você choraria no meu ombro, eu ia dizer: Quem é Jude Wallace mesmo?
Acabamos sorrindo das nossas piadas sem graça, nos imaginando em outras situações diferentes daquela, Charlie acabou indo pra casa, me deixando a sós com sua namorada, que me fez comer, tomar um banho e relaxar em seu quarto. Ainda olhando para a estrela de plástico brilhando no teto do seu quarto, imaginava o que Mason estaria fazendo naquele exato momento, o que me fez derramar mais uma lágrima. E mais algumas depois dela.
— Jude...
Eu acreditava piamente que o dia em que Max Babaca Simmons me visse chorando seria o pior dia da minha vida, um dia que provavelmente seria repleto de humilhações. Mas acontece que Max se tornou meu pilar naquela noite.
— Você... Realmente o ama, não é?
Eu apenas balancei a cabeça positivamente. Sim, eu o amava. O amava e provavelmente nunca em toda a minha existência tinha parado de amar Mason Harris. E estar longe dele, vivendo sob ameaça...
— Não se preocupe. Eu vou te ajudar.
Max me fez ficar na casa dela por alguns dias. Me convenceu a ir em casa, buscar uma pilha de roupas e a ter um fim de semana mais relaxado; ela me comprou comida gostosa que só engorda, me levou ao cinema, fez um cinema em casa, viajamos até a cidade vizinha pra uma festa na casa de uma amiga... Era como se nunca tivéssemos sido realmente rivais na escola, e sim como se tivéssemos crescidos como melhores amigos, era tudo muito surreal pra mim e mais ainda pra ela, porque ela realmente nunca teve uma amizade de verdade. Mesmo assim, na escola, nos falávamos pouco, ou então os outros iriam desconfiar e eu não poderia deixar que meus amigos soubessem. Mesmo assim, ela fez questão de me visitar no camarim na noite de estreia da peça.
— Você tá mesmo bem pra fazer essa peça?
Indagou Simmons ao fechar a porta do camarim atrás dela, eu já estava relativamente melhor e Lisa obviamente não me impediria de brilhar em cima do palco.
— Ainda não pensamos realmente direito nas coisas, no que exatamente vamos fazer.
— Lisa já tirou Mason de mim. Não vai tirar meu triunfo da noite de estreia. Não adianta tentar me convencer.
Max revirou os olhos, cruzando os braços e se sentando em uma das cadeiras, a porta abriu logo em seguida, e meu coração gelou imaginando que seria um dos meus amigos, mas era apenas algumas pessoas do teatro.
— Estão olhando o que, esquisitos? — Sorriu Max, de forma intimidadora. — Continuem o que estão fazendo e esqueçam minha presença.
Respirei um tanto aliviado, mas ainda cauteloso; eu realmente não queria que meus amigos soubessem, simplesmente porque não estava seguro suficiente para me abrir com eles sobre isso, não queria coloca-los em risco.
Assim, a maioria deixou a sala, mas minha nova companheira de crime ainda ficou mais um tempo ali comigo, enquanto terminava de ajeitar a própria maquiagem. Eu já tinha agradecido a ela pela ajuda, mas jamais imaginei que ela pudesse estar me ajudando. Pensar que semanas antes éramos apenas arqui-inimigos brincando de conquistar alguém, e agora estávamos ali enquanto ela ajeitava o blush no meu rosto.
— Bom, eu já vou indo. Boa sorte — avisou Max.
— Não é assim que se deseja boa sorte no teatro.
— Eu sei, idiota — assim, ela piscou pra mim. — Boa sorte mais tarde.
Estava preparado para a peça. Aquela era a minha noite e só minha. Não ia deixar nada me atrapalhar, nada tirar minha atenção, tudo o que eu precisava era subir lá e mostrar que eu era bom. Não demorou muito até que o elenco se reuniu mais uma vez ali dentro. Juntos demos as mãos e o diretor fez um pequeno discurso sobre como todos somos espetaculares e aquele seria mais um grande espetáculo. Assim, demos um último grito de guerra e todos foram saindo.
— Vão na frente, eu tô procurando o sobretudo.
— Gun, não demora muito! Já tá todo mundo se reunindo!
— Tudo bem, é rapidinho — respondi a Tessa, ainda procurando o sobretudo, que eu não achava em lugar nenhum. Jurava que havia separado ela antes de começar a me vestir.
— Você tá procurando isso?
A voz de Mason penetrou no meu ouvido, fazendo as minhas pernas tremerem. Um arrepio subiu pelo corpo e eu hesitei em virar, apesar de estar o olhando pelo espelho: tinha medo de perder as forças e simplesmente me jogar em seus braços. Ele estava na porta do camarim, com a coroa nas mãos. Forcei um sorriso agradecido, mas ele provavelmente tinha percebido, porque eu estava quase paralisado.
— Bem, o que... O que faz aqui? — Tentei desviar o olhar para não ter que focar em seu rosto, porque tinha medo que ele percebesse o desejo e a saudade que eu sentia. Talvez eu caísse ali mesmo.
— Eu vim dizer pra você quebrar a sua perna. Trouxe isso pra você.
— Obrigado. É muito bonita.
— É isso, então... Eu vou indo. Vou te acompanhar da plateia. Até mais.
E assim ele saiu, me deixando com as pernas bambas só por ter falado com ele. Uma conversa que mal durou um minuto e que se durasse mais, provavelmente teria me jogado em cima dele e tudo teria ido pro lixo, todo o meu esforço pra não deixar ele sabendo de nada.
***
A peça tinha sido um sucesso, muitos aplausos, invasões de amigos e pais no camarim, muitas flores e elogios; Joshua me abraçou e me parabenizou mais uma vez pelo meu trabalho duro. Logo depois ele me deixou e eu estava quase pronto para sair com meus amigos, mas tinha algo a fazer antes.
Mas…
Dei de cara com ela. Por que, meu Deus, eu inventei de andar sozinho? Lisa não tinha falado nada, ela simplesmente me pegou desprevenido enquanto eu saía do banheiro. Numa escola praticamente vazia; a turma do teatro já me esperava do lado de fora pra que a gente fosse comemorar nossa noite de estreia. Mas tudo que eu recebi foi um soco muito bem dado de uma garota baixinha e psicopata. E depois, recebi uma pisada no rosto, o que me deixou zonzo por algum tempo.
— Eu sei que você conversou com ele.
— Sua maluca... — Eu disse, enquanto tentando me arrastar para longe dela, mas ela sorriu e se abaixou do meu lado, segurou meu rosto e me fez olhar pra ela. Eu sentia o gosto do sangue entrar na boca.
— Quer saber o que eu vou fazer com ele? — Ela sentou no chão. — Vou fazê-lo sofrer. Eu sei que ele gosta de você. O que acha que ele vai fazer quando vir você amanhã desse jeito?
— Eu vou... Acabar com você.
— Eu vou te pegar antes disso. Meu irmão já tá preso por causa dele. Aguento a prisão se for pra me vingar dele. Afinal, nosso querido estado aboliu a pena de morte, pena que pra vocês eu tô solta. Eu vou levar você e o seu querido namorado, por tudo que ele fez comigo. Eu já matei aquele otário do meu ex. Você não é nada, Wally Wallace.
Assim, ela soltou meu cabelo e foi embora, sem falar mais nada. Mas bastou tudo aquilo, bastou apenas aquilo pra que eu estivesse perto de me livrar dela.
Eu me virei, tentando puxar algum ar com a boca, sentindo uma dor terrível no rosto, além de sentir a barriga doendo com o soco que tinha levado. Mas foi ali mesmo que eu comecei a sorrir, cada gargalhada pra um dia em que eu precisei me segurar e chorar por causa de uma psicopata filha da puta. Charlie me encontrou pouco tempo depois, me ajudando a levantar.
— Do que você tá rindo?
Lisa não sabia, mas eu tinha o telefone de Max no meu bolso, que estava gravando toda a conversa entre nós, por mais rápida que fosse. Max me avisou que Lisa estava na plateia e provavelmente procuraria por mim e quando Mason entrou no camarim, eu já tinha certeza de que ela me pararia antes de ir pra casa.
— Eu tô rindo porque em frente ao banheiro fica o comitê do baile.
— E?
— Arrecadamos muito dinheiro esse ano pra viagem dos veteranos. Muito. Não a toa vamos ter uma super viagem.
— E?
— Há dois anos, entraram na sala e roubaram o dinheiro dos veteranos. Ninguém soube quem foi.
— E?
Mais uma gargalhada saiu de mim. Ah, que situação divertida.
— Tem uma câmera de segurança que o diretor instalou caso acontecesse de novo. Ninguém sabe dela além do pessoal do comitê. Aquela vaca já era.