O sino de vento feito de vidro, conchas e pequenas sementes secas, soou melodiosamente, fazendo Kihyun levantar a cabeça do caderno de anotações em que escrevia os pedidos entregues da semana. Sexta-feira era o dia de organizar a loja e separar todos os pedidos do período, uma vez que teria dois dias para ir atrás de tudo que precisasse para na segunda-feira recomeçar as entregas e os serviços.
Além da luz alaranjada do pôr do sol que invadira o largo cômodo da loja graças à porta sendo aberta, o vento que adentrou chacoalhou levemente as folhas de ervas penduradas para secagem, as penas coloridas de apanhadores-de-sonhos e outros objetos de proteção distribuídos ao longo do átrio circular abarrotado de produtos.
Kihyun analisou o jovem que parara no sopé da porta e observava seu redor com curiosidade brilhando por trás das lentes de seus óculos redondos. Seu cabelo preto caía-lhe um pouco pelas sobrancelhas e as vestes cintilantes roxo-escuro que vestia por cima dos ombros quase se arrastavam pelo chão. Ele trazia uma bolsa marrom a tiracolo e apertava uma das alças com delicadeza, como se pensasse sobre todos seus atos e passos.
— Boa noite. Como posso ajudar? — Kihyun levantou-se, sorrindo agradavelmente por trás do balcão. Os olhos finos e astutos do rapaz voltaram-se em sua direção, e apesar de seu semblante permanecer sério e fechado, o dono da loja percebeu que ele não vinha com más intenções.
Era uma observação subconsciente um tanto tola. O rapaz nem teria chegado até ali se tivesse más intenções, em primeiro lugar. Kihyun garantia que todos aqueles que encontravam sua loja passassem antes pelos feitiços de proteção. Além do mais, a maioria das vendas era realizada à distância, por segurança; eram poucos que chegavam até ele num fim de tarde, à luz do crepúsculo, ou mesmo durante o dia. Ainda assim, Kihyun sempre os recebia com afabilidade, uma vez que eram clientes que não foram detectados como suspeitos pelos feitiços que ele mesmo criara, e se chegaram até ali sozinhos, sabiam muito bem onde queriam chegar.
— Meu nome é Changkyun. Im Changkyun — o estranho apresentou-se, finalmente se aproximando do balcão, ainda um pouco disperso pela quantidade de produtos disponíveis ao alcance de seus olhos. Kihyun não era de se gabar, mas ele realmente era o melhor fornecedor de artefatos mágicos, ingredientes e feitiços da região.
— Ah, você me escreveu! Não esperava que prestasse uma visita — Kihyun manteve o sorriso no rosto, mexendo em suas gavetas até encontrar uma carta escrita em uma caligrafia um tanto garranchosa, com tinta que cintilava à variação da luz.
— Sim. Minhyuk, do clã do Sol, me indicou seus serviços. Escrevi a carta de acordo com o que ele me instruiu, mas ele também recomendou que eu viesse conhecer a loja, se pudesse. Como estava de caminho pelo Bosque, lembrei-me de suas direções e decidi parar — Changkyun falou, sua voz grave ressoando um pouco preguiçosamente, as palavras arrastando-se e prendendo-se umas às outras. Um mago silencioso, pelo visto, Kihyun pensou, sua curiosidade despontando.
— Engraçado você ser conhecido de Minhyuk. Parecem-me completos opostos — comentou, rindo pra si ao se lembrar do membro do clã solar, sempre barulhento e fazendo estardalhaços, falando alto e expressando-se exageradamente. Changkyun exibiu um mínimo sorriso, que agradou a Kihyun.
— São coincidências engraçadas. Sei que estou vindo sem anúncio prévio, e espero não estar incomodando, mas você teria o que lhe pedi em carta?
— Claro. Comecei a separar sua encomenda hoje de manhã, uma vez que as pedras completaram seu terceiro banho de noite escura — Kihyun disse, circulando o balcão e seguindo por uma porta à esquerda, onde uma sala com milhares de pequenas gavetas dispostas pelas paredes, do chão ao teto, encontrava-se banhada dos últimos raios solares do dia. Numa mesa de madeira de bordo, disposta embaixo da única e enorme janela do cômodo, havia folhas de seda, onde em cada uma um pequeno punhado de pedras ou pó se encontrava.
Kihyun aproximou-se da primeira folha, dobrando habilmente as bordas do papel de forma que se transformasse em um envelope, e selou-o com sua magia, pressionando as pontas dos dedos nos pontos que precisavam ser colados. Changkyun observou em silêncio, da porta, até que todos os envelopes encontravam-se empilhados.
— Cinco pedras da lua de tamanho médio, duas pedras da estrela, pó de aveleira jovem, turmalina negra banhada em três noites escuras e folhas de louro — Kihyun enumerou, voltando-se para seu cliente. Changkyun concordou com a cabeça.
— Você também teria himematsutake? — perguntou em um tom curioso. Kihyun entregou-lhe os envelopes enquanto pensava.
— Meu estoque está quase no fim graças à última visita de Minhyuk, mas acho que ainda tenho alguns. Cogumelos do sol, não é? — ele sorriu, cortês. Distraiu-se observando as gavetas da sala, sem notar o aceno afirmativo que Changkyun lhe deu, e dirigiu-se até o meio da parede esquerda, que ao cliente parecia idêntica a qualquer outra parte da sala. Sem nenhuma indicação ou etiqueta nas gavetas, não tinha ideia de como Kihyun sabia exatamente onde encontrar cada coisa ou como as alcançaria; as gavetas empilhavam-se acompanhando o pé direito e algumas delas estavam extremamente altas.
Para sua surpresa, o dono da loja abaixou-se e colocou uma das mãos no chão, que se iluminou de forma sutil, e quando este elevou a mão, mantendo-a paralela ao chão, uma escada de ramos fortes de madeira, que combinavam com a mesa da sala, surgiu. Subindo-a habilmente, Kihyun alcançou a gaveta que desejava, recolhendo em sua mão três unidades do fungo amarronzado.
— Isso seria suficiente? — ele mostrou-os a Changkyun, que concordou. Kihyun desceu e tocou em um dos lados da escada, que voltou a se fundir com o chão em um movimento lento e silencioso.
Os dois retornaram para perto do balcão de atendimento e Kihyun providenciou um embrulho feito de folhas secas para empacotar tudo que Changkyun havia requisitado. O rapaz distraíra-se novamente, passando a mão suavemente por um saco cheio de paina, tão alvas que decididamente eram cuidadas por mágica.
Um movimento atrás de suas costas causou-lhe um pequeno arrepio e ele voltou-se para Kihyun, a tempo de ver um pequeno animal amarelado pular de um alçapão no teto, que ele não havia reparado antes, para os ombros do vendedor.
— Minha familiar, Yogshim — Kihyun explicou com um sorriso, acariciando uma das orelhas enormes da feneco que se encarrapitara em seu ombro. A pequena raposa-do-deserto fechou os olhos, apreciando o carinho. Changkyun analisou Kihyun com curiosidade.
— Você se importaria se eu voltasse mais vezes? — perguntou, aproximando-se do balcão e tirando a carteira de dentro das vestes. Kihyun entregou-lhe a nota à mão com o valor final de suas compras, e sorriu cordialmente.
— Claro que não. Fique à vontade, vai ser bom ter alguém do clã da Lua limpando as energias intensas e solares que Minhyuk deixa espalhadas por aqui — ele riu. Changkyun esboçou outro de seus pequenos sorrisos e arrumou os óculos de aros dourados que escorregavam pela ponte de seu nariz.
Não quis demonstrar que estava sutilmente impressionado por Kihyun reconhecê-lo como parte do clã, apesar de sua lista de ingredientes e da época de sua visita. Normalmente pessoas de outros clãs interagiam pouco entre si, sabendo a respeito mais do que de fato conhecendo cada um. O clã lunar, ainda por cima, era bastante recluso e discreto, silencioso, cultuando às luas cheias e movendo-se secretamente nas luas novas. Era difícil que soubessem de seus membros e os reconhecessem, ainda mais por haverem muitos que copiavam seus estilos e detalhes de identificação, como as vestes roxas – apenas verdadeiros membros do clã o conseguiam com o efeito cintilante, provindo do banho estelar realizado na segunda lua cheia de um mês fértil.
O fato que Kihyun apenas sorria, prestativo e cortês, ao constatar a identidade do rapaz, deixava o mesmo com os cabelos curtos de sua nuca um tanto arrepiados. Poderia ser apenas a grande quantidade de mágica naquele ambiente, mas ele sabia que não.
Aquele mago, Yoo Kihyun, que se enclausurara no meio do Bosque, cercado de magia e feitiços de proteção, que trazia um animal de um habitat completamente diferente daquele como seu familiar, que fazia mágica como se fosse a coisa mais casual que existia em sua vida... Changkyun inevitavelmente o admirava e o temia. Poucas vezes deparara-se com magos tão poderosos quanto aquele, e nenhum deles mantinha seu ego tão baixo e um amigável sorriso no rosto.
Com um aceno de agradecimento e agora a promessa deuma futura visita, Changkyun do clã da Lua deu às costas ao vendedor da Casa doBosque e saiu por sua porta, buscando seu caminho de volta para a Cidade.
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Notas: E começamos a história! Eu decidi postar o primeiro capítulo um pouco adiantado, já que apenas a introdução é bem curtinha. O próximo capítulo chega no fim de semana.
Espero que tenham gostado e aguardem ansiosamente por ele, eu simplesmente amo escrever essa história, o Monsta X como esses personagens, e esse mundo todinho. Compartilhar com vocês é um grande prazer e eu espero que vocês se apaixonem por ela também! Ficarei muito feliz se for o caso.
Até a próxima!