ROSIE JOHNSON JÁ havia lido incontáveis romances policiais, mesmo assim não conseguia se recordar de um caso semelhante a este. Quer dizer, não era o caso em si que a intrigava — afinal, a morte de um milionário é um clássico dos mistérios —, mas, sim, a imensa falta de pistas. A garota havia passado minutos analisando a sala e nada. Sem dúvidas, o assassino tinha, no mínimo, um conhecimento mediano sobre criminologia.
— Senhorita Johnson, trago boas novas. — Edgar cantarolou, enquanto aproximava-se do lugar em que a ruiva estava sentada. — O legista finalizou a análise e gostaria de conversar com nós dois.
— Excelente!
A jovem se levantou, abandonando o sobretudo — que, graças ao aquecedor da mansão, já estava mais seco — na cadeira e acompanhou Holmes até o médico. Rosie estava colocando todas as esperanças no legista, porque dependiam das descobertas dele para iniciar a investigação.
— Doutor James, esta é Rosie Johnson, minha nova parceira. — O médico de cabelos acobreados a cumprimentou com uma leve inclinação de cabeça. — Johnson, este é o doutor Bailey James.
— É um prazer conhecê-lo.
— O prazer é todo meu. — Seu tom era tão áspero, que Rosie se questionou sobre a veracidade da afirmação. — Posso atualizá-los sobre o caso?
— Por favor. — A novata retribuiu a entonação hostil.
— Stefan Phillips foi assassinado entre dez e onze horas, o que significa que Evans demorou quase trinta minutos para pedir ajuda. Não posso dizer ao certo a arma utilizada, mas acredito que tenha sido uma faca do chef. — O detetive e Johnson trocaram um olhar cúmplice. — E, ah, o assassino definitivamente era canhoto.
— Como pode ter tanta certeza, doutor? — Holmes questionou, a sobrancelha arqueada.
— Está vendo este ferimento aqui? — Ele indicou um corte abaixo do ombro. — É fisiologicamente impossível que tenha sido causado por uma pessoa destra. Se quiser, posso demonstrar.
— Não acho que seja necessário.
— Ok, Johnson. — Bailey retirou uma pinça do bolso do jaleco e cuidadosamente puxou um fio de cabelo escuro da roupa do cadáver. — Quanto a isto, é provável que pertencesse ao assassino, afinal, apenas nós dois adentramos a área e ambos somos ruivos.
— Não sou burra, pare de repetir o óbvio.
Doutor James revirou os olhos e guardou o fio em um saquinho translúcido, que entregou para Holmes. Estava tão impaciente quanto a ruiva.
— Gorda ingrata...
O resmungo foi quase inaudível, mas a dupla — que estava atenta a tudo — não deixou o comentário passar despercebido. Rosie, entretanto, não estava ofendida por ele tê-la chamado de gorda. Não, ela se orgulhava de seus traços. Estava ofendida pelo modo que o legista disse isso, como se a garota fosse menos digna. A verdadeira escória da sociedade.
— Peça desculpas. — O bisneto de Sherlock ordenou e a ruiva sentiu seu coração dar um salto. Se já não fosse cadelinha dele, a jovem teria se apaixonado naquele instante. Convivia com comentários cruéis diariamente, mas ninguém nunca a defendeu daquela forma. Não com um olhar tão mortífero.
— O que?! — Bailey questionou, inconformado.
— Você ofendeu a dama, peça desculpas imediatamente.
— É foda mesmo... — Doutor James soltou uma risadinha cínica e revirou os olhos. — Me perdoe.
A resposta arrogante não foi suficiente para Edgar, que parecia prestes a cometer um homicídio, mas Johnson interviu. Apesar do desgraçado preconceituoso merecer, uma briga entre o detetive e o legista só ocasionaria mais problemas.
— Vamos, Sr. Holmes. — Ela o puxou pelo casaco. — Poupe sua saliva para os interrogatórios.
☂︎︎
ALÉM DE STEFAN PHILLIPS e Margaret Evans, mais duas pessoas estavam presentes na mansão durante a noite do assassinato: John Stuart, o mordomo, e Adam Evans, o jardineiro. Apesar disso, todas as suspeitas da equipe de detetives estavam concentradas na cozinheira, a qual foi escolhida como a primeira na ordem dos interrogatórios.
— Me... me... chamaram? — A senhora perguntou entre soluços, após adentrar a sala de jantar. Mesmo com a cara inchada pelas lágrimas, tinha uma expressão doce. Rosie não conseguia imaginar como ela seria a assassina, mas dizem que os criminosos são sempre as pessoas mais improváveis, não é?
— Sim, Evans. — O bisneto de Sherlock abriu um pequeno sorriso. — Eu sou o detetive Edgar Holmes e esta é Rosie Johnson, a minha parceira.
— Gostaríamos de fazer algumas perguntas para a senhora. Sente-se, por favor.
A mais jovem apontou para uma poltrona preta, que ficava em frente ao sofá onde a dupla estava sentada. Levaria um tempo considerável para chegar na delegacia, então, optaram por improvisar o local do interrogatório na mansão.
— Mas... os policiais... eu... eu... já disse... tudo... que sabia.
— Vamos só garantir que não tenha esquecido de compartilhar nenhum detalhe, está bem? — A ruiva indicou novamente o assento e, dessa vez, Margaret se sentou obedientemente nele.
— Que... estranho... achei... que este... sofá... estivesse... mais para... trás. — Observou, claramente perturbada.
— Senhora Evans, iremos iniciar o interrogatório. Concentre-se. — O detetive pediu e estendeu um copo de água para a mulher, na esperança de que ela conseguisse reorganizar seus pensamentos.
— O que estava fazendo entre dez e onze horas da noite?
— Eu... eu... — Margaret tomou um longo gole da água e respirou fundo. — Eu estava terminando o jantar.
— Tão tarde?
— Senhor Phillips me... pediu que cozinhasse... um risoto de última hora, os outros... funcionários da mansão podem... confirmar isso.
— Hum, e quanto a sua relação com o seu chefe?
— Ele era uma pessoa... complicada, sabe. Mas, eu juro... juro pela rainha... que jamais faria... qualquer mal a ele.
A dupla continuou com o questionário até que as principais incógnitas foram respondidas. Então, dispensaram a pobre senhora e pediram-na para chamar Adam Evans, o seu marido e jardineiro da mansão.
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QUANDO O SENHOR EVANS sentou-se na poltrona, Rosie não pode deixar de observar que ele seria um excelente Papai Noel de shopping. Com o olhar caloroso, o cabelo ralo e a barba grisalha, lhe faltaria apenas uma roupa vermelha — e, é claro, mãos que não estivessem cobertas de sangue do antigo chefe. Não que a polícia já tivesse como provar isto, mas, após o depoimento completo da cozinheira, Adam havia se tornado o novo foco da investigação.
— Posso ajudá-los de alguma forma? — Perguntou, mesmo já sabendo o motivo de ter sido convocado ao local.
— Na verdade, pode sim. Eu e a Sra. Johnson gostaríamos de saber o que fez o senhor, coincidentemente, sumir no mesmo horário em que ocorreu o assassinato.
— Como disse?
— Segundo o relatório da sua esposa, você desapareceu no período de dez até as onze. — A iniciante olhou fixamente nos olhos do jardineiro. — Onde você estava, Sr. Evans?
— Bem, eu estava no banheiro.
— E foi engolido pela privada? — O detetive sugeriu, ironicamente. A naturalidade do homem para mentir era surpreendente.
— Não, eu simplesmente tive alguns problemas intestinais.
A ruiva comprimiu os lábios, tentando suprimir uma gargalhada — em momentos como esse, era quase impossível ser profissional. Felizmente, para o alívio da britânica, um policial se aproximou dos três. Sua expressão era tão séria que a risada da jovem morreu instantaneamente.
— Encontramos a arma do crime. Peço que os três me acompanhem.
Eles não ousaram desobedecer o homem.